Obra de Yasmin Guimarães, artista publicada na edição Amarello Sonho.
Sociedade

Geração ansiedade e a crise do mundo adulto

Os Millennials e a Geração Z carregam um título que ninguém gostaria de carregar: são a geração mais ansiosa da história. Antes, a expectativa que perdurava no ar era a de que, com avanços médicos e tecnológicos, cada próxima geração se sairia mais completa, mais próxima à perfeição que a anterior. Mas a ironia não deixaria que isso fosse cem por cento verdade. A sensação que predomina é que estamos diante de uma geração em que isso não condiz com a realidade, pois, apesar dos avanços em inúmeras áreas — e em algumas, por causa dos avanços —, questões maiores parecem ficar no caminho da plenitude.

Pessoas nascidas entre 1981 e 1996, no caso dos Millennials, e entre 1997 e 2010, no caso da Gen Z, cresceram em um mundo altamente digitalizado, enfrentando uma somatória de desafios. Entre os fatores que pintam esse quadro estão desde questões globais como mudanças climáticas e polarização política até problemas pessoais como instabilidade financeira e a inevitabilidade perniciosa das redes sociais.

No livro Geração Ansiosa: Um guia para se manter em atividade em um mundo instável, a psicóloga clínica, Lauren Cook, fala abertamente sobre sua experiência pessoal para oferecer uma abordagem honesta e repleta de métodos práticos de como lidar, ou tentar lidar, com a sobrecarga de informações e arapucas da atualidade. Nascida no começo dos anos 1990, ela também carrega o peso de sua geração, tentando esquematizar soluções e, por vezes, tirar algo positivo da história toda. Além de sua própria experiência com a ansiedade, se baseou em pesquisas psicológicas sólidas e vivências diversificadas de seus pacientes para escrever o livro. Cada capítulo tem um personagem-paciente central, que não existe como uma pessoa específica, mas como uma amálgama de relatos de seus pacientes e sensações comuns às temáticas tratadas naquele conjunto de páginas.

Para começo de conversa, Cook reconhece que, embora a tecnologia tenha facilitado o acesso à informação, ela também trouxe um constante bombardeio de notícias preocupantes e a pressão onipresente das redes sociais, um ambiente em que a comparação diária com os “melhores momentos” dos outros pode intensificar sentimentos de inadequação e isolamento. Por mais que se tenha a noção de que as redes não retratam as vidas verdadeiras das outras pessoas, é comum que os stories e as postagens façam com que quem quer que esteja vendo sinta que não está fazendo muito, que não está aproveitando a vida ao máximo, que sua vida profissional não foi para frente como ela sonhava, que seus dias são enfadonhos e pouco compartilháveis. A comparação por si só já é um problema. Sempre foi. Mas a comparação com algo totalmente irreal é ainda mais problemática.

Cook compara a crise de ansiedade à sensação de afogamento — assustadora, avassaladora e, sim, por vezes geradora da sensação de que a vida está por um fio. Muitos jovens hoje descrevem a experiência como se estivessem se afogando, inundando seus pulmões em um mar de inseguranças e desafios. As águas desse mar ficam violentas com os ventos fortes de uma ansiedade que é exacerbada por fatores que não eram tão predominantes ou intensos nas gerações anteriores — Baby Boomers (1946-1964); Geração X (1965-1980) —, o que explica em parte por que os níveis de ansiedade são mais elevados nas gerações Y e Z.

