ArteMúsica

Os 10 anos do Festival Novas Frequências

por Pérola Mathias

Marta Supernova

O Festival Novas Frequências há 10 anos movimenta a cena artística do Rio de Janeiro e chega, agora em dezembro, a mais uma edição. Como é de se esperar, devido à pandemia, de forma virtual. A marca do festival é trazer nomes nacionais e internacionais da cena da música experimental e de exploração para os palcos da cidade – ou tornar a cidade um palco, como tantas vezes fez. No entanto, a cada ano que passou, promoveu também as artes multimídia e multilinguagem. 

O Novas Frequências irá ocorrer entre os dias 1 e 13 de dezembro, apresentando, 43 propostas comissionadas, ou seja, realizadas especialmente para o festival, de artistas provenientes de 13 estados do país, que poderão ser assistidas no site. A estratégia adotada pelo festival foi a de não realizar “lives”, a fim de buscar novos formatos de apresentação. O público encontrará, esse ano, conteúdos multilinguagem: trabalhos audiovisuais, videoarte, curta-metragem, vídeo-ensaios, experimentos com som imersivo, podcasts, websites, dentre outros.

O conceito curatorial tem como tema o X, que se refere tanto ao número romano que representa essa marca histórica, mas também ao ‘X’ de indefinição, de incógnita, de pluralidade, de feminino etc.

Para saber mais sobre essa edição especial, conversamos com Chico Dub, curador e diretor geral do Novas Frequências.


O Festival Novas Frequências comemora em 2020 seus 10 anos e tem como tema o X. Como foi pensado o conceito do festival para esse ano especial de aniversário, que acabou sendo marcado pela excepcionalidade da pandemia e das crises políticas e econômicas que nos assolam?

O conceito passou por algumas ideias prévias. Durante a pré-pandemia, havia o um desejo muito forte de trazer artistas de programações anteriores e apresentá-los dentro de outros contextos: artistas que tiveram participações icônicas no festival se apresentariam dentro uma espécie de “best-of”. Por exemplo, o Stephen O’Malley, o Keiji Haino e o Oren Ambarchi que tocaram solo respectivamente em 2013, 2018 e 2019, mas que poderiam em 2020 voltar em formato trio, o Nazorarai. 

Somente depois de um bom tempo de quarentena é que veio a ideia do “X”, que considero amarrar de forma excelente a referência aos 10 anos, ou seja, essa parte mais celebratória, com diversos outros simbolismos que traduzem algumas das questões mais fundamentais do tempo presente. Em especial, talvez, a incerteza, mas também a negação, a ruptura, o impedimento e a proibição.


Não vai ter “live“, mas vão ter obras com diferentes linguagens e formatos. Fala um pouco sobre a relação entre o que você propôs aos artistas e o que eles apresentaram de propostas para formatar o festival desse ano, integrando diferentes mídias.

Junto à criação do tema veio também o desenho de formato que, pra quem nos acompanha, vem se configurando como algo tão crucial quanto a própria programação. Dada a impossibilidade do encontro presencial, não fazia sentido algum criar simulacros de situações ao vivo. Então o que nos sobrou foi experimentar para além da questão música, aproveitando essa limitação como combustível criativo. 

A partir, então, da fabulação do tema e do formato, fui até os artistas, que semanas depois voltaram com ideias. Em alguns casos mais específicos, a criação se deu de forma conjunta, já na primeira conversa. Em outros, como no caso do O Grivo e do quarteto formado por Flora Holderbaum, Nanati Francischini, Marina Mapurunga e Tânia Neiva, eu trouxe uma provocação mais assertiva. 

Foi sem dúvida o Novas Frequências mais prazeroso e ao mesmo tempo complexo (mesmo no digital!) de montar. Eu que sonhava em fazer um Novas Frequências 100% com trabalhos comissionados, acabei conseguindo, e justamente na 10ª edição.

Nelson Soares e Marcos Moreira de O Grivo

E como fica a programação deste ano, que conta com as obras que serão apresentadas pelo site em horários e dias definidos, mas também com atividades extras de conversas, mesas redondas, cursos e etc.?

Mais do que nunca, a edição deste ano é um misto de festival de música com exposição de arte. Dos 43 trabalhos, 7 se colocam como obras de temporalidade aberta. Já outros têm data e hora marcada, como num festival mais tradicional. A diferença do festival nessa configuração digital é que, na verdade, as obras se mantêm disponíveis para o público mesmo após o dia 13, último dia do Novas Frequências. 

E ainda temos duas obras buscam visualidades – ou materialidades – distantes do elemento virtual. Que são os incensos da dupla Fronte Violeta, numa obra sensorial-sinestésica e os mapas em formato lambe-lambe colados pela cidade da Camila Proto: zona de escuta que fazem referência ao som.

Além da parte artística, desenhamos um curso de arte sonora ministrado por quatro professores, em que cada um conduz uma aula e seis conversas bastante variadas entre si.


Qual a importância de ter a Jocy de Oliveira na programação deste ano, pioneira da música eletroacústica, mas também os veteranos de O Grivo, e nomes super jovens, mas já representativos da música experimental no país, meio que cobrindo um arco na produção sonora brasileira?

Sinceramente, ficou faltando a Jocy no ano passado. Ela poderia ter perfeitamente se encaixado numa programação que contava com Beatriz Ferreyra e Eliane Radigue; artistas que, como ela, são pioneiras na música eletrônica e na eletroacústica. A boa notícia, claro, é que conseguimos trazê-la justamente para estes 10 anos, se configurando como a grande artista homenageada desta edição

Agora, quanto à sua pergunta em si, tem bastante de quebra-cabeça na equação do Novas Frequências. Isso no sentido de termos peças bem diferentes entre si, criando um jogo de variedade o mais amplo possível: equidade de gênero, pluralidade geográfica, representatividades minoritárias, escolas e idades variadas e por aí vai.


Como as obras e a presença de artistas de destaque, do teatro e da literatura, como Grace Passô e J. P. Cuenca, impactam na proposta do festival?

Nesse processo de criação híbrida e de aproximação com outros fazeres da arte, faz cada vez mais sentido nos envolvermos com artistas de outros campos. Também ajuda estarmos inseridos no que alguns teóricos vêm nomeando de virada sônica. Que é uma mudança gradual do foco do visual para o auditivo. O que em outras palavras quer dizer que o som vive um momento único na história da humanidade. É a última fronteira da arte contemporânea ainda não totalmente esgarçada, dotada de um campo vastíssimo ainda para ser explorado. 

Sem dúvida alguma que esses artistas trazem possibilidades muito reais de ampliação de público. E de criações propícias ao desenvolvimento de estéticas únicas, fora das nossas zonas de conforto.

Jocy de Oliveira, pioneira da música eletroacústica