Nunca antes na história desse país o pai foi tão presente na criação dos filhos como hoje. No entanto, pelo menos no primeiro ano de vida de uma criança, o pai não exerce uma função tão importante como a da mãe. Mas, ao contrário do que os homens brasileiros costumam acreditar, o pai pode ajudar muito nesse período. Só que, contrariando a natureza masculina, aqui ele terá de aceitar um papel secundário: o de dar suporte prático, de maneira que a mãe tenha mais energia e foco para cuidar do bebê. Para se candidatar ao cargo de ajudante-mor-da-mãe-com-bebê, o pai vai precisar de duas coisas: (bastante) vontade e (bastante) tempo.
Falemos primeiro da vontade. Eu acho que a vontade de passar (bastante) tempo com seu bebê é irracional, ou você tem ou não tem. Mas, para um pai extremamente racional, existem estudos científicos que mostram que passar tempo ao lado de seu bebê torna sua vida mais feliz. Como? O psiquiatra George Vaillant é, há décadas, supervisor de uma ambiciosa pesquisa em comportamento humano (o Grant Study), conduzida desde 1939 pela Universidade Harvard. No seu livro Spiritual Evolution, sintetiza, a respeito dos sentimentos humanos: “Joy is connection”, algo como “a felicidade está nos laços afetivos”. Porém, o laço afetivo entre pai e filho só se fortalece através do convívio, como bem conclui a psicóloga e filósofa Alison Gopnik em seu livro The Philosophical Baby: “We don’t care for children because we love them, we love them because we care for them.”
Outra teoria que sustenta que o tempo com o bebê é um bom investimento na felicidade do pai é a do prêmio Nobel em Economia Daniel Kahneman. Através da distinção entre nosso experiencing self, aquele que vive cada momento, e nosso remembering self, aquele que se lembrará dos eventos no futuro, consegue demonstrar que a forma como guardamos os episódios de nossa vida na memória é muito diferente dos fatos em si. Ou seja, sabe todas aquelas novidades que acontecem no início da vida da criança – o primeiro sorriso, a primeira sentada, a primeira engatinhada? Se o pai estiver presente, não só poderá curtir isso tudo na hora como a lembrança desses momentos o alegrará pelo resto da vida. As primeiras palavras ficarão sempre na memória, as noites mal dormidas serão esquecidas.
Por último, uma intuição não-científica, mas baseada no conhecimento popular: se a primeira impressão é a que fica, deve ser melhor apresentar à criança um mundo com mãe e pai.
Bom, se você ainda não sentiu vontade de cuidar do seu bebê, não tem problema, as babás estão aí para isso (já que sozinha nenhuma mãe merece ser deixada). Mas, se sentiu vontade, só falta conseguir (bastante) tempo. Vamos a ele.
Para um pai que é profissional autônomo, claro que é bem mais fácil. Você pode se programar (e economizar) de modo que possa passar bastante tempo cuidando do bebê nas primeiras semanas, e depois ir gradualmente aumentando sua carga de trabalho sem deixar de ajudar. Mas, e quem é empregado? A licença-paternidade (não, Word, não é para corrigir para licença-maternidade) no Brasil é de míseros cinco dias. E, enquanto a licença-maternidade tende a passar de quatro para seis meses, a dos pais conta com projetos de lei que a aumentariam para, no máximo, trinta dias.
O ideal seria a sociedade brasileira se mobilizar por um aumento bem maior, como é a tendência nos países europeus, inspirados pela Suécia. A Suécia é benchmark em licença-parental (tempo dividido entre o pai e a mãe) graças a sucessivos governos que apoiaram a questão nas últimas quatro décadas e provocaram uma mudança de mentalidade no país. As mulheres suecas passaram a achar um homem que cuida de bebês mais interessante. Inclusive, as taxas de divórcio na Suécia caíram desde 1995, ao contrário do que ocorreu na maioria dos outros países. Um casal sueco, pasme, tem treze meses de licença para dividir (com até 80% do salário), sendo no mínimo dois meses para o homem; mas, hoje, os pais suecos tomaram tanto gosto pela coisa que a maioria opta por ficar com ao menos quatro meses da licença.
