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Em busca da pureza perdida

por Eduardo Andrade de Carvalho

Raymond Radiguet morreu aos 20 anos, de febre tifoide, com uma obra literária perfeitamente acabada. Nascido em 1903, em Saint-Maur, subúrbio de Paris, filho de um famoso cartunista, Maurice, era o mais velho de seis irmãos. Foi um aluno exemplar até, aproximadamente, os 8 anos; largou o liceu Charlemagne em Paris, onde era bolsista, aos 10, como um estudante medíocre – e continuou estudando sob a sensível orientação do seu pai. Radiguet não era bobo: em vez do monótono ambiente escolar, preferia ler os clássicos franceses deitado em um barco amarrado na margem do rio Marne, aproveitando a atmosfera calma e agradável da cercania parisiense de mesmo nome, onde morava com a família. E lia intensamente: de acordo com uma passagem provavelmente autobiográfica de Com o diabo no corpo, uns 200 livros entre os onze e doze anos.

Aos 14 anos, numa ocasião em que foi entregar os desenhos de seu pai ao jornal L’Intransigeant, conheceu o poeta André Salon e apresentou a ele seus primeiros poemas. Salon ficou impressionado e conseguiu espaço para que publicasse seus trabalhos em jornais e revistas. Apresentou-o também a Max Jacob, que o introduziria, depois, ao seu futuro amigo e amante, Jean Cocteau, que tinha o dobro da sua idade. Aos 15 anos, Radiguet já começara a frequentar os círculos de Montparnasse, “a Meca da modernidade”, com Picasso, Apollinaire, Breton, Modigliani, Coco Chanel, Stravinsky, entre outros, e, aos poucos, foi conquistando também a alta sociedade parisiense, convivendo com príncipes e princesas – em um lugar em que, diga-se, o termo “alta sociedade” parece ainda corretamente aplicado.

Sua precocidade literária é normalmente comparada com a de Rimbaud, que nasceu em 1854. Faz sentido. Aos 19 anos, Rimbaud já era um reconhecido fenômeno das letras, com a publicação de Uma estação no inferno e O barco embriagado. Apesar de uma morte erradamente anunciada, quando desapareceu aos 27 anos, Rimbaud também morreu relativamente novo, aos 37, de doença desconhecida. Mas dificilmente se conhece um caso, em toda literatura universal, tão extraordinário como o de Radiguet, que escreveu maravilhosamente ainda adolescente e morreu assustadoramente jovem.

Mas ele jamais pretendeu ser reconhecido por isso: nem pelo gênio precoce nem pela morte inesperada, características dos poètes maudits que ele simplesmente abominava. “Idade não significa nada”, escreveu, “O que me impressiona é o trabalho de Rimbaud, não a idade com que ele o escreveu. Todos os grandes poetas já tinham escrito aos 17 anos. Os maiores são aqueles que nos fazem esquecer disso”. A vida que levou durante o último ano de sua vida, porém, consumindo pesadamente álcool e ópio, contribuiu para sua identificação com eles, apesar do seu forte e lúcido desprezo pela figura do poeta solitário e sofredor. Radiguet não viveu uma vida nem solitária nem sofredora.

Seu primeiro livro, e o único que saiu enquanto ainda estava vivo, foi publicado quando o autor tinha apenas 20 anos, resultado de um trabalho que começara aos 17. Com o diabo no corpo, baseado numa relação amorosa que supostamente teve aos 14 anos, foi escandalosamente recebido em Paris, pelos críticos e pelo público – mas vendeu amplamente (45 mil exemplares, de saída) e, de quebra, recebeu o importante prêmio Nouveau Monde. Radiguet conta a história de uma relação amorosa de um jovem de 16 anos com uma mulher casada, de 19, cujo marido se encontra no front de batalha durante a Primeira Guerra Mundial. Marta, a amante, engravida do garoto, e morre durante o parto.

A capacidade de observação psicológica de Radiguet é surpreendente, mesmo sem considerarmos sua idade – que ele, enfim, nos faz esquecer. Seu estilo é claro e direto, como queria que escritores escrevessem, e flui encantadoramente, com capítulos curtos e sequências de aforismos inesquecíveis, como esta:

“Nada absorve mais do que o amor. Quando se ama, fica-se à toa, mas nem por isso se é preguiçoso. O amor sente confusamente que seu único desvio real é o trabalho. Ele também o considera como rival. E não suporta nenhum rival. Mas o amor é preguiça bem-aventurada, como a chuva branda que fecunda.

Se a juventude é tola, é por não ter sido preguiçosa. O que invalida nossos sistemas educativos é que eles se dirigem aos medíocres, por causa da quantidade. Para um espírito alerta, a preguiça não existe. Nunca aprendi tanto quanto naqueles dias compridos que, para um espectador, teriam parecido vazios, nos quais eu observava meu coração noviço como um novo-rico observa seus gestos à mesa.”

