A identidade de uma cidade é definida por sua história. Isso significa que cada prédio e cada rua têm uma história a contar. Histórias que possuem diferentes graus de apelo, mas que sempre são histórias, parte da herança cultural de uma cidade, e que, portanto, merecem ser traçadas, pois podem ser ponto de partida rumo a um novo futuro. A história pode servir de instrumento para a transformação de edifícios e bairros – não de forma saudosa ou retrospectiva, mas como fonte de informação, que revela as características e a identidade do objeto.
Nosso escritório, o Crimson Architectural Historians, trabalha nos campos de arquitetura e planejamento urbano. Temos uma prática urbana que considera a cidade contemporânea como objeto. Portanto, pesquisamos a cidade, escrevemos sobre ela, montamos exibições, oferecemos conselhos, mas também criamos políticas e as executamos. Somos historiadores, de modo que sempre valorizamos a história em cada projeto, conselho ou palestra que produzimos. Mas não é apenas a história que traçamos; tentamos também traçar como o objeto ou lugar chegou ao estado em que se encontra hoje. Investigamos a origem, a adaptabilidade com o tempo e as possibilidades para o futuro. Tentamos revelar a identidade – e, pois, o legado – de cada objeto, porque, de uma forma ou de outra, é o ponto de partida para planos imediatos ou futuros.
Um dos projetos mais recentes que fizemos foi a transformação de um monumento nacional chamado Hofbogen: um viaduto de dois quilômetros de extensão, construído no começo do século XX, próximo ao centro de Roterdã, na Holanda. Parte do viaduto, a estação Hofplein, era – antes da Segunda Guerra – o lugar mais badalado do país, o centro de lazer, especialmente à noite. As danças mais modernas e vibrantes eram postas à prova nas pistas das casas noturnas e cafés localizados próximos ou na própria estação. Após a guerra, durante a qual foi destruída, ergueu-se outra estação, mas a estrutura de Roterdã havia mudado totalmente, e o centro da cidade foi reposicionado. Ao longo das décadas seguintes, o local seria abandonado.
Durante a década de 1980, a vida noturna voltaria ao bairro, mas de maneira mais underground. Com o passar do tempo, o ambiente ficou cada vez mais negativo, e, nos anos 90, foi tomado por cassinos e clubes ilegais. Em 2006, quando começamos a trabalhar no projeto, a Estação Hofplein era uma zona proibida. Mesmo assim, podíamos encontrar traços da intensa história do local, não apenas dentro do prédio e nos arquivos comuns, mas também na memória das pessoas. Por ser o ponto central da reabilitação do viaduto, tomamos esse tema da vida noturna como diretriz para a transformação da Estação Hofplein e lá testamos vários eventos culturais e de lazer. Queríamos saber se a estação poderia novamente ser um lugar cheio de vida, com caráter de permanência, e não apenas em momentos pontuais. O teste foi bem sucedido, e graças a estes eventos a estação voltaria a cair nas graças do público. Antes mesmo da reabilitação completa do viaduto, o espaço já estava pronto, novamente integrado à cidade. Hoje, a primeira parte da estação é um pequeno shopping, com várias lojinhas, cafés e um clube de jazz, muito badalado.
Esta é apenas uma das muitas histórias que podemos contar sobre a importância de um legado arquitetônico à cidade. Exemplos ao redor do mundo comprovam que promover a transformação positiva da herança cultural dá força ao valor social, cultural e econômico de uma cidade. As pessoas reconhecem as histórias que os prédios representam, identificam-se com a nova paisagem e passam a cuidar dela, o que leva à valorização da área e atrai novos residentes. Tudo isso pode soar como algo muito fácil de executar, mas, na verdade, é um processo muito complicado.
Uma lição importante que aprendemos é a de ater-se ao conteúdo, ao programa e à transformação. Durante a execução é necessário manter o conteúdo em mente, sempre, porque, ao longo desse processo, há muitas decisões financeiras ou práticas a tomar, muitas vezes à custa do conteúdo ou do programa. Há também o perigo de se usar esse legado histórico para fazer apenas eventos pontuais. Então, construtoras, arquitetos, residentes, a prefeitura e todos os envolvidos em cuidar (da renovação) de uma cidade devem saber qual história querem contar logo no começo, e assim se aterem a ela, para que o legado da cidade faça sua parte.