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Nove expoentes da cultura indígena que você tem que conhecer

por Gean Ramos

Kunumi MC

Rapper

Rapper e escritor, Kunumi tem se destacado como um dos expoentes mais originais no cenário da música indígena contemporânea. Colaborou artisticamente com nomes clássicos do rap nacional, como Racionais MC’s e Criolo, e publicou dois livros, Contos dos Curumins Guaranis e Kunumi Guarani.

“Eu sou escritor, compositor e cantor de rap. Fico muito feliz porque Nhanderu me deu esse dom. Agradeço muito por poder usar essa ferramenta, que é a arte da música, da literatura, para falar sobre o meu povo. Nós sempre tivemos nossa arte, nossa música e a contação de histórias dentro das aldeias. Uma cultura que, desde 1500, com a invasão dos portugueses, vem sendo desvalorizada. É triste perceber que mesmo pessoas que moram bem pertinho da aldeia passam a vida toda sem conhecer a diversidade do povo indígena. Por acreditar que a natureza é o que nos mantém vivos, somos responsáveis por preservá-la. A Terra não é nossa, nós que somos da Terra.

Eu tenho dois livros publicados. O primeiro é Contos dos Curumins Guaranis, que lancei junto com meu irmão, Tupã Mirin, e o segundo livro é o Kunumi Guarani, que fala sobre a vida de um jovem Kunumi que vive numa aldeia Guarani. Em breve, vou lançar um livro chamado Kunumi, o Guerreiro da Copa e suas Músicas, que fala sobre a minha trajetória, quando participei da Copa do Mundo. Sinto que essa é a minha e a nossa missão: tentar fortalecer e divulgar a nossa cultura para que ela seja valorizada. Sou muito feliz por poder representar um pouco do meu povo.

 

Márcia Kambeba

Escritora, ativista e fotógrafa

Márcia é escritora, poeta, fotógrafa, ativista e educadora. Lançou 4 livros: Ay kakyri Tama, O lugar do saber, Saberes da Floresta e Kumiça Jenó: narrativas poéticas dos seres da floresta. Professora universitária, atua como palestrante de assuntos indígenas e ambientais no Brasil e no exterior. 

“Como ativista, tenho atuação em várias áreas. A literatura é a que mais se sobressai, unida ao trabalho de música e fotografia e às palestras que tenho feito. Não é fácil ser escritora e viver de literatura, especialmente quando temos que lutar por espaços de visibilidade e escuta para fazer nossa mensagem ser ouvida e lida pela arte da escrita. A literatura é fundamental não só para o ativismo que fazemos, mas também para que as crianças e as novas gerações possam ter registro da memória de seu povo, história e, assim, darem continuidade à resistência.

Ser escritora indígena requer coragem, vontade e determinação. Como poeta, uso a poesia para levar mensagens não só aos indígenas, mas também aos que vivem na cidade. Abordo temas que me são especiais, como educação, a questão ambiental e a Amazônia. Publicar um livro é difícil, mas não é impossível. Percebo que as portas estão se abrindo cada vez mais para a literatura indígena. A cada novo escritor e escritora indígena, ampliamos os olhares. Fazemos arte com ativismo, e isso é necessário neste tempo tão difícil que vivemos, em que construir territórios é fundamental para novas territorialidades.” 

Brisa Flow

Cantora e compositora

Brisa Flow é mineira, radicada em São Paulo. Filha de artesãos chilenos, recebeu desde criança a influência da cultura dos povos nativos de Abya. Seu primeiro álbum, Newen (2016), significa “força” na língua nativa do povo mapuche e foi seguido pelos trabalhos Selvagem Como o Vento (2018) e Free Abya Yala (2020).