Difícil acreditar que o segredo da adolescência, e do amor, durante essa fase, tenha sido revelado com tanta elegância e precisão como ele o fez. E mais do que isso: seus dois romances são histórias de adultérios tão sofisticadas que mesmo Proust, como reparou Paulo Francis, talvez não tenha ido tão longe, nesse aspecto. E Radiguet parecia ter consciência disso, quando escreveu sobre seu segundo livro, O baile do bonde d’Orgel, publicado depois da sua morte:

“Romance de amor casto, mas tão escabroso quanto o romance menos casto. (…) Não é a pintura do mundo, ao contrário de Proust. O cenário não conta. O único esforço de imaginação utilizado aqui não está nos acontecimentos externos, mas na análise dos sentimentos”.

Se no seu primeiro livro, então, o romance entre o narrador e Marta se consumou, materializando-se o adultério que, no final, será castigado, a relação entre François de Séryeuse e Mahaut d’Orgel, personagens principais de O baile, não poderia ser mais casta – e não poderia ser mais forte. E é precisamente por ter resistido a essa força quase incontrolável que Radiguet, como um moralista do século XVII, os considera tão virtuosos e interessantes. O que, aliás, eles realmente são, como justifica o autor, a respeito da condessa, já no primeiro parágrafo, em uma introdução irresistivelmente bonita:

“Os movimentos de um coração como o da condessa d’Orgel serão antiquados? Tal mescla de dever e inação talvez pareça inacreditável em nossos dias, até mesmo numa pessoa de estirpe e nascida nas Antilhas. Não será que nossa atenção se desvia da pureza, sob o pretexto de que esta oferece menos sabor do que a desordem?

Mas as manobras inconscientes de uma alma pura são ainda mais singulares que as combinações do vício. É o que respondemos às mulheres que, algumas, acharão Mme. d’Orgel excessivamente honesta, e às outras, que a acharão fácil demais”.

François tinha 20 anos, era muito inteligente e respeitado pelos mais velhos. Não fazia nada. Vivia com sua mãe, que possuía um espírito suficientemente nobre e compreensivo, segundo Radiguet, para entender que, nessa idade, é justamente isso que um jovem deve fazer.

“Toda idade produz seus frutos, e é preciso saber colhê-los. Mas os jovens são tão impacientes por atingir os menos acessíveis, e por se tornar homens, que negligenciam os que se oferecem.

Numa palavra, François tinha exatamente sua própria idade. E, entre todas as estações, a primavera, se é a estação que nos assenta melhor, é também a mais difícil de usar.”

François, portanto, pertencia a essa espécie rara: era um sujeito que, apesar de novo, sabia aproveitar a vida em sua plenitude, reconhecendo, inconscientemente, os limites que a idade lhe impõe, e formando, assim, uma personalidade, digamos, saudável. Era um cara bacana. Diferentemente do seu melhor amigo, o diplomata Paul Robin, que procurava a todo custo ascender socialmente, construindo, assim, uma personalidade corrompida: “Paul acreditava ter sido bem-sucedido na construção de uma imagem; na realidade, ele se contentara em não combater os próprios defeitos”, escreveu Radiguet.

A atração de Paul pelo casal d’Orgel, que ele e François conheceram juntos, é obviamente limitada, centrada em mesquinhos interesses sociais. François, porém, encanta-se com Mahaut, e, como novo e íntimo amigo do casal d’Orgel, passa a frequentar a casa deles. E apaixonam-se François e Mahaut, um pelo outro, sem, no entanto, saberem que são correspondidos. Até que, preocupada com que essa atração ficasse definitivamente incontrolável, Mahaut confessa seus sentimentos para a mãe de François, pedindo que essa tentasse afastá-los um do outro. Não adianta.

Na jantar que os d’Orgel oferecem, na mesma noite, a um príncipe russo refugiado, François comparece. Mahaut não sabe se ele foi avisado ou não pela sua mãe, e fica confusa, com ciúmes de François, que conversa com uma convidada jovem e linda, mas exercita sutilmente seu autocontrole. Em uma cena delicada e complexa, Mahaut defende publicamente seu marido em uma situação inesperada – que, exceto o leitor, só o convidado russo compreende: Mahaut decide continuar com Anne, seu frívolo marido.

Em Com o diabo no corpo, Radiguet narra o complexo processo da perda da pureza de um adolescente inocente e inteligente; já em O baile do conde d’Orgel, essa pureza perdida é, na figura de Mme. d’Orgel, virtuosamente redescoberta.