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#37Futuros PossíveisCulturaSociedade

Um olhar Pankararu sobre a missão Mário de Andrade

por Maria Nazaré dos Santos Pankararu

O presente texto tem como objetivo trazer um olhar Pankararu em relação ao termo “folclórico” atribuído à tradição Pankararu, presente nos registros da Missão de Pesquisas de Mário de Andrade. Neste sentido, falaremos de aspectos do ritual Corrida de Imbu, procurando trazer elementos do sagrado e do espiritual em contraponto à ideia de popular.

Somos povos originários filhos da mãe Pindaé, surgimos das locas das pedras, vivemos gerações nas serras, grotas, cachoeiras e Opará. Resistimos por 520 anos a um contato originado com a invasão europeia em nosso mundo e suas práticas de barbárie, negação, silenciamento e apagamento das línguas, culturas e povos indígenas em nosso próprio mundo.

As diferentes organizações impostas na contemporaneidade jamais exterminaram nossa ciência encantada porque ela está além do concreto e do visível. É um espaço que os não-indígenas jamais poderão enxergar. Motivo esse que leva nossos grandes sábios a salvaguardar nossos saberes e experiências cotidianas e tradicionais.

Ser detentor dos saberes tradicionais não está meramente no próprio querer, no desejar ser. Depende de uma ordenança ancestral, que tem uma forte ligação com o dom e o merecimento.

Temos como reflexão o acervo da comissão de Mário de Andrade, da capital de São Paulo, do ano de 1938, cuja missão foi documentar e registrar as pesquisas folclóricas da Região Nordeste. A referida missão explicita, em seu acervo, a negação da diversidade sociocultural do Nordeste, bem como das sociedades não-indígenas dessa região. Mostra as belezas culturais de todos os povos indígenas e sociedades, mas numa única ótica, que unifica as lentes das múltiplas culturas.

Ainda que os fenômenos socioculturais e cosmológicos sejam desconhecidos e invisíveis para sociedades não-indígenas, nós somos a resistência viva. Nossas vivências e experiências e nossa historicidade territorial mostram nossos sentimentos de pertencimento e afirmam nossa valiosa identidade étnica e cultural.

Atualmente, as crianças aprendem acompanhando os jovens, os seus pais, homens e mulheres, na afirmação do conhecimento através das práticas dos nossos patrimônios culturais. Ainda que interajamos com outras realidades das sociedades contemporâneas, nossas missões aqui são essenciais, e jamais esquecidas ou apagadas do que somos. Nada vai nos excluir, ou nos fazer deixar de ser Pankararu. Mesmo que sejamos até vaidosos, isso não fere nossos valores quando entendemos nossos limites e regras, até onde podemos ou não interagir com outros mundos. Essas são liberdades respeitadas por todos nós, durante gerações e gerações.

Dentro dessas organizações sociais, tanto nos movimentos de luta quanto nas tradições culturais, quero aqui destacar a presença fundamental da mulher. Ela merece destaque por cumprir fortemente suas missões sociais e na religiosidade. Nossas mulheres pertencem a diferentes espaços, conforme suas determinações e ordenanças, através de seus dons e merecimentos da ciência sagrada, expressos por elas próprias, e não por uma indicação. 

Nosso mundo encantado é uma realidade viva de conhecimentos, comunicação, orientação, união, fortaleza e cura. Então, homens e mulheres têm missões iguais e diferentes, que emanam do conhecimento coletivo da ciência sagrada, sem superiorizar ou inferiorizar um gênero. Nossas cerimônias, rituais, toantes (cantos) e danças, todos têm regras, valores e significados, vividos e respeitados por todos nós, homens, mulheres, crianças e jovens. Na verdade, nossa cultura não tem explicação; as obrigações cerimoniais acontecem em qualquer espaço, tudo depende da necessidade, do tempo e, também, do merecimento de se atender ao chamamento.

Mesmo lutando contra as contínuas e graves violações dos nossos direitos, os prejuízos irreparáveis ao nosso povo, não perdemos a especificidade da religiosidade cultural e social. Resistimos sempre, através dos conhecimentos tradicionais das Corridas de Imbu, do Menino do Rancho, das Três Rodas, da medicina indígena, etc. Interagimos com o mundo contemporâneo e tecnológico onde as mudanças acontecem naturalmente de uma era para a outra, dependendo do tempo e do espaço em que se encontram, de como se complementam na coletividade cotidiana e da ciência. Isso porque entendemos a dinâmica da cultura e mantemos muito forte a continuidade das nossas práticas culturais.

