Amanhecer
No dia desse registro, há exatos 3 anos, cheguei na Praia do Forte, na Bahia. Mas como sinto que aqui o tempo não existe para além da eternidade cíclica dos sucessivos alvoreceres e entardeceres, entreguei minha vida.
Na calmaria quase tediosa da beleza em repetição – entre a lua cheia nascendo à esquerda e o sol esvaziado se pondo à direita, um diante do outro, em sua redondez prata e dourada – vivemos todos repletos de histórias, dons e talentos. Somos mistura cultural e miscigenação. Não existe uma fórmula para decantar as características de cada indivíduo e separá-las em diferentes identidades:
“Yes, nós somos barrocos”.
Nas imagens retratadas aqui, as formas, cores e materiais nos guiam em direção a conclusões ilusórias. A memória está presente na silhueta, na época, na matéria-prima, nas representações, mas nada pode ser definido. Qualquer tentativa nesse sentido traz enganos, pois quando a razão conecta as informações, as conclusões desaparecem.
A sensação de separação, no entanto, ainda existe. A mesma separação avistada pelo coqueiro mais alto, que calado, um dia gritou ao vento com a voz silenciosa de suas palhas: “nau à vista!”
Aqui desembarcaram os pais, os filhos, os reis e as rainhas. Assim como o poder e a dor.
Talvez isso explique porque, para a história, as verdades são tantas, mas mesmo multiplicada, não pode ser tratada no plural.
Em meio a ampliação da Verdade: “Yes, nós somos barrocos”.
Nas ruínas do único castelo medieval do continente americano, sede do maior latifúndio que se tem notícia no mundo, tentamos traduzir em imagens tantos destinos por aqui vivos e vividos, trançados às mãos gigantes das donas Vavás de todas as gerações tupinambás, em palha, em fé, em ritmo, em oração, em proteção, pelas ondas e pela espera.
Enquanto isso, o oceano avança e a primeira fila do exército guerreiro de coqueiros posicionados à beira mar têm suas raízes expostas. Na desigualdade das forças em desequilíbrio, sucumbem ao vento invasor.
Sem mais a ilusória sensação de proteção, o batalhão da segunda fileira do coqueiral, após um tempo de regozijo observando a tragédia dos semelhantes, inicia o cumprimento de seu destino, face a face com a imensidão do oceano. Assim é qualquer devastação.
Para os verdadeiros reis, que tudo viram e tudo veem, o amanhecer se repete e com ele a oportunidade de mais olhos se abrirem, mais corações despertarem aquecidos pelo calor desse sol da Bahia. O mesmo sol do Sul e da Europa. O sol de todos – o sol Barroco.
Amém! (de amem-se)
Esta ação cultural realizada na Praia do Forte-BA partiu da criação de uma coleção de arte de vestir por Thanara Schönardie, ostentando o luxo da verdadeira essência humana, aquela proveniente da grandiosidade de sua relação com a natureza, transcendendo tempos, culturas, raças e credos. No desfile de personagens míticos, o contraste entre a leveza das sedas e a palha de piaçava, importante material do artesanato tupinambá da região, se juntam às peças de moda praia e acessórios de empreendedores locais e à formação de um grupo de talentos iniciantes e profissionais do artesanato, fotografia e audiovisual da região em intercâmbio com artistas de outros locais do Brasil.