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Arte de Alvaro Seixas, capa da Amarello Erótica.
#48EróticaLiteratura

Erotizar é colorir

por Helena Cunha Di Ciero

No documentário Narciso em férias, Caetano Veloso faz um comovente depoimento sobre o período em que esteve preso, durante a ditadura militar brasileira, no final dos anos 60. Em um relato extremamente sincero e emocionante, o cantor se refere tanto ao gozo quanto às lágrimas como expressões muito íntimas e sagradas: fluidos da alma — como se o ápice da dor e do prazer pudesse se concretizar e ganhar expressão no mundo externo, transformando em matéria algo que pertence ao íntimo.

Durante os primeiros dias de encarceramento, Caetano encontra-se numa solitária, incapaz de dormir, chorar e muito menos se masturbar. A carne fibrosa que lhe ofereciam como alimento era jogada ao lado da latrina e não lhe apetecia, levando-o a comer cada vez menos. “Eu não conseguia sequer me tocar, não estava erotizado, apenas dormia e duvidava da vida que eu tinha levado até então. Era como se nada daquilo que acontecesse fora da prisão pudesse sequer um dia ter existido. Passei a duvidar do que era ou não real.”

O cantor estava em num tamanho estado de desvitalização e apatia que só conseguia dormir. Foi quando o colocaram numa cela com outros presos que ele fez amizade com um guarda também baiano, começou a ver outras pessoas, ouvir música, dormir numa cama com lençóis e travesseiro e teve retomadas as visitas íntimas de sua esposa, saindo daquela condição mortífera. “Fui voltando a me erotizar.”

Em uma dessas visitas, Dedé (a agora ex-esposa) lhe traz um exemplar da revista Manchete, e ele vê a imagem do planeta Terra pela primeira vez. A volta do erotismo é acompanhada pelo prazer de reconstruir conexões com o outro, as palavras e o diálogo. A partir dos laços que foram surgindo, o cantor foi se enganchando novamente na vida, e toda potência criativa, antes adormecida, desperta novamente. O pulso ainda pulsa, como cantaram os Titãs.

Anos depois, o compositor escreve a letra da canção Terra, que possui uma narrativa bastante sensual, descrevendo nosso planeta como o corpo de uma mulher: quando eu me encontrava preso / na cela de uma cadeia / foi que eu vi pela primeira vez / as tais fotografias / em que apareces inteira / porém lá não estavas nua / e sim coberta de nuvens.

Para estarmos pulsantes e vivos precisamos do outro. O isolamento pode ser mortal. Valter Hugo Mãe, no livro A desumanização, escreve: “O inferno não são os outros (…). Eles são o paraíso, porque um homem sozinho é apenas um animal. A humanidade começa nos que te rodeiam, e não exatamente em ti. Ser-se pessoa implica a tua mãe, as nossas pessoas, um desconhecido ou a sua expectativa. Sem ninguém no presente nem no futuro, o indivíduo pensa tão sem razão quanto pensam os peixes. Dura pelo engenho que tiver e perece como um atributo indiferenciado do planeta. Perece como uma coisa qualquer”.

Bella Baxter, a personagem de Ema Stone no filme Pobres criaturas, vai despertando para o prazer de estar viva, de pensar e ser livre a partir do movimento de se apropriar de seu erotismo, de seu corpo, de se excitar. Seu desejo de conhecer o mundo e sair de uma situação de cobaia aprisionante nasce a partir dessa sexualidade que vai dominando seu ser. Curioso esse movimento do desejo erótico como algo que se apropria, se apossa de um corpo, para então mostrar-lhe seus limites e sua liberdade. Não é por acaso que o filme começa branco e preto e termina colorido: enquanto Bella era prisioneira, apenas uma experiência científica, seu mundo era branco e preto; conforme vai descobrindo o mundo, percebendo seu erotismo e fruindo dessa experiência, seu universo antes desvitalizado ganha cores, ritmo e sabores. Até a postura da personagem, antes encurvada, vai mudando ao longo do filme, para a de uma mulher de peito aberto, porte altivo, que se encanta com a beleza de um fado, com o ritmo de uma canção. Erotizar é colorir.

