Amarello Visita: Galpão Bela Maré
Entre bairros, conjuntos habitacionais e favelas, o Conjunto de Favelas da Maré abriga o impressionante número de 16 comunidades locais. Somadas, os 140 mil habitantes que ali vivem formam uma cidade maior e mais diversa do que grande parte dos municípios brasileiros. Foi na Nova Holanda, uma de suas favelas, a poucas quadras da sede da organização não governamental Observatório de Favelas, que nasceu o Galpão Bela Maré. O espaço que antes servia de fábrica de embalagens deu lugar a um centro cultural capitaneado por inúmeros rostos, que fazem da arte, da educação e da cultura ferramentas de transformação potentes para combater a desigualdade e produzir novas narrativas sobre a relação da cidade com a periferia.
Em 2021, o Galpão Bela Maré completa 10 anos de atividades artísticas e culturais. Como o projeto foi criado?
Isabela Souza da Silva – O Bela é um dos projetos do eixo de arte e território do Observatório de Favelas do Rio de Janeiro. O Observatório é uma organização que completa 20 anos esse ano. Foi fundada por um conjunto de pessoas majoritariamente de origem popular, que queriam pensar as questões da cidade e intervir a partir das demandas das favelas e das periferias. Nossa missão é produzir projetos, ações e programas que possam reduzir as desigualdades e fortalecer a democracia partindo dessa perspectiva. Tudo que a gente cria, independentemente do campo temático, da linguagem, do momento histórico em que estamos, em geral, todos os projetos respondem a essa missão. E a gente começou isso com projetos principalmente na área de educação e direitos humanos. Num dado momento, a partir do segundo, terceiro ano, avançamos para pensar a comunicação e as artes como caminhos para concretizar a redução das desigualdades – e aí eu me refiro a todas as desigualdades. A partir de um projeto dedicado às artes, podemos abrir vários guarda-chuvas de ação. Um deles, que desenvolvemos no Bela, é a disputa por outros sentidos de cidade. O que eu quero dizer é: tem uma disputa de narrativa quando se pensa a cidade e a posição das favelas em geral, apresentadas em uma narrativa hegemônica. Todos os nossos projetos apontam para outras possibilidades de nomear e dar sentidos à cidade. No Bela Maré, especificamente, eu acho que, quando a gente cria essa proposição de estruturar, junto com a Automatica Produtora, um galpão de artes visuais em uma das 16 favelas da Maré, com uma exposição como Travessias, o que estamos dizendo para a cidade é: a favela é lugar de arte. E da mesma arte que a sociedade está acostumada a ver nos museus e espaços culturais da cidade. Isso significa impactar diretamente a geografia da desigualdade do Rio de Janeiro. Trazer o Marcos Chaves para o Galpão, na inauguração, foi muito simbólico por esse motivo. Se esse artista, que está presente em outros territórios da arte que ninguém pode questionar, também está presente na favela, então criamos uma fissura na ideia de associar favela e periferia a local de pobreza, precariedade, falta de segurança e educação. Uma ação como essa desmobiliza o imaginário de que a favela é o espaço em que as coisas faltam, e de que essa falta afasta a favela de pertencer à cidade como um todo. Se a favela tivesse saneamento básico, seria cidade; se tivesse segurança pública, seria cidade. Ao mesmo tempo que essa é a nossa provocação, também temos uma leitura crítica dos projetos de formação que negam o direito à estética à população periférica. Eu não tenho nada contra as profissões que vou citar, mas é muito comum chegar, seja pela sociedade civil ou pelo Estado, o incentivo à formação de pedreiros, padeiros, manicures. Todas são profissões legítimas, mas a questão central da nossa crítica é que, quando as únicas formações que nos competem são essas, isso significa negar a essa população o direito de construir a própria história. A história do Bela Maré está muito atrelada ao nosso desejo de marcar favelas e periferias como territórios possíveis para a arte habitar, a fim de visibilizar pessoas, territórios e questões periféricas.