“Meu nome é Brisa de la Cordillera. Eu vejo a arte como um reflexo do tempo e do espaço. Meu corpo está no mundo em constante relação com a Terra. Ser indígena é ser gente originária da Terra e se sentir sozinho nos lugares em que se está. Por conta do genocídio do nosso povo, muitas vezes precisamos recorrer a referências que vão nos deixando cada vez mais distantes do presente. Não ter memória e território cria um problema constante na busca por pertencimento. Quando estou no meio urbano, me sinto solitária. Lembro da minha bisavó, em seu território vasto, rodeada de ovelhas, me ensinando sobre a vida. É nos sonhos que me conecto. Ali, escuto o vento e sinto a água correr. Existe mais vida na Terra do que imaginamos. Nós não deixamos de existir conforme a cidade aumenta. O genocídio segue em curso, mas estamos vivos na existência ancestral, que é o nosso corpo, e no canto, que é a arte da memória. A quebra dos estereótipos coloniais é urgente.”

Cacique Marcos Xukuru

Ativista e líder político eleito

“Sou Marcos Luidson de Araújo, mais conhecido como Cacique Marcos Xukuru, tenho 42 anos e sou filho do Cacique Xikão. Assumi a liderança muito jovem, tinha apenas 21 anos, logo após o assassinato do meu pai. De lá para cá, me dediquei ao projeto de vida do povo Xucuru do Ororubá, dando continuidade ao legado do meu pai e conquistando uma estabilidade na minha liderança e um reconhecimento até internacional na defesa dos direitos humanos. Nosso território Xukuru do Ororubá, que está localizado no munícipio de Pesqueira, interior de Pernambuco, tem mais de 28 mil hectares de terra e mais de 12 mil indígenas espalhados em 24 aldeias. Tenho como missão de vida lutar para garantir os direitos de todos os nossos irmãos. Já sofri perseguições, ameaças, emboscadas e outros milhares de ataques, mas isso jamais irá me calar ou me impedir de seguir lutando pelos nossos direitos e pelos povos indígenas em geral. Estou cumprindo com a missão que os nossos encantados nos concederam, como eles também concederam ao meu pai, o eterno Xikão Xukuru.

Nossa atuação como liderança indígena no cenário político em nosso município é e foi uma quebra de tabu. Bateu de frente com todos os preconceitos e quebrou todas as amarras relacionadas aos povos indígenas do Brasil. O processo eleitoral em nosso município não se refletiu apenas em âmbito nacional, mas também em esfera internacional. Está ligado diretamente aos direitos fundamentais previstos em nossa Constituição Federal de 1988.  Isso significa que nossa luta diária vem dando resultados, e estamos colhendo nossos frutos.”

Carmem Pankararu

Ativista

Indígena do povo Pankararu e residente na aldeia Bem Querer de Cima, Carmem é ativista indígena e assessora de gestão do distrito sanitário especial indígena de Pernambuco.

“Sou militante nata. Minha história se pauta pelos princípios familiares da solidariedade, os quais aprendi ao dividir na prática o pouco adquirido e compartilhar todos os espaços com meus amados 11 irmãos. Sou parte de uma comunidade indígena do sertão nordestino, onde as secas prolongadas secavam o chão. Sobrevivi às faltas d’água e à ausência de plantação.

As minhas motivações para me tornar uma militante comprometida foram as lutas sociais do meu povo, especialmente na causa da saúde indígena. Ao me envolver com as questões do meu município, conseguimos reduzir a mortalidade materna e infantil nas aldeias, antes sem qualquer assistência. Passaram-se 20 anos desde que comecei essa empreitada, e sigo na mobilização para incentivar as pessoas a participarem nas decisões do Estado. O envolvimento no campo social é tão intenso e exige tanta dedicação que absorve completamente a rotina, muitas vezes prejudicando as nossas relações pessoais. A busca pelo benefício coletivo é uma atividade que demanda comprometimento social, político, capacidade operacional e honestidade. 

A minha batalha está em fortalecer o  Sindicato dos Trabalhadores e Profissionais de Saúde Indígena (SindCopsi) e transformá-lo em ferramenta de interlocução entre os movimentos indígenas, os governos e autoridades. Tudo isso com o sentimento de que ‘Juntos somos mais fortes’.”