Na mitologia grega, Eros (que significa desejar com muito amor) era o Deus do amor e do erotismo, um dos filhos de Afrodite com Ares. Ele é normalmente retratado em pinturas acompanhado da mãe. Na mitologia romana, ele passou a ser chamado de Cupido. Em ambos os contextos, sua principal função é unir as pessoas por meio de sua flecha mágica, e flecha simboliza a ligação, aquilo que fura, que se insere no corpo de alguém. Imagem mais que apropriada, afinal, é o erotismo o que nos empurra em direção ao outro.

Já a bela jovem Psiquê era mortal e, ainda que fosse a mais bonita das irmãs, a mais temida entre elas — exatamente por sua beleza —, por isso não conseguia se casar, sendo condenada à solidão. Consultando os oráculos, os pais da jovem entristeceram-se pelo destino da filha, e foram aconselhados a vestirem-na com trajes de núpcias e colocarem-na no alto de um rochedo para ser desposada por um terrível monstro. Na verdade, tudo fazia parte de um plano da vingativa Afrodite, que sofria de inveja da beleza da moça. Eros, que antes obedeceria a mãe matando Psiquê, ao encontrá-la fica fascinado e casa-se com ela. Num percurso repleto de desafios e desencontros, os dois terminam juntos, o que resulta num mito que representa o amor ideal: Eros representando do amor, e Psiquê, a alma.

Eros e Tânatos são conceitos fundamentais na teoria psicanalítica de Sigmund Freud. Eros representa a energia relacionada ao instinto de vida, amor e criatividade, a força que nos impulsiona a buscar conexões emocionais e construir. Tânatos, por outro lado, é a energia ligada ao instinto de morte e destrutividade, estando ligado à agressão, à impulsividade e, de certa forma, à busca pelo fim da tensão e do sofrimento. Freud acreditava que essas duas forças opostas operam dentro de cada indivíduo, influenciando seu comportamento e suas escolhas, e as nomeou pulsão de vida e pulsão de morte.

Para o psicanalista inglês D. W. Winnicott, um bebê não existe sem a mãe, isto é, quando nascemos, somos investidos afetivamente e, aos poucos, conforme vamos nos desenvolvendo, vamos nos sentindo um. Antes disso, porém, fomos dois, foi preciso que alguém nos banhasse de libido e afeto. Quando nascemos, nosso corpo é erotizado, despertado e colorido pelo amor de quem nos recebe no mundo. É nesse sentido que Freud diz que o bebê é erotizado pela mãe, pois recebe dela um contorno afetivo. A mãe vitaliza o bebê, desperta-o para a vida, celebra seu corpo, seus pedaços, lhe dá contorno afetivo. Como diz Freud, um bebê sem um cuidador não passa de um pedaço de carne. Talvez por isso Eros seja sempre retratado ao lado de sua mãe, a Deusa do amor, da beleza, do desejo e da fertilidade.

José Bertoluci, no livro O que é meu, afirma: “Nascemos e morremos sós, é certo; porém chegamos ao mundo cercados de cuidados, de gestos, palavras e toques que nos marcam para o resto da vida”.

O que nos desperta para o viver é essa libido despejada em nós, como uma chuva afetiva que nos marca e dá contorno; ela é nosso combustível da chama vital, é a centelha que ilumina nosso trajeto vida afora. Sem erotismo, perdemos a vitalidade, o pulsar, a excitação, o encantamento. Eros é aquilo que movimenta as famosas “borboletas no estomago”, e sem a benção desse Deus imortal, nossa energia vital fica encarcerada, ficamos intoxicados, estamos condenados à escuridão — somos pedaços de carne perto da latrina.

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