Quando pensei, pela primeira vez, na possibilidade de partir em busca dos meus sonhos, percebi que meus desejos necessitariam tempo, pois era criança e não podia tomar muitas decisões. Recordo como se fosse hoje daquelas férias na Bahia, com toda a família reunida. Isso nunca mais saiu da minha cabeça, e tinha certeza de que um dia viveria por lá.
Sou arquiteto urbanista e, logo no início da minha carreira, desenvolvia projetos de urbanização de favelas. Foi um período de descobertas e inquietudes, o mundo estava sendo desvendado e então começava a entender o quão plural eram as cidades e seus habitantes. A cidade formal em que vivia já não existia mais em minha cabeça. Era tudo uma grande fachada.
Mas foi quando conheci o flâneur de Benjamin que a arquitetura e a cidade passaram a ter tempo em minha vida. Queria ser um, para sentir a cidade, o cheiro, escutar e percorrer cada esquina; embriagar-me, caminhar, viver e aprender com o banal. Queria conhecer a rua, o modo como as pessoas viviam, usavam e passavam por ela.
Foi quando percebi que o espaço urbano é apenas um suporte para nosso transitar diário, e que não possui outra função a não ser nos levar de um lugar a outro. Os episódios do cotidiano que, no passado, relacionavam as pessoas à cidade em algum momento desapareceram, abrindo espaço para o informal, e passamos de agentes urbanos a meros observadores, angustiados e temerosos dentro de nossos escritórios, nossos carros e nossas casas.
O tempo passava, o escritório era um sucesso e me rendia dinheiro, os amigos se tornaram sócios e os sócios pouco amigos se tornaram. Pensava na vida e me assustava a possibilidade de passar todo o meu tempo trancado no escritório. Amo o que faço, tive a sorte de escolher minha carreira, mas, por outro lado, não queria conduzir minha existência em função do meu trabalho, ou mesmo perder tempo trabalhando e não conseguir usufruir, com a mesma voracidade, meu ócio.
Mas, de quantas maneiras podemos viver? Em quantos lugares podemos morar? Quantas cidades existem? Quanto tempo temos para a vida? E, se a vida é curva, como no poema de Jesus Lizano (Las personas curvas), por que nos prender a uma só forma, a um só tempo? Assim como Lizano, não gosto do mundo reto, das pessoas retas, das ideias retas; gosto dos poemas curvos, dos peitos curvos, dos sentimentos curvos e das linhas curvas.
Já havia vivido o sonho americano e a decadência europeia, entendia a diversidade do mundo e sabia que o estímulo, para mim, era o desconhecido. Será que deveria me matar de trabalhar para simplesmente cultuar e consumir o efêmero? Afinal, muitas coisas não uso e desfruto. Talvez fosse melhor aproveitar um pouco mais o tempo da vida.
Não poderia mais ser somente um arquiteto urbanista para projetar minha arquitetura e minhas cidades. Deveria buscar outras formas e maneiras de interagir com o ambiente. Era o momento de acreditar nos sonhos curvos da infância e me mudar.
Hoje, sou pai e tenho uma mulher para me apoiar. Deixei de lado o caos para viver à beira-mar, assim como nas músicas de Caymmi. Já não vendo mais o tempo. Uso-o para plantar e surfar. Tempo para me inspirar, projetar e amar. Não me privo mais a um só hábito, a uma só rotina, porque o que me enriquece é a diversidade da vida, a diversidade do tempo vivido.
Foi uma mudança difícil. Não é fácil rasgar a renda pela metade, mas acabamos gostando e nos adaptando a trabalhar o suficiente. Se existe o slow food, o slow work também pode existir. Podemos deixar de lado o que em algum momento foi essencial, e passar a perceber que tempo nem sempre é dinheiro.
Agora, a praia é meu novo ambiente, e tenho tudo o que pensava ter no dia em que me aposentasse. A diferença é que trago comigo mais da metade do tempo da vida para gastar. Afinal, o que nos move é a dedicação às nossas coisas, não importa onde estamos. E, se talvez todos pensassem no que realmente é importante, não teríamos tantos problemas a nos preocupar e poderíamos usar um pouco da vida esperando o tempo passar.
Um ensaio sobre uma escolha
por Alexandre Amorim