Fotografia de Denison Fagundes

Xadalu Tupã Jekupé (Alegrete, 1985) vive em Porto Alegre (RS) e sua pesquisa desdobra-se em pintura, serigrafia, vídeo, fotografia e objetos. Articula múltiplas linguagens ao tensionar a cultura ocidental e os saberes indígenas, encarando sua prática artística como um recurso contra o apagamento das culturas autóctones nas Américas, com foco especial na aniquilação sistêmica das memórias ancestrais no Rio Grande do Sul. Reverte esses processos a partir do diálogo e da reintegração com os povos guarani-mbyá em prol do resgate e do reconhecimento da sua comunidade, que habitava as margens do Rio Ibirapuitã, antiga Terra Indígena Ararenguá (Alegrete).

Nesse sentido, seu percurso se inicia na arte urbana, a partir de uma análise da relação estabelecida entre a cidade e seu entorno, evidenciando distintas possibilidades de ocupação territorial de áreas historicamente expropriadas. E a depuração de seus interesses logo direciona seus trabalhos para as instituições, convertendo acervos e espaços expositivos como locus para inscrição de culturas anteriormente subjugadas. Desse modo, seu movimento de descoberta e a retomada de sua genealogia familiar levam a entender o pertencimento como uma prática de compartilhamento, que traz à tona não apenas os embates culturais, mas também o regime de violência letal resultante dos conflitos oriundos da disputa por demarcação de terra no Brasil.

Na capa desta edição da Amarello, Xadalu Tupã Jekupé apresenta a obra inédita Tata Piriri (2022), aludindo aos mitos de origem relacionados com a posse do fogo e as cisões advindas dessa relação, na qual o enigma da existência humana atravessa o domínio e a manipulação de materiais combustíveis que liberam luz e calor. A criação e o controle do fogo marcaram uma mudança na conexão entre homem e natureza, influenciando na alimentação a partir do desenvolvimento de métodos de cocção, na manutenção da temperatura corporal pelo uso como fonte de calor e na proteção do coletivo diante de outras espécies. Não por acaso, essa tecnologia integra quase a totalidade dos mitos de origem da humanidade. O trepidar da brasa, que, segundo a sabedoria guarani-mby, é transportada na boca do sapo, advoga o equilíbrio entre os quatro elementos clássicos articulados na explicação da natureza e da complexidade da matéria.

Nesta pintura, o domínio do fogo não se dá por meio da agência humana, mas do sapo, anfíbio capaz de inter-relacionar todos os elementos em seus ciclos vitais, necessitando da água e da terra e, também, invocando o ar para mudança de sua configuração corporal. Desse modo, o fogo passa a ser encarado não como deflagrador das queimadas que, entre 1985 e 2020, devastaram quase 20% de todo o território nacional, problema que na atualidade soma-se ao desmonte sistemático das estruturas e políticas públicas que promovem a proteção ambiental. Nesta cosmogonia, o transporte e o compartilhamento do fogo apresenta-nos um novo modelo de interação entre as matérias que compõem nossa biosfera, uma fagulha como proposta para a ruptura diante do modelo de desenvolvimento atual.