Claro que as empresas suecas ainda acham difícil ter de se adaptar, mas pega até mal se posicionar contra. Por outro lado, facilitar a licença do pai virou uma forma de atrair bons profissionais, que agora não buscam mais apenas ótimos salários, mas também um equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. No Brasil, enquanto uma lei melhor não chega, algumas empresas também usam a licença-paternidade como um bônus. O Google, sempre na vanguarda, dá quatro semanas, assim como alguns escritórios de advocacia.
Não sendo geek ou advogado, o pai celetista tem a opção de conseguir uma licença não-remunerada, que é prevista em lei e pode durar de dois a cinco meses, dando a justificativa de que irá “resolver assuntos particulares” (isso desde que o empregador concorde). Uma outra ideia seria conciliar o nascimento do filho com um momento de troca de empregos, em que se conte com um bom pacote rescisório no trabalho antigo e se negocie um início postergado em alguns meses na nova empresa.
Então, vamos dizer que você teve a vontade e conseguiu o tempo. Resta descobrir como ajudar a mãe a cuidar do bebê. A seguir, algumas ideias de coisas que pode fazer na sua função de mão extra facilitadora.
Você pode trocar a fralda (é o mínimo), levar um copo d’água para a mãe enquanto ela amamenta (pois amamentar dá muita sede), fazer um swaddle para acalmar o bebê (enrolá-lo numa trouxinha, para os não-iniciados), carregá-lo no sling (pano que pendura no ombro, idem), fazer compras de supermercado (experimente empurrar dois carrinhos ao mesmo tempo), lavar a louça (sem fazer barulho), cozinhar (ou ir na rotisserie, ou providenciar um delivery), passear com o bebê de manhãzinha (para a mãe poder finalmente dormir um pouco), ficar com o filho por algumas horas para a mãe poder sair de casa (ver as amigas, ir no médico, fazer a unha), trocar a roupa dele (parece simples), distraí-lo enquanto a mãe coloca o pijama (ou dá remédio, ou limpa as dobrinhas do pescoço), niná-lo para um cochilo de dia (de noite ele vai querer a mãe), lavar a banheirinha (ou as chupetas, ou as mamadeiras), preparar a bolsa de passeio (sempre reabastecer de fraldas), trocar as pilhas da babá eletrônica (não compre as que só funcionam na tomada), servir de motorista (para a mãe poder ir atrás com o bebê indefeso), acompanhar no pediatra (pediatras, provavelmente), preparar a água do banho (já que dar banho quem sabe é a mãe), acordar de madrugada para dar mamadeira (ou recolocar a chupeta, ou ajudar a mãe no que precisar), ficar com o bebê enquanto a mãe toma banho (ou faz cocô, ou pinta o cabelo, ou outras coisas que mulher faz no banheiro) etc.
(Parêntesis: um oásis de tranquilidade no meio disso tudo é quando o bebê está dormindo, com sorte por algumas horas consecutivas. Aí é a hora de o casal – mais a babá eletrônica – esconder-se na sala de TV para apreciar, por alguns momentos, a companhia de outros adultos – Claire Danes, Kevin Spacey, Antonio Fagundes. As séries e novelas são mais recomendadas que os filmes, que podem sofrer um excesso de interrupções e ficar ininteligíveis.)
Vê-se que não é à toa que muitos pais acham mais cansativo cuidar de um bebê do que trabalhar. Mas o pior não é o cansaço; é perceber que, mesmo com tanto tempo investido na função, o pai não será promovido de cargo tão cedo. A CEO é sempre a mãe. Acho que é por isso que nós, pais, queremos que os filhos cresçam logo, enquanto as mães querem que continuem bebês. Quando eu ando com meu filho de meses no colo, as mulheres sempre dizem: “Que saudades dessa época! É a melhor fase!” Bom, só se for para elas, que se sentem superpoderosas sabendo que nessa fase são o mundo para seus bebês. Já os pais anseiam pela época em que – mesmo em menos tempo de convívio com o filho, que afinal uma hora irá para a escola, viajará com os amigos etc. – terão um cargo de maior importância na organização familiar, no qual serão responsáveis por conselhos preciosos em situações de vida ou morte, acompanharão o filho ao futebol, levarão a filha no mar (lá no fundo), darão as respostas para os grande mistérios da vida… Não vejo a hora.
Tempo de ser pai
por André Tassinari