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Memória e tecnologia: a música indígena contemporânea

por Renata Tupinambá

Fora do radar no circuito comercial, a música contemporânea brasileira realizada por indígenas vem conquistando novos espaços na cena independente nacional e internacional. No painel de artistas indígenas, encontram-se nomes como Gean Ramos, Wakay, Bro Mcs, Djuena Tikuna, Karai Tibes, OZ Guarani, Werá MC, Kunumi MC, Katú, Brisa Flow, Edivan Fulni-ô, Kae Guajajara, DJ Eric Marky Terena, Nelson D, Oxossi Karajá, Wescritor, Nory Kayapó, Mokuka Kayapó, Marcia Kambeba, Suraras do Tapajós, Salu Kuikuro, Juão Nyn, Ian Wapichana, Sheinahu Yawanawa, MC Anarandá, Weena Tikuna, Amaru MC, Zahy Guajajara, Issac de Salú, Kw Wajãpi, Yarú Tupinambá e muitos outros.

A grande maioria deles combate estereótipos usando a arte para levar mais atenção às suas lutas, culturas e realidades distintas. Nos últimos anos, esses artistas, principalmente os jovens, reafirmam suas identidades através das músicas, produções em diversas fusões de estilos como rap, funk, rock, pop, MPB, música eletrônica ou reggae. No ano de 2013, a fundação da web rádio indígena, conhecida como Rádio Yandê, se tornou uma das iniciativas mais bem-sucedidas e a primeira de difusão da música indígena no país, com transmissão de conteúdo musical em mais de 190 idiomas indígenas, além do acesso de mais de 80 países. No ano de 2019, a rádio realizou o Yby Festival, primeiro de música indígena contemporânea em território nacional, que apenas aconteceu por causa do trabalho de voluntários, apoiadores e doações de financiamento coletivo. 

O crescimento de produções musicais indígenas desperta setores que ainda não conhecem trabalhos desses músicos e cantores. Esses artistas nativos muitas vezes estão invisíveis no cenário devido à falta de conhecimento sobre as populações indígenas e são vítimas de preconceito e racismo – mas não medem esforços para fortalecer o reconhecimento profissional. Ser cantor ou cantora indígena é, antes de tudo, representatividade, entre mais de 270 etnias diferentes, línguas, culturas, população rural e urbana. Em países como Estados Unidos, Canadá, Chile, Peru e México, muitas são as produções de artistas indígenas que possuem visibilidade. 

Wakay foi um dos primeiros músicos e compositores indígenas no país a levar a produção artística brasileira para fora. Nascido na aldeia Kariri-Xocó de Alagoas, ele foi criado na aldeia Fulni-ô de Pernambuco e há 20 anos é liderança da Reserva Indígena Thá-Fene, em Lauro de Freitas, na Bahia. Com 19 anos de carreira artística, já esteve em Gelsenkirchen, na Alemanha; Montes Sibilinos, na Itália; e no Festival 8, em Grimsby, na Inglaterra. Sua música, no idioma Yaté, chama atenção pela tradicionalidade e identidade cultural. Ele se tornou um dos mais famosos cantores de Toré, um estilo de “música de rezo” tradicional e ritual de povos indígenas do Nordeste. 

Gean Ramos é outro pioneiro em seu trabalho. O cantor, poeta, compositor e violonista, filho do povo Pankararu, de Jatobá, em Pernambuco, inspira e inspirou com sua carreira de 20 anos muitos jovens indígenas desta geração. Eles enxergam no compositor um exemplo de resistência. Extremamente talentoso, seguiu seu sonho; é difusor do movimento da música indígena contemporânea. Sua música “Cartão Postal Pankararu”, uma das mais conhecidas, se tornou uma grande referência do empoderamento da identidade Pankararu. Dotado de uma potente voz, chama atenção por onde se apresenta pelo dom. Foi o primeiro homem indígena brasileiro a ter o trabalho indicado a um prêmio internacional de música indígena, o Indigenous Music Awards (IMA) de 2018, que faz parte do Manito Ahbee Festival, na cidade de Winnipeg, no Canadá.

Djuena Tikuna é uma cantora indígena do estado do Amazonas e também foi uma das artistas indicadas a prêmio no Indigenous Music Awards (IMA) de 2018. O nome Djuena significa “a onça que pula no rio”. Ela nasceu na Aldeia Umariaçu II, da etnia Tikuna. Suas canções são no idioma de seu povo e compostas por ela mesma. É uma das cantoras indígenas mais populares, pelo tempo de atuação. No ano de 2017, foi a primeira indígena a protagonizar um espetáculo musical no Teatro Amazonas em 121 anos de existência do local. Ela lançou o álbum Tchautchiüãne. Também criou a primeira Mostra Wiyae de Música Indígena, com cantores e músicos amazônicos, em 2018. 

Brô Mc’s é o primeiro grupo de rap indígena. Charlie Peixoto, Kelvin Peixoto, Clemerson Batista Veron e Bruno Veron fizeram história e, com suas rimas afiadas na língua Guarani de seu povo Guarani kaiowá, em Dourados, no Mato Grosso do Sul, denunciam a realidade de sua aldeia. Em 2009, lançaram seu CD no festival Conexão Hip Hop. A música “Eju Orendive” estreou no portal do MinC e da MTV. Pela primeira vez, o cenário nacional tinha acesso à produção de indígenas em espaços como esses. Em 2018, fizeram uma marcante apresentação no Museu Weltkulturen, em Frankfurt, na Alemanha, e também receberam o prêmio Marçal de Souza Tupã’Y de 2018.

Kaê Guajajara é uma cantora indígena que canta em português, inglês e ze’egete, língua de seu povo. Ela iniciou sua carreira em 2018. Seus ritmos passeiam pelo rap, funk, entre outros. Natural de Mirinzal, é indígena Guajajara do Maranhão. Uma das artistas que mais têm lançado clipes e investido em novas produções. 

Edivan Fulni-ô é indígena da etnia Fulni-ô, criado no território do povo Pataxó ha hãe na Bahia. Possui uma voz afinada marcante em suas apresentações. É cantor e compositor, foi integrante do grupo musical Coisa de Índio, estudou Agronomia e Comunicação e foi finalista do 14º Festival Metropolitano de Música Vozes da Terra. Em suas canções, denuncia o desmatamento, crimes ambientais e violência contra os povos indígenas.

Katu é rapper e vlogger indígena, moradora da periferia de São Paulo, de origem Boe por parte paterna. Canta sobre sua experiência de mulher indígena urbana. Sua força nos palcos tem despertado os olhos da mídia e levado a parcerias com nomes como AfroJess, Marina Peralta e o coletivo Dubdem. Ela tem participado de clipes de artistas famosos como Iza, Gloria Glover e outros. 

Nory Kayapo é um jovem funkeiro da etnia Kayapó, residente de uma terra indígena no município de Novo Progresso, estado do Pará. Ele canta no idioma kayapó com um ritmo e estilo de funk próprio. 

Apontado como um movimento musical etnofuturista indígena que está quebrando paradigmas e rompendo preconceitos, esse grupo de artistas está fazendo a população entender melhor sobre povos indígenas no século XXI. Desde o aparecimento de artistas divulgando seus trabalhos com a fundação da Rádio Yandê e a influência de valorização dos anos 70 até os dias atuais, com a cantora Marlui Miranda, que elevou a música a outro patamar,