São muitos e diversos os caminhos que levam ao transe. Álcool, drogas, sexo, religião, música, esportes, jogo, dinheiro, poder. E mesmo o menino que gira o próprio corpo feito um peão até mudar a frequência cerebral busca o transe.
Cada um na sua, pouca gente escapa. Talvez seja vital ao ser humano a alteração do estado de consciência. Há um grupo, porém, que, em vez de buscar o transe, tenta, como pode, fugir dele. São os lobisomens, como bem retratou a cultura popular.
Estes, quando em estado normal, sentem como se carregassem uma maldição. Detestam acordar no dia seguinte sem saber onde estão, por onde andaram, o que aquele outro eu fez de seus corpos, quais desvios foram capazes de cometer enquanto sob transe, e imaginam grosserias, barbaridades, atrocidades, condenando assim aquela personalidade, que vive neles mas é incontrolável, e sem nunca ponderar que, para o lobisomem, tudo aquilo é natural, perfeitamente legal e não engorda.
Mas a relação do suposto amaldiçoado com o lobo não é só de ódio – também vai muito amor nela. Porque o lobo está para a sociedade como a água para uma represa, e sabe que pode mais, muito mais, caminhos livres, tortuosos, cheios de vida, surpresa, emoção, consciente de que força para tanto não lhe falta. Por isso, tal qual as comportas das represas, convém soltar o lobo de vez em quando, permitir que exerça sua natureza, porque o acúmulo pode acabar rompendo o dique, e o esparrame é sempre brutal.
A opressão social, que traz a culpa, como as comportas da represa, que aprisionam e controlam as águas sob a justificativa do progresso, colabora com quem vive com o transe em seu encalço. Todos aqueles que se libertam definitivamente, entregando-se aos instintos selvagens do lobo, pagam um preço aparentemente alto demais, que não compensa. A dualidade, com todo seu peso, mostra-se ainda mais leve.
Isso, que podemos chamar de homeopatia permissiva, é o único tratamento para os lobisomens, que não cura, mas equilibra e ajuda a viver na medida do possível. Além disso, só o amor, que também não cura, mas compreende e aceita o lobo como parte do ser amado.
O Lobisomem
por Léo Coutinho