ArteMúsica

Já escutou? Lou Garcia, Ruadois, Rodrigo Lemos e mais

Para fugir um pouco do formato das últimas edições, neste mês contamos com um convidado especial para inaugurar uma nova seção: Perfil. Em um formato de entrevista curta, acompanhado de um texto de opinião redigido pelo convidado, a ideia do quadro é girar perspectivas, trazer novas vozes e diversificar as indicações.

Falando dos lançamentos, meio que o ano já acabou né?

Entre a  eleição de outubro e a Copa do Mundo em novembro, a internet está virada e os ânimos tensos. Sinto que os lançamentos estão mais voláteis e caminham por um lugar muito delicado. 

Eu sou millennial. Não tenho a mesma paciência e (talvez) a capacidade de absorção de informação da Geração Z.  

Mas acredite, eu me esforço.

No espírito de não ser ultrapassado pelo tempo, tenho prestado bastante atenção no que sai do TikTok. A música independente que acontece lá dentro percorre um caminho curioso em uma teia bastante complexa, que envolve criador, consumidor, e uma relação de autoria compartilhada.

Indica: Lou Garcia – Não Fosse tão tarde

Baiana e GenZ, Lou Garcia apostou com destreza no uso do TikTok para impulsionar seu single “Não Fosse Tão Tarde” a tomar vida própria nas redes. Além de virar trend na plataforma, a música ganhou dezenas de versões (não oficiais) e chegou a ser gravada por Wesley Safadão e Lucas Aboiador em versão piseiro.

Lançada em julho, “Não Fosse Tão Tarde”  chama atenção pelos caminhos melódicos, pela pegada nostálgica e pelo timbre doce e muito expressivo da cantora baiana. 

Acompanhando a tendência do mainstream gringo protaganizada por Olivia Rodrigo, a faixa retoma alguns elementos do pop rock da década 2000, como a bateria orgânica e as guitarras distorcidas, para firmar um lado pop extremamente sólido. Os sintetizadores aguados e melodias belíssimas confluem para criar uma estética própria, lapidada e amadurecida junto com o produtor Gustavo Schirmer (Terno Rei, Jovem Dionísio). 

É importante entendermos a música dentro do contexto da plataforma e enquanto fator viral, porque esse olhar traz a reflexão sobre uma nova perspectiva de consumo. No momento em que a obra sai das mãos da artista para o público, ela é reapropriada, transmutada, moldada e reautorada por qualquer um com acesso a internet e um pouco de criatividade. 

O refrão é perigoso, a melodia é simples e demora dias pra sair da cabeça, assim fica ainda mais fácil para o consumidor desdobrar em diferentes versões – e Lou parece entender e abraçar esse fenômeno como tônica do engajamento.

A cena da vaquejada também entendeu isso muito rápido. João Gomes, Zé Vaqueiro e outras figuras proeminentes do piseiro já gravaram versões de outras músicas que ficaram famosas na plataforma.

Entre Lou Garcia e Wesley Safadão, aos moldes do que aconteceu com a cantora independente Marina Sena e João Gomes, A versão piseiro de uma música indie parece um encontro de universos, possibilitado apenas por esse fenômeno tiktokiano.

Fico na torcida para que a transposição de Lou enquanto figura cibernética para o mundo real ocorra em passos firmes, com a conversão dos números de streaming em ingressos de show e fidelização de público.

Ouça: Todo mundo menos (eu) e Bateria Social.

Radar: Ruadois – Rua

Na última edição, trouxe aqui minha percepção sobre os novos movimentos de vanguarda do RAP – como o Grime -, que vêm se moldando através da importação e remodelamento principalmente da cultura inglesa. Faz sentido traçar paralelo entre essas sonoridades frescas e o início da década dos anos 20. É interessante viver esse período em que se redefinem os horizontes estéticos das artes, onde as correntes culturais nascem e morrem em uma dança de renovação e ressignificado.

Formado na pandemia por Well, Mirral ONE, Akila e georgelucas, o conjunto belo-horizontino RUADOIS bebe muito do Garage – movimento inglês de música eletrônica dos anos 90 – e mescla com timbres modernos nos beats e nos synths para criar uma assinatura sonora única.

Pode se dizer que o Garage, ou UKG, é uma influência pouquíssima explorada aqui no Brasil, principalmente dentro do RAP. O estilo chegou ao mainstream do país no início dos anos 2000 com “Adoleta”, da cantora Kelly Key e produzida pelo DJ Cuca. mas teve vida curta nas pistas. Talvez por isso seja uma escolha de pesquisa sonora que salta aos ouvidos. 

Para quem se interessa pelo tópico, recomendo fortemente essa leitura do portal kalamidade, escrito por Isabela Rosa:

https://kalamidade.com.br/2022/03/03/que-cena-e-essa-garage/ 

Ruadois

“Rua” é o último single do quarteto. Produzido por georgelucas e Adieu, a faixa carrega um balanço muito melódico: as harmonias desenham uma paisagem quase melancólica enquanto “Mirral” e “Well” deslizam nas rimas, debochando categoria nos flows.

