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Ómana: rendar encontros e entrelaçar vivências

Mais do que nunca, qualquer tipo de produção que respeita o seu próprio tempo é algo valioso, digno de admiração. Imagine só, nos dias de hoje, conseguir pôr em prática a habilidade de ir na contramão do imediatismo que nos convoca, sem tato e a toda hora, para a tela do celular. Sentir na mão um tecido ou uma renda parece um nado corajoso na direção oposta à maré da atualidade, mas cada braçada desse exercício de bravura traz como recompensa um emaranhado composto pelos fios da tranquilidade e, num ritmo apaziguado, a vida se torna palpável — pelo menos por ora. 

Helena e Maria.

Como um contraste necessário ao mundo frenético de hoje, eis Ómana, uma coletividade de pesquisa e design que se movimenta em nome da valorização do artesanato brasileiro, sobretudo do trabalho de mestras rendeiras e bordadeiras que dominam os ofícios mais preciosos. O projeto foi idealizado pela antropóloga e designer Helena Kussik, que desde 2010 está envolvida com pesquisas relacionadas ao fazer manual, tendo especial interesse nas expressões têxteis.

São 3 as vias para a realização do seu objetivo: 1 — o registro, que, muitas vezes, acaba se perdendo por falta de recursos e meios, impedindo a construção de catálogos e inviabilizando o alcance de trabalhos; 2 — a difusão de saberes, pois, a partir da irradiação das habilidades dessas artesãs, a luz da inspiração chega nas próximas mãos e o fazer têxtil é passado adiante; e 3 — a experimentação técnica, que dá fôlego ao design participativo e à criação de produtos únicos, oriundos de vivências distintas.

Com isso em mente, dissecar o nome fica mais fácil: “Ómana”, por incrível que pareça, não é a deusa egípcia da costura ou qualquer coisa que o valha. Na verdade, o nome vem da linguagem popular, em que “ó, mana” é usado nos quatro cantos do Brasil como um despretensioso começo de frase, como um vocativo cheio de respeito informal e até como uma exclamação de surpresa. Pois bem, é fato que o nome não é de deidades advindas de outras culturas. No entanto, há alguns anos, desde que o projeto começou a acontecer, ele pode ser tido como a alcunha conferida às divindades brasileiras do artesanato. 

Que fique a dica para os dicionários:

ó.ma.na: nome feminino

1. Deusas brasileiras da construção têxtil e seus adornos;
2. Espaço de pesquisa e design que visa a valorização dos têxteis artesanais brasileiros, suas histórias, territórios e mestras.

Para entrelaçar ainda mais vivências, Amarello & Ómana se juntam para a feira Coma Bem, Viva Melhor. Os belos propósitos de Helena e seu projeto se traduzem aqui numa luminária em renda renascença e vime, criada pelas rendeiras da Associação de São João do Tigre — Cariri Paraibano. 

Luminário Caju & Junco para a Coleção Coma Bem, Viva Melhor

A renascença é uma renda que se forma pela ligação do lacê, fitilho que serve de base para os pontos da linha e da agulha. Comumente, os desenhos que estampam a renda renascença são de cunho pessoal — arabescos, flores e folhas, que são passados às artesãs por suas bisavós, avós, mães e tias. Aqui, um a um, os pontos constroem um tecido cujos detalhes compõem graciosamente cajus e folhas do cajueiro, num desenho delicado elaborado por Aline Vilhena.

Esse fazer artesanal evoca atributos pacatos, avessos à agitação, como a delicadeza, a paciência e a destreza manual. Rendar, no fim, é um jeito de respirar. É a vida feita à mão.