Luiza Mello – Historicamente, a criação do Galpão se deu em 2010, quando conheci o Jailson [de Souza e Silva], que era um dos diretores do Observatório de Favelas, e a Eliana [Sousa Silva], que é diretora da Redes da Maré. Nessa época, o Observatório tinha acabado de alugar o Galpão, e era um espaço industrial, cheio de máquinas da antiga fábrica de embalagens que ali estava. A vontade deles era transformar o local em um projeto ligado às artes visuais. Estabelecemos essa relação e, quando apareceu uma oportunidade, que já estava sendo costurada pelo Observatório, de um patrocínio para a exposição Travessias, em 2011, levamos a parceria em frente. A ideia era que o Travessias fosse anual. No começo, o Galpão não abria o ano inteiro. No segundo ano, realizamos um projeto chamado Bela Labe, voltado à área de tecnologia, envolvendo filmagem com o celular, video mapping, etc. No terceiro ano, realizamos o Travessias 2, e aí, depois, no quarto ano, o Galpão já virou um ponto de cultura. Tinha pouca verba, mas o Observatório conseguiu manter a equipe para o Galpão ficar aberto mais tempo. Hoje, o Galpão está muito fortalecido e consolidado. Eu acho que o grande desafio é pensar a continuidade. Estamos apenas começando, mas é importante vislumbrar o projeto a longo prazo. No início, e isso é interessante, apesar de ser um espaço de artes visuais, não tinha ficado claro para as pessoas que elas poderiam ir lá ver a exposição. Era um lugar novo, então esses anos foram importantes para trabalhar a mobilização e a comunicação. Além do trabalho de comunicação, temos também o trabalho de mobilização, que está engajado em convidar cada vez mais pessoas para realmente irem ao Galpão. Teve um momento em que fizemos cartas, colocando o convite na casa das pessoas, para que se engajassem nessa visitação. Nesses dez anos, o Galpão se tornou um lugar central para muitos artistas, tanto jovens, periféricos, quanto os estabelecidos. Ele se tornou um espaço importante para a cidade
Sendo um dos principais aspectos do projeto, como se estrutura o programa educativo do Bela Maré?
Érika Lemos Pereira – Nós atuamos a partir de quatro eixos, que também se inserem nessa discussão de mobilização e articulação territorial. No final do ano passado, quando reorganizamos os eixos de atuação do Galpão, tivemos a mudança do Jean [Carlos Azuos] da coordenação do programa educativo para atuar como curador. E eu, que era educadora, passei a atuar como coordenadora do programa educativo, a partir de uma proposta de pensar a metodologia que desenvolvemos nesses 10 anos em núcleos de atuação. É muito comum, na ida a museus e centros culturais, você perceber a realização de visita mediada. Nós também temos isso dentro do Galpão Bela Maré, além de uma série de proposições que dizem respeito ao nosso DNA. Então, por exemplo, no núcleo de leitura temos três atividades. Uma delas é o Espaço de Leitura Indica, que permite desenvolver temáticas a partir do nosso acervo de mais de 4 mil livros, dedicado à cultura, arte, literatura e política. Com o Espaço de Leitura Convida, trazemos pessoas ligadas à literatura, escritores, pesquisadores, cartunistas e ilustradores, para falar um pouco sobre uma publicação ou um tema. No Espaço de Leitura Contação, que é uma das queridinhas das crianças do território, reunimos uma galerinha muito desejosa de escutar e de produzir suas próprias histórias. Temos algumas ações que escapam dos núcleos do programa educativo, que é o caso do Vou fazer arte, um projeto artístico pedagógico, com jovens do território da Maré e bairros adjacentes que estejam matriculados na escola. Eles têm a oportunidade de realizar um processo de sensibilização, experimentação e criação de uma exposição no Galpão Bela Maré, sempre a partir de uma temática apresentada. Em 2017, foi “arte e mídia”; em 2019, tivemos o “enfrentamento à violência”. Ou seja, nas mesmas paredes em que exibimos o Marcos Chaves e tantos outros artistas brasileiros, também exibimos jovens artistas, fazendo com que se sintam parte desse ambiente artístico.