Katú Mirim

Rapper, cantora e atriz

Katú é rapper, cantora, ativista e indígena do povo Boe-Bororo. Em suas músicas, reconta a história da colonização através da ótica originária, resgatando questões de ancestralidade e abordando suas vivências na periferia. No campo social, é a fundadora do Visibilidade Indígena e do coletivo Tibira – Indígenas LGBTQ.

“Sou indígena, nascida e residente da periferia. Ser uma indígena periférica é um recorte que me impede de avançar mais na minha carreira porque o racismo atrelado a esse estereótipo me coloca na posição de inferior. Sempre preciso provar que posso cantar rap, que está tudo bem eu morar na periferia e continuar sendo quem eu sou. Antes de ser indígena, eu sou artista, mas ser indígena me faz ter um muro gigante, que eu sempre precisarei quebrar para ocupar os espaços que são meus por direito.”

Djuena Tikuna

Cantora e compositora

“Eu sou cantora do povo Tikuna, a maior nação indígena do país. Canto a cultura popular do meu povo, mantendo viva a sua história como símbolo de luta e resistência para as futuras gerações. Como jornalista, trabalho para difundir a musicalidade indígena e o universo cultural dos povos originários. 

A cultura tem pautado minha trajetória. Com ela, trago os ensinamentos dos meus ancestrais, que são a voz de nossa identidade, nossa forma de ver o mundo e compreender que a natureza vive em nós a sua plenitude. 

Carregamos vivo em nosso espírito o canto de quem veio antes, em uma luta diária para afirmar que não somos um fantasma do passado, mas estamos presentes, exigindo a garantia de nossos direitos – entre eles, o maior de todos, que é o direito à vida.”

Graciela Guarani

Produtora cultural e cineasta

Pertencente à nação Guarani Kaiowá é formada em audiovisual, produtora cultural, comunicadora, cineasta e curadora de cinema. Mulher indígena pioneira em produções originárias para o audiovisual brasileiro, assina a direção e roteiro de 8 curtas-metragens, além da série Nhemongueta Cunha Mbaraete (IMS/RJ) e do longa My Blood is Red. Atua como formadora no curso Mulheres Indígenas e Novas Mídias Sociais (ONU Mulheres Brasil) e na oficina de cinema Ocupar a Tela: Mulheres, Terra e Movimento.

“Tem sido desafiante estar no campo em que transito. Permanecer resistindo para garantir que narrativas originárias sobrevivam no audiovisual/cinema não é glamuroso, pode ser muito violento para corpos originários, pois estamos sempre à margem da veiculação de grande massa. Um dos grandes desafios é poder acessar esses meios para que minimizemos a grande ignorância que a maioria da sociedade tem sobre nossas realidades diversas. Outro desafio não menos importante é permanecer neste meio sem subsídio e sem políticas públicas, pois o que muitas vezes temos são ações de apoio esporádicas, pontuais, sem rotatividade. Precisamos pautar políticas que tornem este meio mais acessível e com condições de sobrevivência. Que consigamos sobreviver de nossas artes, pois sabemos que também é nosso direito.”

Kaê Guajajara

Cantora e atriz

Kaê é indígena do povo Guajajara, cantora, compositora e atriz. Fundadora do Coletivo Azuruhu. Como escritora, publicou o livro Descomplicando com Kaê Guajajara – O que você precisa saber sobre os povos originários e como ajudar na luta antirracista

“Atuar no mercado da música é muito complicado, ainda, como indígena, pois já na hora de registrar uma música não temos o nosso idioma dentro dos idiomas que se escolhe para identificar aquela música. E é daí para pior, pois não temos espaços como artistas em geral e, por isso, muitos acham que não precisamos receber pelos nossos trabalhos, nos desqualificam e acham que não somos capazes de fazer uma música ou nos expressarmos de outras formas. É uma área que ainda está evoluindo para que seja