“Estamos cansados. Temos dúvida de que alguma coisa possa fazer diferença. O desgaste da ansiedade ao longo dos anos desenvolveu um tártaro emocional que nos deixou endurecidos. Nosso ceticismo nos deixou isolados em nossas redes sociais e telas da Netflix. Embora todos nós estejamos sofrendo coletivamente, podemos sentir como se ninguém entendesse nossa dor.”
Lauren Cook, em Geração Ansiosa

Uma explicação popular para tanta insegurança e instabilidade profissional é a tese do “floco de neve”, de que os jovens de hoje foram demasiadamente mimados pelos pais, sendo permitidos a evitar a responsabilidade e a independência que fomentam a resiliência mental. Mas essa visão, claro, subestima esses jovens, ignorando o contexto maior em que eles estão inseridos. Há, de fato, novos desafios a serem superados, desafios que as gerações anteriores não tinham, especialmente quando se trata de preocupações com o futuro, seja por perspectivas de emprego ou por questões socioambientais. Não é sobre ser mais difícil ou menos difícil, mas o fator “tudo ao mesmo tempo no mesmo lugar”, somado à incerteza da existência de um futuro, configura um panorama novo, que demanda adaptação.

É sintomático que os Millennials tardios e a Geração Z estejam adiando muitos dos marcos da vida adulta que as gerações anteriores consideravam indispensáveis: muitos não são proprietários de imóveis, muitos não estão em relacionamentos sérios, muitos não estão se casando por escolha própria. Sem marcos que representam avanço, seus esforços para progredir acabam sendo frustrados, o que faz com que permaneçam inertes em posições fetais confortáveis, que não exigem movimento e, às vezes, se vier a calhar, nem custos financeiros. Por essas e outras, há uma demora cada vez maior para que deixem a casa dos pais. Como um todo, essas gerações têm níveis de escolaridade altos — na verdade, dos mais altos que já existiram —, mas o caminho para o sucesso está bem menos claro. 

Com a promessa de que o trabalho deve ser uma atividade apaixonada, monetizando muitas vezes um hobby ou algo que num contexto pessoal seria uma paixão, há uma enorme pressão para que a vida profissional não seja um mero ganha-pão. Ela tem que ser um prazer. Na teoria, funciona; na prática, nem tanto. O sentimento constante de insatisfação reverbera com força quando se é pressionado a ser feliz e agradecido inclusive nas oito horas diárias (se não forem mais) de labuta. Pois, se uma pessoa não se sente exatamente assim, saltitante com o que faz para viver, a cobrança começa vir dela mesma — algo como: “Naqueles últimos stories, as pessoas pareciam felizes com o trabalho. Por que não estou assim com o meu? Algo deve estar errado.” Fato é que, por mais que se trabalhe com algo que converse com suas afinidades pessoais, nada é mais natural que o desgaste aconteça e nem tudo seja rosas. 

Um efeito colateral disso é que, hoje em dia, para essas gerações, parece não haver mais espaço para atividades que exigem uma certa adaptação. Quando o trabalho é visto como uma extensão do prazer, ele rapidamente será considerado como não adequado. Afinal, estamos falando de cobrança, prazos, compromissos, estresse — e isso faz com que as pessoas troquem de trabalho rápido, sempre em busca desse ideal profissional que nem sempre existe. Há o lado positivo de estarmos mais atentos a ambientes tóxicos de trabalho e a chefes que maltratam seus funcionários. Nesse aspecto, houve um avanço inegável. Mas mesmo os aspectos positivos podem contribuir para a ansiedade, já que, depois de reconhecer um ecossistema ruim, estamos em um período de transição, o que quer dizer que os abusos morais ainda ocorrem com muita frequência e os burnouts estão longe de acabar. 

“Se você está considerando a suposição de que não está sendo uma boa amiga quando já está se virando do avesso para ajudar, ou de que tem ‘sorte’ por conseguir todo esse trabalho extra sem uma mudança de posição e uma compensação, temos que conversar. Não só você está em águas infestadas de tubarões, como temo que tenha vestido uma fantasia de foca, minha amiga. Pior ainda, se seus amigos, seu parceiro ou seu chefe fazem você acreditar que ainda não está fazendo o bastante quando está fazendo tudo o que pode, você agora está oficialmente na gaiola do tubarão, esperando que as grades sejam quebradas. Temos que encontrar uma saída.”
— Lauren Cook