Isabela – Desde o Travessias 1, é premissa dos nossos projetos que parte significativa dos recursos captados garantam um Programa Educativo. Desde o início nos sentimos responsáveis por fazer dessa experimentação um processo pedagógico que pudesse formar esse território, formar esses públicos potenciais e efetivos do Galpão que surgia. E não formar no sentido de que a gente sabe que essas pessoas não sabem, mas de formar para construir junto com a gente. Como é que a arte pode mediar essas experiências educativas? Não é à toa que o Vou fazer arte se concretiza como um projeto tão exitoso, sem evasão de adolescentes. A gente está discutindo violência a partir de uma perspectiva territorial, com adolescentes, moradores de favelas e periferias, estudantes de escola pública, e ninguém sai, mesmo sem ter um centavo de bolsa. Isso é metodologia artística empregada no debate de questões fundamentais.
Como se articula o campo da produção cultural e das práticas curatoriais?
Jean Azuos – O lugar da curadoria tem sido uma atividade concebida a partir de práticas e das reflexões, porque é algo, ao mesmo tempo, muito novo e contundente para o Galpão. A curadoria passa por um exercício de refletir a história do espaço, que começa em 2011, com a presença de artistas de grande expressão. Não significa só habitar o Galpão, mas também um espaço que organiza o olhar para as linguagens artísticas. Temos uma programação muito ampla, combinada com o educativo, por vezes exercendo certo protagonismo como no Live Performance, na intervenção artística e na conversa com artistas, além da interlocução com outras instituições e da pesquisa destinada a entender como o Bela Maré pode se conectar de forma própria com o mundo da arte. Temos o entendimento de que somos um centro cultural onde as pessoas querem expor, com o qual as pessoas querem colaborar e atuar. Propomos essa perspectiva de que ouvir um Raul Mourão é tão importante quanto ouvir um Yhuri Cruz, e a partir disso experienciar como se dão essas conexões. Eu não lido com o inédito, mas com o fetal nos atravessamentos que compõem a nossa história e que têm nos consolidado como espaço artístico e de formação. Érika e eu temos uma reunião semanal para pensar as programações. Chegamos com algumas sugestões já estabelecidas e nos dividimos, posteriormente, para implementar o que foi pensado nesse encontro inicial. Como um curador que vem da área educativa, para mim é muito caro a curadoria estar atrelada aos pensamentos da educação e suas pedagogias.
Quais são os momentos mais simbólicos do Bela Maré nesses 10 anos de atividade?
Luiza – Eu acho que dois momentos. Certamente o Travessias foi um momento muito especial para a gente, porque é o projeto que fundou o Galpão de uma certa forma. A gente começou o sonho nesse lugar do Travessias e conseguiu, desde então, fazer seis edições. E eu acho que a ELÃ, que é a Escola Livre de Artes, iniciada em 2019, também é um segundo marco muito importante, porque, falando da centralidade da educação no Galpão, é o momento em que criamos uma escola de arte, algo que era um desejo muito antigo de todo mundo dentro do projeto. Foi muito importante; é muito emocionante conseguir colocar em prática esses sonhos que a gente teve. Talvez um terceiro momento seja o fato de que o Galpão realmente está estabelecido e ele é uma referência para pessoas, artistas jovens, periféricos. É um lugar que as pessoas querem ir, para jovens, para jovens de escola, para crianças que frequentam o Galpão, porque é um lugar legal. Eu acho que esse é o grande objetivo, que o Galpão seja usado como lugar que recebe bem as pessoas. É um lugar que lida com muita afetividade. A gente fala isso: que é um lugar de afetos, tanto para a equipe quanto da equipe para as pessoas, para o público que frequenta, os artistas que fazem as coisas acontecerem. Na escola, a gente viu muito isso. A gente teve muitas inscrições, porque é um processo em que recebemos portfólios e selecionamos artistas para participarem com uma bolsa. No primeiro ano, tivemos 26 artistas; no segundo, 12 artistas. Os artistas comentam: “o Galpão Bela Maré é uma referência pra mim”, “eu adoro esse lugar”. Isso é algo fundamental. De modo mais filosófico, o mais importante é o fato de que o Galpão, como lugar importante para a cidade, está localizado na Maré.