Os timbres mais minimalistas da batida e o carinho com o design de som imbuído nos sintetizadores são os traços de uma estética moderna, mas que não deixam de conversar com a escola mais clássica do UKG.
Ouça: Sprint e Proibido estacionar VOL1.

Perfil: Rodrigo Lemos

Rodrigo Lemos é músico, produtor e compositor. Carioca de gema; paranaense de formação, o artista foi membro das bandas Poléxia e A Banda Mais Bonita da cidade. Pelos últimos 10 anos, se manteve consistente nos lançamentos dentro do seu renomado projeto solo, Lemoskine.

Hoje, trabalha principalmente em São Paulo, integra o time da produtora de áudio DaHouse e é curador no selo indie Dorsal Musik.

//Bate e volta:

Uma banda: Radiohead

Um disco que você ama: Coisas – Moacyr Santos

Um artista que só você conhece? Lemoskine

Algo você não suporta: Intolerância

Não vive sem? Chocolate

O que você gostaria de aprender? A continuar conectado com a criança dentro de mim

Como você se vê daqui a 2 semanas? Mais velho

Indicação: ÀVUÀ – “Percorrer em Nós”.

É fato que, há mais de século, a sociedade foi dando seu jeito de reservar às vozes negras a tarefa de cantar tão somente sobre suas dores, suas realidades embrutecidas, ou as múltiplas injustiças às quais foram submetidas historicamente.  Em manifestações nascidas mais ao fim do século passado, como o rap, a abordagem violenta chegou a atingir status de pré-requisito.

E, naturalmente, esse condicionamento foi se misturando às tendências de comportamento, dando corda para a discriminação cultural, o racismo estrutural, a violência da polícia contra as populações periféricas, onde crescem ininterruptamente novas manifestações musicais… Enfim. Prospecções nada promissoras. Tristes oceanos.

“Mas como é que você não fala de morte na quebrada? Não fala de armas? E a revolta contra o sistema? Não tem música de protesto?”, me enumerava tempos atrás um Jota.pê cansado de ter que lidar com tais questionamentos em entrevistas desde sua participação no reality show The Voice Brasil, em 2017. Como se fosse a única prerrogativa cabível a um artista negro: mostrar-se com raiva.

Eis que sai de campo o sing the blues. 

Quero chamar atenção para um rompimento de padrão ao tratarmos de uma geração que não aceita mais ser estigmatizada, e reivindica a leveza, os amores vividos abertamente, a manifestação da sua espiritualidade, o bem-estar físico e, sobretudo, emocional — o direito ao afeto.

Está aí o conceito que Jota.pê e Bruna Black escolheram abordar em seu disco de estréia como ÀVUÀ – “Percorrer em Nós”.

São tantos os símbolos, tantas construções sociais que aparecem na narrativa do duo a partir daí, que discorrer sobre sonoridade parece uma missão de peso menor. Podem alegar, sim, que a dupla não estaria reinventando a roda da canção de MPB, mas nem por isso deixam de entregar excelência nesse departamento; soando em consonância com seus pares no cenário atual.

O álbum – que acaba de sair pelo selo paulistano Dorsal Musik – deve agradar tanto puristas do formato voz e violão, quanto ouvidos mais interessados em texturas sonoras, ritmos afrobrasileiros e beats. Mas isso me parece estar longe de ser o maior trunfo do trabalho. O que Jota e Bruna estão fazendo tem mais a ver com representatividade no presente, e herança a partir de ensinamentos de personalidades como Lélia Gonzalez e Bell Hooks, por exemplo. É nas letras e no encontro dessas vozes que o jogo cresce.

Para torcer pelo voo livre de outros pássaros, ouça “Bentivi”. Apostar no poder de transformação do amor, como forma de resistência diante de um período tão afundado em ódio em nosso país? Ouça “Famoso Amor”. Permitir-se o auto amor? Ouça “Abrigo”.

E desisto de cavoucar o ninho para além do necessário. Mais valioso que saber racionalizar um fazer artístico, é sentir que podemos (através dele) estar presenciando um capítulo extremamente relevante e decisivo para a história. Assim sinto.

Faixas-chave:

“Bentivi”, “Te Encontrar”, “Comum” e “Famoso Amor”.

Para quem gosta de:

Djavan, Ibeyi, Mayra Andrade e Emicida

Para ouvir lendo:

“O velho está morrendo e o novo não pode nascer”, Nancy Fraser

“Eu sei por que o pássaro canta na gaiola”, Maya Angelou

Nota: Pela proximidade com o processo do duo, fica difícil demais para este que vos escreve o exercício da imparcialidade. Mas quis arriscar a indicação porque é fundamental para o agora. ÀVUÀ vai seguir avuando.

contatos: [email protected] Spotify


Fala que eu te escuto:

Estou sempre em busca de sonoridades novas, e todo mês reviso e ouço com muito carinho todo o material enviado. Aguardo sua sugestão e, se possível, uma justificativa breve do motivo da escolha.

[email protected]


Este artigo faz parte do projeto Escuta, um ambiente de entrevistas e debates sobre música e cultura de realização do Instituto de Apoio à Orquestra Sinfônica do Paraná. Siga as nossas redes abaixo para mais informações!

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