#17CulturaSociedade

Desenhando o divino

por Sofia Borges

Capela de Bruder Klaus, por Peter Zumthor

Eu posso não ser uma pessoa religiosa, mas tenho fé. Eu posso não visitar a igreja de minha seita, mas visito capelas, locais sagrados e locais de culto nas cidades nas quais moro e nos países que visito. Dentro desses estabelecimentos acendo velas por aqueles que perdi, e me maravilho com as qualidades extraordinárias dos tetos abobadados, além dos ornamentos e vitrais. A noção de fé engloba tudo, desde a crença em um deus específico e uma ordem religiosa até valores fundamentais de compreensão do nosso lugar no mundo. Independentemente das inclinações religiosas, ou da falta delas, a noção de fé e de como representá-la na arquitetura permanece um desafio universal passado de mão em mão há milhões de anos. Esses espaços, desenhados para evocar a sensação de algo superior, agem como santuários críticos para que consigamos nos agarrar à nossa fé quando testada. Eventos fora de nosso controle, que fazem com que caiamos de joelhos de tanta dor e incredulidade, são os mesmos que nos humanizam. Os locais que procuramos para conseguir refúgio e consolo recebem uma importância ainda maior nesses momentos de turbulência. Oscilando entre o celestial e o artificial, a arquitetura da fé transcende as convenções enquanto explora os limites entre o tempo de uma vida finita e a eternidade.

Tradicionalmente, o processo de construção de um local sagrado era entendido como algo que demorava mais a ser completado do que a própria vida do arquiteto eleito. Do Vaticano à Sagrada Família de Gaudí, alguns dos locais de culto mais icônicos trocaram de mãos diversas vezes ao longo de décadas, até de séculos. A árdua tarefa de se projetar algo que provavelmente não se verá terminado captura o espírito da arquitetura baseada em fé. Os construtores da Catedral de Sevilha (século XVI), a terceira maior do mundo, famosamente aspiravam ser lembrados como homens loucos. Quem mais trabalharia com tanto afinco para criar uma estrutura tão luxuosa e sem precedentes, cuja data de inauguração estava marcada para bem depois de suas mortes? Transitando o limite tênue entre brilhantismo e insanidade, os arquitetos dessas maravilhas sagradas desafiavam a imortalidade ao canalizar a convicção transcendental que os seus espaços, uma vez completos, continuam a inspirar.

A ascensão do modernismo silenciou a exuberância de detalhes e qualidades dos períodos da Renascença, Barroco e Gótico, sem sacrificar o impacto emocional. Essas expressões mais recatadas de divindade são espaços para adoração, admiração e reflexão que se focam menos na representação e nos ornamentos, e mais nos aspectos fenomenológicos encontrados na luz, na materialidade, na escala e na procissão. Temos exemplos de meados do século, desde a Notre Dame du Haut, de Le Corbusier, à Chapelle du Rosaire, de Matisse, que oferecem redutos iluminados, embora formalmente abstratos, para o culto pessoal e coletivo. A capela intimista e humilde de Matisse é um pano de fundo discreto para que suas reinterpretações abstratas e alegres de vitrais iconográficos fiquem em destaque. Além de reduzir a quantidade de ornamentos, muitos dos recentes locais de culto também usam escalas diferentes das de antigamente. A capela celestial Bruder Klaus Field, de Pater Zumthor, dialoga com o potencial que até os menores espaços têm de exaltar e reviver nossa apreciação pelo dia a dia. O micro-santuário, desenhado e construído por fazendeiros rurais, exibe um interior de textura carbonizada banhado em luz – o fantasma da impressão deixada pela estrutura de madeira que foi queimada ao chão.

Se suntuosos e grandiosos, ou a verdadeira essência da simplicidade, todos esses diversos locais sagrados manifestam em nós sentimentos similares de deslumbramento enquanto exploram as qualidades viscerais encontradas no limite entre o nosso mundo e o próximo. Esses cenários sublimes nos acolhem quando nosso mundo está abalado, e permanecem conosco muito depois de termos partido. Misturando o secular e o espiritual, o arquiteto da fé coreografa um ambiente imersivo ao mesmo tempo vazio e cheio. O trabalho do arquiteto de materializar esses conceitos efêmeros, emocionais e misteriosos se torna a expressão definitiva de nosso desejo compartilhado de transcender o tempo de uma vida.