Como você enxerga os próximos 10 anos?
Luiza – Site em 10 línguas, vários andares para o Galpão! A gente tem uns sonhos meio malucos. Tem um desejo bem específico ligado ao espaço físico, porque é um galpão, e ele necessariamente precisa de melhorias, reformas. Deixar o espaço ainda mais confortável para mostrar os trabalhos e receber as pessoas. A gente tem muitas demandas nesse sentido. E a outra vontade é conseguir dar continuidade à programação, porque é muito difícil conseguir patrocínio, apesar de a Bela e o Observatório trabalharem maravilhosamente bem nesse sentido. Mesmo com pouco a gente faz muito. Acho que, nos próximos 10 anos, vamos continuar construindo. O sonho não é estar num lugar de destaque, mas continuar fazendo. Daqui a 10 anos, eu quero que a gente continue respondendo ao que acontece no dia a dia, respondendo ao nosso tempo, às demandas do Rio de Janeiro, do Brasil e do mundo. Quero que, de certa forma, a gente viva o Galpão de acordo com a cidade e de acordo com a necessidade dos artistas.
Existe uma continuidade dos artistas dentro do Galpão? Como se dá o desenvolvimento na Escola Livre de Artes?
Jean – Os processos que a gente nomeia na ELÃ, junto às pessoas artistas, são de uma residência formativa, no sentido de estar se formando, se conectando ou trocando com outras pessoas educadoras e os entremeios da arte. É muito nítido o quanto os artistas se aproximam da instituição e têm vontade – uma vontade explícita de estar e continuar, sendo agentes, sendo expositoras, sendo colaboradoras, construindo assim uma rede.
Isabela – Num dado momento, em 2019, a gente avançou para a ideia de uma escola livre de artes para que pudéssemos sistematizar a formação de artistas. Se eu tivesse que definir o público principal dessa escola, hoje são artistas de origem popular da metrópole do Rio de Janeiro. Acho que esse foi um passo quase que natural dentro do amadurecimento desse espaço. Em um dado momento, depois de tantas coisas que a gente já tinha experimentado, a gente sentiu que era hora de sistematizar essa proposição de uma escola livre de arte que partisse dessa experiência que vinha sendo o Galpão Bela Maré como território da arte. Começamos a fazer editais. A metodologia é a partir de turmas temáticas. Na primeira turma, o grande tema era “O nome que a gente dá às coisas”, que era uma coisa pedagógica até para a gente mesmo, para entender o que é escola, o que é aluno, o que é arte, o que é artista, etc. Na segunda turma, a gente trabalhou “Masculinidades”. E essa metodologia é uma experiência. Em geral, a gente tem conseguido experimentar três meses de formação em arte para esses grupos. A parte central da metodologia é a presença da bolsa – uma bolsa artística é parte fundamental desse trabalho, como uma forma de trabalhar essa ideia de profissionalização mesmo, de criar um espaço de profissionalização e de valorização dessa experiência que é a arte para pessoas moradoras de favelas e periferias. Muitas vezes elas são obrigadas a trabalhar em outras coisas porque não conseguem viver efetivamente de arte. A ELÃ acabou consolidando um pouco um trabalho, que eu, de fato atribuo a figuras como o Jean no Galpão Bela Maré, que é onde a gente pode reunir esses artistas, esses jovens artistas, principalmente de favelas e periferias, que querem expor aqui, que querem entender como a gente trabalha, querem ocupar esse espaço e essa programação. Uma galera muito ansiosa de estar e habitar e de propor. Acho que esse percurso individual do Jean foi meio que acompanhando esse nosso percurso do Bela. Estamos cada vez mais aproximados de artistas favelados e periféricos da metrópole do Rio de Janeiro, criamos uma escola. Depois, em 2020, a gente toma essa decisão de abrir no nosso organograma esse lugar da curadoria. Em 2018, a gente fez inúmeras curadorias no Bela protagonizadas pelo Jean e por uma rede que essa equipe mobilizava.
