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O que existe além do que já foi dito sobre o amor

por Carolina Ferraz

O que existe além do que já foi dito sobre o amor? Não faço ideia… Mas gostaria de saber. Afinal, toda minha vida é pautada em amores que tive ou gostaria de ter. Sobre os que tive, não tenho muito a dizer. Amei e fui amada. Acreditem, amei bem e fui muito bem-amada! Mas foi um só amor, um único amor que veio, cruzou minha vida, tocou minha alma e ficou marcado em minha pele. Um só. Poucas vezes a frase de um filme “água com açúcar” fez tanto sentido pra mim. Me senti como Diane Keaton, em Alguém tem que ceder, na calçada daquele restaurante em Downtown, confrontando Jack Nicholson sobre como conseguia sair com outra mulher depois do final de semana inesquecível que tiveram juntos. Lembram-se disso? Os dois personagens se encontram nos Hamptons e acabam vivendo um momento divertido e profundo. Logo na sequência, porém, veem-se em um restaurante – e ele está jantando com outra mulher. Pobre Diane Keaton… Seu mundo desaba ali mesmo e o inevitável acontece: é tomada por um enorme sentimento de perda.

Quando conversam na rua e ele alega ser um jantar sem importância, ela rapidamente diz que nunca mais as coisas serão “sem importância”, pois está in love with him, e que, depois daqueles dois dias juntos, tocada pra sempre, jamais será a mesma pessoa. Isso, falado por esses dois grandes atores, tem sua dose de charme e humor, mas o texto é sério e a cena, comovente. Sei o que aquela mulher sentiu ali, naquela calçada, diante do homem que amava: toda a dor e a decepção de um coração partido. Quem não sabe? Para além de tudo, absolutamente tudo, todos nós carregamos conosco uma história; aquela que só nos atrevemos a lembrar quando, durante a noite, no escuro, encostamos nossas cabeças no travesseiro e o silêncio cala fundo…

Não importam os anos ou nosso momento atual, certas coisas simplesmente permanecem. Tudo muda, nós mesmos mudamos, mas algumas coisas ficam, ignorando as nossas vontades e o autocontrole. Não se trata de algo que nos imobilize ou que paralise o curso de nossas vidas. Seguimos adiante, com força e determinação. Conseguimos muitas vezes nos apaixonar outra vez; talvez até casar e ser felizes. Mas então, numa tarde de quinta-feira de um ano qualquer, tropeçamos nesse amor já supostamente esquecido e, apesar de nada, absolutamente nada mudar em nossas vidas (afinal, seria muito complicado!), percebemos que amor igual não há e que aquela pessoa continua e continuará a ser nossa referência afetiva mais sincera e profunda. Não é doença nem obsessão. Aliás, não é coisa alguma. Apenas amor… dos bons, daqueles que são únicos e maravilhosos, e que acontecem raras vezes; daqueles que ficam e com os quais teremos de conviver como algo concreto, parte ativa de nosso cotidiano.

Muitas vezes travamos um diálogo interno com esse amor, trocamos ideias, escrevemos uma conversa na qual fazemos perguntas e respostas, transformando essa história em um monólogo que pode ultrapassar décadas, como já descreveu tão bem o escritor Gabriel García Márquez. Quando leio Amor nos tempos do cólera, invariavelmente me emociono. Como é lindo imaginar que um barco irá subir e descer aquele rio para proteger aquele amor de tudo, da cólera, da realidade; mas que realidade!? O que pode ser mais real do que o amor de duas pessoas? Qual realidade é mais profunda e concreta que a dos nossos sentimentos? Sei que todos precisamos de comida e de dinheiro, mas que alma consegue atravessar a vida sem ter conhecido o amor e sem ter, quem sabe, a sorte de ser correspondido? Que vida vale a pena sem amor? Nenhum sentimento é mais lindo, profundo e transformador. Só ele transcende e purifica, enlouquece e cura, invade e permanece, liberta e aprisiona… E quando acontece, definitivamente, é um som grave que penetra, ocupa e fica.

O que mais me encanta e fascina é que, embora complicado, o amor é na verdade bastante simples: “eu te amo e você me ama; então, vamos ficar juntos”. Isso parece o óbvio ululante, mas não funciona assim… Uma sucessão de fatores complicantes e desconcentrantes toma as vidas de qualquer um apaixonado, muitas vezes fazendo com que se esqueça da única coisa que realmente interessa: o barco! O barco está logo ali, esperando os corajosos de coração para carregá-los rio abaixo e acima, por toda a eternidade, e para proteger seu amor da cólera do mundo. Sempre que hesitarem, pensem em Cem anos de solidão ou em Amor nos tempos do cólera e acreditem: sempre haverá um barco para os fortes de coração. Portanto, não compliquem, nem elaborem o sentimento mais incrível e poderoso de todos. Permitam que chegue e se instale, pois o resto são bobagens, meninos, bobagens…