O termo patriarcado se refere à cultura influenciada e dominada exclusivamente pelo homem, simbolizado na figura do pai. No mito de criação da igreja católica, Deus criou o homem e, a partir dele, a mulher, gerados com assimetria sexual e distintas atribuições. A função da mulher era fundamental à espécie, através da procriação. A divisão de papéis baseada nas diferenças biológicas era, dessa forma, funcional e justa.
E se Deus ou a natureza havia criado essas diferenças, ninguém poderia ser responsabilizado pela desigualdade.
A biologia masculina proporcionou maior capacidade física e agressividade, destacando o homem como melhor caçador e, por suas destrezas com armas, melhor guerreiro. Como chefe de família, passou a delimitar suas terras, cuidando do plantio, da colheita e da estocagem para a defesa e proteção de seus descendentes. Marca registrada da agricultura antiga, o patriarcado se tornou a base da civilização ocidental de diferentes maneiras, sendo a força responsável pela organização, ordem e produção e, assim, a subsistência. Ditou modelos de masculinidade e feminilidade, fortalecendo um padrão monogâmico, heterossexual e de expressão da individualidade.
E no silêncio da noite, fortaleceu a repressão da sexualidade, trancando a sete chaves os desejos mais íntimos de uma parcela da humanidade.
Os argumentos religiosos do século XIX foram substituídos pelos embasamentos científicos da teoria Darwiniana, que postulou a supremacia da sobrevivência da espécie sobre a autorrealização individual, ressaltando o papel da mulher na procriação e maternidade. Sigmund Freud destacou a ausência do pênis e a busca pela compensação na psicologia do feminino. Posteriormente, a biologia social considerou a maternidade não apenas um papel socialmente designado, mas, também, o que melhor se encaixaria às designações físicas e psicológicas da mulher. Assim, o patriarcado, atendendo a necessidades econômicas, políticas e sociais da civilização, se perpetuou através da história, reforçando a supremacia do masculino.
O progresso visível trazia benefícios a muitos, mas as insatisfações ocultas viriam a provocar grandes prejuízos a todos.
Com a revolução industrial, as mulheres foram obrigadas a trabalhar para sustentar suas famílias, o que lhes possibilitou um status financeiro e o acesso à educação. O modelo de casamento e das leis da era agrícola passou a ser questionado, e as mulheres começaram a se organizar para participar de marcos culturais e políticos, iniciando a luta pelo direito ao voto.
Após as consequências nefastas da Segunda Guerra Mundial, “a regra do pai” passou definitivamente a ser contestada pelas mulheres. Com o advento da pílula anticoncepcional, a gravidez passou a ser uma opção da mulher na obtenção do prazer e no controle da natalidade. Os homens foram favoráveis a essa conquista feminina em favor da sexualidade compartilhada, apoiando, inclusive, a oposição ao patriarcado. Isso pouco adiantou, pois a luta contra a dominação masculina já estava iniciada, incluindo a liberação das leis do divórcio e contra os estereótipos sexuais femininos.
As insatisfeitas se armavam.
Nos anos setenta, a contracultura, o movimento dos direitos civis e antiguerra deram força à criação do Movimento da Liberação da Mulher. O patriarcado desmoronou sem que o homem pudesse perceber o que estava acontecendo. No século XX, as estratégias masculinas de acasalamento foram desconstruídas, assim como o modelo de dinâmica sexual entre homem e mulher. O movimento feminista exigiu uma mudança nas regras de conquista, sem oferecer novas. O sexo casual e a monogamia em série se tornaram direito de todos. O casamento como um sistema designado a uniões permanentes fracassou, e o divórcio se tornou inevitável. “Até que a morte nos separe” era tempo longo demais para se esperar.
A raiva domina. A guerra começa.
A era da tecnologia abriu espaço para o relacionamento virtual: seguro, sem dor e sem contato. Para os que ousaram passar para o mundo real, os aplicativos de encontro determinaram as regras de onde, quando, como e com quem. Os homens se tornaram inseguros; as mulheres, impositivas. Nasceu a identidade de gênero. Mas o patriarcado, ainda que disfarçado, sobreviveu. Na mente e na atitude masculina e lá, muito no interior, da mente da mulher.
Todos estão perdendo: arquétipos do masculino
Carl Jung, renomado psiquiatra e psicólogo suíço, reconheceu o poder psíquico dos arquétipos, os quais residem no nosso inconsciente coletivo. São traços internos comuns a toda a humanidade, cuja forma de expressão é influenciada pela nossa experiência individual e cultural. Diferentes arquétipos estão subjacentes à experiência humana, mas alguns são fundamentais, pois abarcam expressões importantes e comuns ao nosso funcionamento mental e emocional. No universo masculino, três arquétipos se destacam: o soberano, o guerreiro e o sábio.
O arquétipo do soberano traduz o senso de finalidade e direção no mundo, a busca das melhores decisões para viver a vida, a carreira, como administrar o espaço ao redor, seja familiar, profissional ou social. A energia natural expressa é a liderança, a decisão, a maturidade e o poder; há sabedoria compassiva e disponibilidade para ajudar no amadurecimento alheio. A expressão deste arquétipo é quase inexistente no mundo atual.
O arquétipo do guerreiro possui atributos de nobreza, justiça e proteção a algo de grande valor. Um exemplo desse arquétipo está nos samurais, que, sob o comando de um senhor corrupto ou imoral, procuravam um novo mestre. Esse servidor necessitava de um chefe que o controlasse e o enviasse a missões de proteção a pessoas e ao território. Esse arquétipo é hoje melhor representado pela energia masculina que parte para a ação no mundo, define limites, realiza tarefas e alcança objetivos, ou seja, o trabalhador.
O arquétipo mítico do homem sábio tem origem nos magos do mundo antigo e nos brâmanes indianos, cuja grande motivação é a solução de problemas. Domina todos os tipos de pensamento, o racional, o lógico e o criativo, servindo como o conselheiro ou consultor do líder. Há uma atração pelos desafios intelectuais, mas sem muita consideração pelas consequências emocionais. É uma apresentação bastante comum, nos dias de hoje, no mundo financeiro e no desenvolvimento tecnológico.
Como os arquétipos do masculino se relacionam com o mundo atual? A mudança profunda de valores e crenças do mundo moderno e os novos posicionamentos de gênero tornaram o homem atual indefeso. Por procurar respostas fora de si mesmo, ficou ressentido e foi à forra. Desconectou-se de si mesmo e de suas emoções e personificou padrões do masculino que o distanciaram das forças psíquicas em sua totalidade. Resta a este homem olhar-se no espelho e ver com profundidade o que reflete, exercitar plenamente suas capacidades emocionais e reestruturar sua nova imagem perante uma sociedade que busca por igualdades e sofre para se reconstruir.
Recomeço.
O patriarcado e os arquétipos do masculino
por Lígia Ito