Como funciona o processo de ingresso na Escola Livre de Artes?
Érika – O processo de ingresso na ELÃ é realizado por meio de edital. Desde o Bela Verão, que foi em 2018, o Galpão Bela Maré tem realizado uma série de editais como modo, de certa forma, de balizar o acesso a essa plataforma, o acesso a expor no Galpão. Os editais apresentam o conceito e a temática da turma, quais são as necessidades e como se inscrever. Então, a partir desse edital e de um formulário, todos os artistas têm acesso ao que é requerido – por exemplo, é importante para nós que sejam artistas em início de carreira, de 1 a 5 anos de prática, e até 30 anos de idade. Temos o desejo de falar com os jovens artistas. Em todos os nossos projetos, a gente busca ter o compromisso da diversidade etária, étnica, de gênero, de sexualidade e de território. Além da diversidade poética e do percurso individual dos artistas. Nós celebramos muito a ELÃ. Já no primeiro ano, recebemos cerca de 160 inscrições, ao longo de cerca de um mês. E no segundo ano, que seria 2020-2021, nós tivemos a abertura do edital no início da pandemia, naquele momento em que não se entendia se seria só uma quinzena, se seriam dois meses, que estava tudo muito em aberto. Interrompemos esse primeiro momento, e foram cerca de 70 inscrições. Depois, em um segundo momento, no início de 2021, recebemos mais cerca de 40 inscrições, inclusive de pessoas que reiteraram que tinham se inscrito na primeira parte do edital, se inscreveram na segunda e queriam muito participar dessa residência formativa. E isso, para nós, é fundamental. É muito importante ver que tudo aquilo que nós acreditamos, e que talvez 10 anos atrás fosse dado como utopia, que é ter um galpão de arte dentro da favela e a partir desse espaço mobilizar tanto a potência criativa, inventiva, mas também uma potência educativa, faz sentido não só para nós. Essa concretização é muito relevante.
A pandemia levou vocês a explorarem outros formatos de interação e divulgação das atividades. Como funciona o Bela em Casa?
Érika – Toda essa experiência acumulada foi sistematizada no Segundo Caderno de Ações Educativas. Ele foi escrito coletivamente pela equipe do Galpão Bela Maré e tem, justamente, a pretensão de apresentar o que é o Bela em Casa e alguns desafios e algumas potências que nós encontramos no meio do caminho. Preciso ser muito sincera e dizer que, tendo dez anos de história, é muito confortável ter uma série de metodologias – então, para nós, ter, ao longo desses anos, as visitas mediadas, o Bela em Movimento, isso já sistematizado dentro da nossa programação, era um ponto de partida confortável. Porém, há porém: quando a gente fala de favela e dos direitos negados a pessoas faveladas, a gente precisa incluir também o acesso à internet. Então, é de fato um lugar onde estar atuando desde abril de 2020 é importante. O Bela em Casa, só em um ano, realizou mais de 102 atividades. Mas também é preciso entender que talvez a gente esteja falando com outros públicos, dado o alcance do digital. Como eu faço para que crianças que moram na rua do Galpão acessem aquela programação e as redes sociais? Provavelmente elas não acessam, quem está acessando é um outro público, uma outra rede. Basicamente, nós temos reuniões regulares. Toda quarta-feira nós paramos para discutir como será a programação do mês corrente e do mês subsequente do Bela em Casa. Nós temos investido nas nossas redes sociais, porque é onde temos um público já mobilizado, especialmente no Instagram. O Galpão tem o Cine Bela, que é o nosso cineclube, que regularmente oferece sessões e debate no espaço físico. Com a incidência da pandemia, a metodologia foi desmembrar a sessão em uma semana. Terça-feira nós lançamos uma playlist no YouTube com os filmes que irão compor aquela sessão – podem ser curtas, longas e até mesmo uma mistura entre curtas e longas –, e, na sexta-feira, nós realizamos uma live no nosso Instagram, com um convidado, para debater temáticas trazidas pela sessão. Então essa é uma experiência prática de como nós transformamos o Cine Bela presencial no Cine Bela online, através do Bela em Casa.