Ao mesmo tempo, os Millennials e a Geração Z estão muito mais conscientes das questões de saúde mental. São mais capazes de articulá-las do que seus pais. Quando gerações mais velhas deixavam empregos, poucos acusavam questões psicológicas. As novas gerações estão mais em sintonia com suas necessidades, dizendo: “Eu tenho ansiedade,” ou, “Fui diagnosticado com depressão.” Mas o estigma persiste. Os jovens podem estar mais conscientes do que os aflige, mas relutam em falar sobre isso no trabalho. Alguns profissionais jovens estão lidando com problemas de saúde mental pela primeira vez, preocupados com a imagem, muitas vezes negligenciando suas necessidades até que se tornem insustentáveis.

Um dos pontos surpreendentes levantados por Cook em Geração Ansiosa é como a ansiedade pode ser transmitida de geração em geração. 

“Podemos ser impactados num nível biológico, microscópico. A investigação dos efeitos de traumas intergeracionais teve início quando pesquisadores começaram a estudar sobreviventes do Holocausto e notaram que, em alguns casos, os filhos de sobreviventes de campos de concentração pareciam ser mais traumatizados do que os próprios sobreviventes. A partir dos anos 1990, esses estudos foram ainda mais longe, examinando o impacto do trauma geracional sobre a expressão gênica, um campo de estudo conhecido como epigenética. Um estudo significativo constatou que crianças podem ser afetadas pela exposição a traumas parentais não apenas antes de nascerem, mas antes mesmo de serem concebidas. Tudo isso para dizer: nosso DNA pode ser literalmente modificado por causa da dor que nossas mães, pais, avós e gerações anteriores suportaram.”

O trauma e o estresse podem alterar fisicamente nossos genes, um fenômeno que tem implicações profundas sobre como entendemos e tratamos a ansiedade. O futuro, se é que existe, não parece promissor para os filhos da geração ansiosa. No entanto, a pesquisa também mostra que mudanças positivas no estilo de vida podem reverter esses efeitos, oferecendo uma visão mais esperançosa para o futuro. Haveria, então, salvação?

Seja como for, tanto os Millennials quanto a Geração Z têm sido lentos para abraçar a vida adulta com entusiasmo, juntamente com a independência que costumava ser atraente para os adolescentes. Adulting, ou “adultar”, agora se tornou um verbo, como se alguém tivesse escolha no assunto. A carteira de motorista é um exemplo — cada vez mais jovens estão renunciando dela, já que estão ou acostumados a usar Uber e transporte público ou pegar caronas com os pais. O que antes era um sinônimo de liberdade e amadurecimento, hoje é algo dispensável. Em números recordes, os jovens simplesmente não veem isso como algo que os preocupa.

Com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo, “adultar” está longe de ser prioridade. 

Reconhecendo os desafios, há uma busca por soluções de saúde mental online, impulsionando o crescimento de uma nova indústria bilionária. Aliás, serviços de coaching, mentoria e terapia online estão se expandindo rapidamente para atender a demanda. Relatórios mostram que o mercado global de coaching online deve crescer significativamente, atingindo US$ 11,7 bilhões até 2032, enquanto o mercado de terapia online pode chegar a US$ 16,16 bilhões até 2028.

Talvez haja muitas coisas boas por vir. O difícil vai ser construir a estrutura de saúde mental necessária para que não desmoronem enquanto isso.

Para Lauren Cook, é verdade que a ansiedade é um dos grandes marcos da atualidade e das gerações que carregarão o futuro adiante. Mas, com um misto de preocupação e esperança, a autora acredita que, cedo ou tarde, o mundo oferecerá desafios impossíveis de serem enfrentados sozinhos. E aí a escolha terá que ser feita: ou a geração ansiosa afunda no mar de problemas ou ela os enfrenta de cabeça erguida. Para isso, tem que se transformar na geração unida.