Arlequim, de Heitor dos Prazeres, em exposição no CCBB Rio de Janeiro*.
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Suave também é a felicidade

Se fecho os olhos vejo minha avó, cabelos louros laqueados, unhas vermelhas, vestido azul bordado, olhos brilhando de alegria, entrando na sua festa de 90 anos ao som de Gonzaguinha: Viver e não ter a vergonha de ser feliz.

A minha avó era de risada fácil e contagiante. Esbanjava felicidade, tanto nas suas roupas estampadas como na habilidade de agregar familiares e amigos. Adorava ser festejada com flores, presentes e doces. Não tinha vergonha de ser feliz. Penso muito nela. Nunca fui como ela, de gostar de esbanjar minha felicidade. Quando criança, me escondia durante minhas festinhas de aniversário. Mas sempre gostei de vivenciar – e proporcionar – a felicidade dos outros.

Quando me mudei para a Suécia há sete anos, me vi de repente imersa em uma cultura onde as emoções são suaves. Assim como a estética escandinava, são minimalistas, desbotadas, em tons sutis de brancos e cinzas e pretos. Durante alguns anos, continuei a buscar a minha felicidade na alegria dos outros e foi um longo e duro caminho até entender que aqui não só a luz do sol me faltaria durante longos meses de inverno, mas a luz das pessoas também.

É um paradoxo. A Suécia, assim como os outros países nórdicos, aparece ano após ano no topo do ranking dos países mais felizes do mundo. Como equacionar isso com o que eu estava vivenciando? Via uma sociedade em que exibir fortes emoções parecia causar desconforto e talvez até um pouco de vergonha alheia. 

A felicidade é uma experiência humana universal. De fato, é a emoção que mais transcende as diferenças culturais. Pesquisadores da universidade de Berkeley, na Califórnia, procuraram entender se nossas expressões emocionais são universais ou culturais. Usando tecnologia conhecida como aprendizado de máquina, especificamente uma rede neural artificial profunda, eles analisaram as expressões faciais em 6 milhões de vídeos enviados ao YouTube por pessoas de 144 países ao redor do mundo. Os vídeos continham 16 diferentes emoções a serem interpretadas, incluindo expressões de felicidade, medo, raiva e desaprovação. Os resultados indicam que pessoas de diferentes culturas compartilham cerca de 70% das expressões de emoções. É uma confirmação da universalidade da expressão emocional humana. E a felicidade é a mais reconhecível delas. É inconfundível.

Porque, então, eu estava tão confusa com a felicidade sueca? Afinal, era ou não a felicidade uma experiência universal? O que faz a felicidade de cada pessoa é extremamente pessoal. Alguns gostam de sambar, outros de pintar, alguns de fazer trilha, outros de tomar champagne de madrugada, e alguns de nós gostamos de tudo isso. Mas quando pensamos na felicidade como uma expressão coletiva de uma sociedade, vemos que existem diferenças marcadas na definição, expressão e busca pela mesma.

De acordo com William Tov, pesquisador da universidade de Berkeley, algumas sociedades equivalem a felicidade a estados de alta excitação positiva. Estados, por exemplo, em que nos sentimos eufóricos, animados e festeiros. Uma escola de samba, uma torcida de futebol na hora do gol, uma gargalhada com amigos ou grito de exaltação. Outras sociedades, no entanto, associam a felicidade mais a estados de baixa exaltação. Um momento de reflexão, de profundo contentamento e satisfação. Assistir ao pôr do sol, sentir o calor aconchegante de uma fogueira, contemplar as estrelas no céu.

A própria busca pela felicidade é diferente. Nos Estados Unidos, a busca da felicidade é vista como um direito individual, garantida na constituição do país. Na Suécia, a busca da felicidade é vista como um ato coletivo. Existem regras implícitas que governam cada sociedade, e a de muitos países nórdicos é a de que o nós é maior do que o eu. Portanto, jamais devemos pensar que somos melhores que os outros, devemos sempre buscar o consenso, e tentar ao máximo não nos vangloriar, para que todos sejam ouvidos igualmente e para que todos vivam em harmonia.

Passei a entender então que enquanto nossa felicidade no Brasil é extrovertida, aqui ela é introvertida. É algo que não ostenta, não incomoda, não ofusca, porque nossa felicidade não deve falar mais alto do que a dos outros. Quando parei de procurar a felicidade em estados de alta excitação, passei a encontrá-la em estados de baixa exaltação. Comecei a buscar a felicidade no silêncio da minha própria companhia. Nos silêncios dentro das conversas. No silêncio da natureza. E descobri que estes momentos me traziam uma satisfação diferente da felicidade exuberante. Entendi a felicidade sueca, tímida e simples.

Sinto-me feliz aqui, mas minha alma, mesmo aquietada, ainda sente falta da felicidade em voz alta, a todo volume. Do calor humano brasileiro. Do feirante cantando, da moça da padaria me cumprimentando, da batida da nossa música, da fartura das nossas comemorações. Da sensação de se entregar corpo e alma à alegria e chorar, gritar, rir, pular. De expressar toda a gama das minhas emoções, e viver sem ter a vergonha de ser feliz. 


*A exposição “Heitor dos Prazeres é meu nome” está em exposição no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro, de 28 de junho a 18 de setembro de 2023. Imagem: Divulgação CCBB.