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O mundo tacanho de nossas bolhas

Na canção-assinatura dos Novos Baianos, Mistério do Planeta, ouvimos a síntese perfeita de tudo aquilo que uma conexão humana deveria ser — “Pela lei natural dos encontros, eu deixo e recebo um tanto.” A ideia é simples, mas precisa: para que haja qualquer tipo de contato real em nossas relações, para que energias distintas se somem e criem rajadas efetivas de comunicação, a troca se faz necessária. Um encontro, afinal, não pode nunca acontecer de maneira unilateral, não é verdade? Talvez, se formos nos apegar tão somente à lógica do conceito, sim, é verdade, os encontros são, por natureza, uma via de mão dupla. No entanto, nos atendo aos fundamentos da vida atual, em que temos um controle quase ditatorial de nossas relações pessoais, a frase cantada pelo saudoso Moraes Moreira no álbum Acabou Chorare (1972) ganha novos contornos — pela lei natural dos encontros modernos, deixamos o que der na telha e recebemos apenas o que quisermos.

“Pela lei natural dos encontros, eu deixo e recebo um tanto.”

Estes stories pseudo-cults são chatos, nada a ver, não querem dizer nada? Unfollow nessa pessoa. Este conhecido da escola vota naquele político? Unfollow nele também. Opa, este TikTok é exatamente o que você procura? Bendito seja o algoritmo! A partir de agora, você vai receber um caminhão de conteúdo igual. E emojis e mais emojis de coração para o mundo hermético em que, não por coincidência, as pessoas pensam e votam como você. 

O livre-arbítrio de segmentar ao extremo nossas relações virtuais a bel-prazer pode ter um efeito negativo gigantesco em nossas relações pessoais, uma vez que a vida digital, em termos bastante comedidos, pulsa tão forte quanto a vida real. A polarização que vivemos não vem da discórdia propriamente dita — vem do distanciamento voluntário de tudo e todos que não compartilham de nossas opiniões. Os encontros não viraram colisões, eles na verdade foram sombreados pela autopreservação.

Os encontros, aliás, agora no sentido date da palavra, servem bem como indicativo da profundidade à qual a coisa toda chegou. Foi-se o tempo em que política e relacionamentos eram sinônimos de água e óleo, quando um simplesmente não batia com o outro. Isso, analisando em retrospecto, por óbvio não fazia qualquer sentido e estava a anos-luz do que seria ideal. Relacionar-se, romanticamente ou não, sem trocar visões políticas, não faz bem a ninguém. Porém, hoje em dia, a água e o óleo de outrora estão mais para leite e Nescau em pó, misturando-se como princípio e criando um gosto próprio de norma. De tão eu-aqui-e-eles-lá que estamos — especialmente às vésperas de eleições presidenciais —, a política se faz presente até nos aplicativos de relacionamento.

“emojis e mais emojis de coração para o mundo hermético em que, não por coincidência, as pessoas pensam e votam como você”

Um passeio rápido pelas bios de Tinder, ou de qualquer outro app similar, nos mostra um sem-fim de frases com posicionamentos políticos que se impõem como condição irrevogável para que qualquer futura relação possa acontecer. Parece inacreditável, mas aconteceu: nem mesmo o sexo é capaz de quebrar esse rol de barreiras construídas com tanto afinco, nem mesmo ele tem o poder de permitir que duas manifestações políticas se encontrem e se enriqueçam — não tem sequer a capacidade de fazer com que esses pontos de vista coexistam num mesmo espaço dialogal, ainda que se esgrimindo num vozerio que, porventura, não leve a lugar algum. 

Tomando de empréstimo o popular bordão de Isabelle Drummond na novela Caras e Bocas: é a treva!

O momento histórico traz à mente o filme A Bolha Assassina (1958), clássico do horror B hollywoodiano, dirigido por Irvin Yeaworth e protagonizado pelo ainda desconhecido Steve McQueen, em que um meteorito gosmento cai próximo a uma pequena cidade norte-americana (o roteiro abstrai-se de fazer quaisquer explicações mais detalhadas sobre o detrito vindo do céu). Envolvendo tudo que vê pela frente — de pessoas a lanchonetes —, e ganhando força a cada engolição, a bolha não para de crescer. 

Como não poderia ser diferente, a cidade entra em fuzuê diante daquela massa indestrutível, estranha, disforme, sem rosto — isso até o personagem de McQueen descobrir que, no final das contas, o monstro tem um ponto fraco: baixas temperaturas. Numa resolução típica de ficção científica, cujas mensagens mais elaboradas se anunciam timidamente por trás da envolvente trama principal, a cidade junta gente de todo o tipo para, com extintores coletados nas escolas e fornecidos pelos bombeiros, congelar a bolha-inimiga.

Se a cada unfollow ou fuga de um possível constrangimento — ação também extremamente comum quando diante de alguém que explicita opinião política contrária — acabamos por cortar laços com aquilo que não nos diz respeito, a cada unfollow ou fuga nós aumentamos a nossa bolha, isolando-nos assustadoramente em nós mesmos. Diferente do filme de horror B, não temos Steve McQueen para nos salvar, no auge de seu heroísmo, do mal que nos assola. A lei dos encontros já não é mais tão poética e natural como a dos Novos Baianos — uma grande ameaça digital, política e social paira sobre as cidades da nossa existência.   

As bolhas não param de aumentar e, no processo, nossos mundos é que vão ficando cada vez menores.

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