Nyl de Sousa – A pandemia levou toda a sociedade a mudar a forma de se comunicar, e no mesmo momento. A gente sempre teve um entendimento, que está na gênese do Observatório, de pensar a comunicação como uma ferramenta fundamental na construção de narrativa, e o Bela Maré também reflete isso. Quando a gente entende que não vai ter de fato a parte presencial, não vai ter a possibilidade, a viabilidade do encontro, levamos isso para a rede. O que eu destaco é que o Bela Maré passou de um espaço que entende as redes sociais como um meio de comunicação para informar as pessoas a irem ao Galpão, para ser uma espécie de produção de conteúdo. A gente passou a ter uma reunião semanal para a programação – antes da pandemia, eram reuniões mais pontuais, era algo para ir desdobrando, e nem todo mundo participava. Com o Bela em Casa surgiu essa necessidade de parar e pensar nas atividades no formato digital. Como que a gente vai fazer uma ação poética a partir das redes? Como que vamos mobilizar a partir das redes sociais? Então foi e segue sendo um desafio, hoje um pouco mais consolidado. Todos trouxeram alguma contribuição. Acho muito incrível como a gente conseguiu dar conta de as pessoas manterem o interesse em acompanhar o Galpão Bela Maré, e também aumentar o número de seguidores. E as mudanças em torno dos nossos canais nas redes. O YouTube era mais um lugar de contar o que aconteceu em um projeto, registrar uma exposição, e ele passou a ser um canal mais propositivo, por conta das lives. O Prosa com artistas acontece por lá. É um processo muito fluido, porque as redes sociais têm seus próprios interesses, são empresas, mecanismos que vão trazendo outras ferramentas e provocando para que o usuário as utilize. Numa época em que o Instagram começou com o Reels, estávamos fazendo a programação com a CriptoFunk, e lançamos um vídeo de dancinha, que é muito comum de ver no TikTok. Mas isso saiu nas nossas redes a partir de toda uma construção. Eu acho muito legal como tem se aproveitado o digital como espaço de performance, como espaço de encontro para falar sobre um filme. Acho que é bem por aí. Tem essas informações que vão estar sempre acontecendo, porque as redes sociais estão sempre nesse processo de mudar, de transformação, mas é um bom desafio. Acabamos tendo esse entendimento, a partir das redes do Bela Maré, de produzir conteúdo a partir dessa história que celebra os 10 anos do projeto.
Érika – O aprofundamento do uso da cibercultura é muito interessante de se pensar. Em um ano, nós começamos experimentando Travessias 6 através das nossas redes sociais, e agora a exposição, Masculinidades em diálogos, foi montada simultaneamente no espaço físico do Galpão, ficou em exposição em maio e junho, e está disponível até o final de dezembro em uma versão 360°, onde as pessoas que não tiveram oportunidade de se deslocar até o Galpão Bela Maré podem experienciar a exposição da sua casa, do seu celular, do seu computador.
Isabela – Dentro desse movimento de pensar o que poderia ser um marco dos dez anos, a gente se deu conta do quanto a gente queria que esse momento fosse de fato um convite para que as pessoas construíssem junto com a gente mais dez anos. Toda essa ideia, Bela + 10, essa narrativa – e a gente está, de fato, criando programações que espelham isso –, nada mais é do que esse convite, seja via curadoria, seja via comunicação, seja via educação efetivamente, para a gente se comprometer coletivamente com mais 10 anos de trabalho a partir desse espaço. E o que a gente quer, progressivamente, é de fato ir convidando artistas, pessoas, para irem se engajando com a gente, então tem alguns dispositivos em planejamento para de fato convidarmos a classe artística, os públicos, as instituições para irem se responsabilizando por esses mais 10 junto com a gente.