#35PresenteArteArtes Visuais

O ovo que vê

por Rodrigo Braga

Parece ser este um tempo de cegueira, quando aparentemente só o grito nos resta. Mas que, ainda assim, não chega a ser suficiente. Por serem muitos os berros, já não há mais tantos ouvidos que escutem essas ruidosas verborragias com gosto de sangue. E a comunicação se perde até mesmo entre pessoas com as melhores intenções. 

É preciso dar a voz — sabemos. É preciso ouvir — dizem.

São muitos os que sempre falaram livremente em voz ativa; que sempre ditaram demais, na verdade. A pretexto de igualdade, não reconhece-se que o colorido existe; logo aniquilam-se as diferenças. Ou, de outro modo, reduzem-se as cores, limita-se a paleta ao preto e branco, criando altos contrastes intensos.

Cegos não enxergam preto, não enxergam branco.

Do outro lado, são tantos aqueles que, ainda que certamente em maior número, costumeiramente foram obrigados a calar, mas que possuem vozes altivas a serem ouvidas, de bocas que contêm palavras necessárias ao espetro da diversidade que existe. Mas suas vozes não saem desses corpos em tom plácido; pelo contrário, são estridentes; gritos da altura que suas causas pedem, com a força que julgam ser necessária para serem ouvidas. Tão fortes que podem incomodar à mesma altura, que por vezes fazem sangrar ouvidos alheios. Discursos diretos com faca nos dentes.

Mais uma vez, rompe-se a comunicação.

As mãos se agarram forte, e ninguém deve soltá-las. Mas as mãos também apontam, mimetizam poderes e as suas armas, estapeiam as faces das consciências. Com sangue nos olhos, ouvidos cerrados e gritos nas gargantas, pessoas se revelam animais não dóceis, destemidos indomáveis que avançam uns aos outros sem medo dos riscos e feridas próprios do embate com o espelho.

Esquartejam-se os sentidos.

Mas, sutilmente, percebo que há algo de novo no olho do furacão. Apesar da poeira que turva a visão, há mesmo algo à vista. É um ovo com aparência de semente, é um ovo com olho cristalino. Um ovo novo, diferente de todos os ovos, mas que também traz em si toda a ancestralidade desse arquétipo infinito. No fundo, ele é atemporal e só precisa voltar à superfície para ser visto. É como uma pedra retirada do fundo da Terra depois de uma era pregressa, para ser revelada sob o sol e oferecida à paisagem aberta; um elemento a ser exposto à visão de todos. 

Em oposição ao ovo cego que não mais eclode, ofereço-lhes o ovo de ver além.