As Corridas de Imbu são parte de nossa ciência e se iniciam no final de cada ano, quando um Pankararu encontra o primeiro imbu maduro, que não pode chupar e deve levar para o terreiro do poente. Regra esta que respeitamos e tememos com muita fé aos mestres encantados. Assim que o imbu é entregue, é comunicada a chegada do tempo para o fechamento do imbu. Os toques das gaitas soam pelos ares anunciando a todos que seguem ao terreiro do poente. Ao som dos maracás, do rabo de tatu, cantam, dançam e pisam com fé, seguindo o batalhão que guia o povo para o terreiro do muricizeiro, espaço sagrado que faz parte da tradição. Assim, homens e praiás se preparam, carregando arcos e flechas, para flechar o primeiro imbu maduro, que já se encontra pendurado entre duas forquilhas no meio do terreiro.

Logo que se cumpre essa obrigação no finalzinho do dia, a guardiã, que é a mulher mais velha, se aproxima e entrega uma ponta de um imenso cipó ao povo do lado do nascente e outra ponta ao povo do lado do poente. É um momento de firmeza e concentração, em que o cipó é movido pela fé e a força de todos nós que compomos cada ponto do terreiro. Assim, o cipó pode descer para o poente ou subir para o nascente.

Quando o cipó desce de cabeça para o poente, os olhares de todos brilham de alegria e saúdam a mãe-natureza pela certeza de um ano bom, com chuva e muitas farturas para nós. Porém, quando o cipó sobe de cabeça para o nascente, a natureza nos comunica que o ano nos trará sérios castigos: seca, doenças e mortes…

O cumprimento desse reconhecimento da primeira parte acontece no domingo, completando os quatro finais de semana, sendo cinco sábados e quatro domingos. O primeiro sábado é determinado somente para o chamamento das moças que terão a obrigação de botar o cesto no terreiro e dançar as pombas durante os quatro sábados à noite, seguidos da queima do cansanção durante três domingos, pois no quarto e último domingo não acontece a queima do cansanção.

Essa tradição é uma viagem sagrada, no tempo e nos referidos espaços, dando continuidade à sabedoria dos nossos antepassados. Durante os quatro sábados no terreiro do poente, na calada da noite, ao clarão do luar e de uma fogueira, homens, mulheres e crianças obedecem e se entregam ao chamamento de cada cantador, com os praiás vadiando (dançando) por todo o terreiro. Depois da meia-noite, a Lua já nas alturas, a grande sábia pisa no terreiro, cumprindo sua missão tradicional. Este é o momento dos passos, das pombas ou das tubibas, ciência inexplicável, dotada de uma única sábia que conhece os cantos, o tempo, o aviso e a ordenança de passar essa obrigação para outra pessoa.

Já no clarear do dia dos quatro domingos, as moças vão apanhar os imbus, que são o elemento principal e essencial para se botar nos cestos e levar para o terreiro. Crianças, mulheres e homens com a pintura corporal sagrada, o santo barro branco, como seu feixe de cansanção, seguem com seu batalhão dos praiás para o terreiro do Aratikun. Chegando ao terreiro do muricizeiro, os cestos já estão em fileiras, embelezando o terreiro, onde são marcados com uma varinha pelos seus donos. No último domingo da corrida, todo o povo sobe a serra para o ajuntamento do encontro com o grande mestre, o Mestre Guia. Essa ciência nos encanta e, no silenciar do nosso mundo, a natureza nos comunica que é chegada a hora do nosso mestre dos mestres vir benzer e curar nossa nação. É essa força viva que nos une e fortalece a nossa identidade étnica.

Também temos outros rituais, como os já mencionados Menino do Rancho e Três Rodas, em que cumprimos essas obrigações dançando três torés, que significa para nós uma vitória ou uma graça alcançada. O toré é celebrar a relação viva com a natureza e os encantados. É o momento de saudar e agradecer aos nossos encantados.

Essa tradução da fé e do sagrado Pankararu que trazemos aqui através da escrita busca romper com a ideia de folclore. Embora o folclore tenha seu valor cultural, são valores diferentes.

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