Detalhe da obra de Yasmin Guimarães, artista publicada na edição Amarello Sonho.
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O que a inteligência das plantas nos diz sobre o futuro do mundo?

Nos anos 1960 e 1970, surgiram experimentos que alegavam que as plantas possuíam sentimentos e respondiam a estímulos musicais (e faziam até testes de polígrafo!). Embora essas alegações tenham sido desmascaradas a ponto de virarem alvo de chacota, a jornalista climática Zoë Schlanger, em seu livro recente Devoradoras de Luz — que será lançada em novembro no Brasil, pela editora Objetiva —, nos mostra que as plantas são inteligentes de maneiras complexas que desafiam nossa compreensão, muitas vezes limitada às nossas próprias noções de espécie. 

“As plantas demonstram um interesse ativo no resultado de suas vidas. Sabíamos que reagiam ao ambiente, mas não de maneiras tão complexas e inteligentes”

Schlanger descreve essa inteligência como uma “forma de agência”, o que não quer dizer que as plantas vão desenvolver aparatos tecnológicos ou responder questões matemáticas. Quer dizer, na verdade, que as plantas demonstram um “interesse ativo no resultado de suas vidas”. Ou seja, elas sentem as condições às quais estão submetidas e tentam tirar o melhor delas, prezando pela própria sobrevivência. Essa nova visão, resultado de pesquisas e de respostas analisadas a partir de uma perspectiva moderna mais aberta, desafia a percepção tradicional das plantas como seres passivos e inertes, propondo que são afinal entidades ativas e responsivas, totalmente capazes de interagir com o ambiente de maneiras sofisticadas. A palavra “sofisticada”, vale dizer, é chave para entendermos a novidade: já sabíamos que as plantas reagiam ao ambiente, mas não de maneiras tão complexas e inteligentes.

Através de uma série de exemplos fascinantes, a jornalista revela como as plantas utilizam informações do ambiente para tomar decisões críticas. Plantas de tomate, quando atacadas por lagartas, liberam um componente químico que torna suas folhas desagradáveis, forçando as invasoras a se devorarem mutuamente; plantas de milho, por sua vez, analisam a saliva das lagartas predadoras e emitem um químico que atrai vespas parasitas, que então atacam essas lagartas. O nome disso? Inteligência, com todas as letras — esses comportamentos indicam um nível surpreendente de sofisticação na forma como as plantas interagem com o ambiente que lhes circunda, utilizando sinais químicos para se comunicar e se defender. 

Tal comunicação, muitas vezes referida como “sinalização” de plantas, demonstra que as plantas possuem sistemas intrincados para detectar e responder a diversos estímulos, o que sugere uma forma de inteligência e memória.

A ideia de que as plantas possuem uma forma de memória, aliás, é particularmente intrigante. No seu livro, Schlanger explora o conceito da “memória do inverno”, que se refere ao fato de que certas plantas precisam de um período de frio durante o inverno para conseguir florescer na primavera, indicando que elas “contam” os dias frios e quentes para garantir que não floresçam prematuramente. 

A autora Zoë Schlanger.

A explicação expandida é: a maioria das árvores frutíferas precisa “memorizar” um certo número de dias frios durante o inverno para poder florescer na primavera. Não basta apenas que o clima aqueça, elas precisam desse período profundo de frio, o que indica que, de certa forma, estão contando. Elas contabilizam os dias de frio e, em seguida, os dias de calor para garantir que não vão emergir prematuramente durante um aquecimento fora de época. Embora isso ocasionalmente ocorra, resultando na perda de colheitas para muitos agricultores, há evidências de que partes da fisiologia das plantas registram essa informação. No entanto, assim como ocorre com as pessoas, ainda não se sabe exatamente onde ou como essa memória é armazenada.

Essa capacidade de registrar informações ambientais e ajustar seu comportamento subsequente é mais uma forma de adaptação evolutiva que demonstra a complexidade inegável da vida vegetal.

E o que isso nos diz sobre o futuro do mundo? 

“A inteligência das plantas nos obriga a reconsiderar nosso papel no meio ambiente”

Primeiro, a inteligência das plantas nos obriga a reconsiderar nosso papel no meio ambiente. Reconhecer que as plantas possuem formas sofisticadas de comunicação, memória e resposta ao ambiente nos leva a entender, ou começar a entender, a interconexão e a interdependência dos sistemas vivos. Quanto mais nos lembrarmos que existe um grande ecossistema e que, no final, somos apenas parte dele e não o seu centro, melhor. Em um momento em que enfrentamos desafios ambientais cada vez maiores, como as mudanças climáticas que já há tempos apresentam resultados devastadores, essa perspectiva é indispensável. As plantas, com sua capacidade de adaptação e comunicação, oferecem lições valiosas sobre resiliência e, sobretudo, cooperação. Aprender com elas é desenvolver estratégias mais eficazes e sustentáveis para preservar o meio ambiente e enfrentar os problemas globais que ameaçam nossa existência.

A memória das plantas e sua capacidade de adaptação em particular são relevantes. Não seria melhor, especialmente no contexto do aquecimento global antropomórfico, se pudéssemos responder ao mundo ao redor e não forçar o mundo para que ele responda a nós? Plantas que podem ajustar seu comportamento com base em experiências passadas podem ter uma vantagem adaptativa, influenciando estratégias de conservação e agricultura sustentável. O conhecimento sobre como elas se comunicam e se defendem incute em nosso raciocínio a possibilidade do desenvolvimento de novos métodos biológicos para proteger culturas agrícolas de pragas, reduzindo a necessidade de pesticidas químicos.

Expandir nossa definição de inteligência e agência para incluir o reino vegetal incentiva a adotar uma visão mais holística e integrada da vida na Terra. Há outras formas de viver. Há outras formas de estar aqui e dialogar com o que mantém o planeta vivo. As plantas nos mostram que a vida é mais interconectada e interdependente do que muitas vezes percebemos. Essa percepção pode ser um catalisador para um futuro mais sustentável, em que a cooperação e a coevolução com o ambiente são reconhecidas como essenciais para a sobrevivência e o bem-estar de todos os seres vivos.

As descobertas sobre a inteligência das plantas também destacam a importância da mente aberta na investigação científica. Muitos botânicos e biólogos ainda recuam diante do estudo da inteligência das plantas devido ao dano causado por alegações não científicas no passado. No entanto, a narrativa de Schlanger ressalta que a validação rigorosa de novas teorias e a disposição para explorar o desconhecido são fundamentais para o avanço do conhecimento.

O que a inteligência das plantas mostra sobre o futuro do mundo é simples: devemos reconhecer e valorizar a complexidade e a interconexão da vida vegetal. Com suas capacidades surpreendentes, as plantas ensinam valores que, embora essenciais para o futuro, parecem estar em baixa. 

Será que, em algum momento, estaremos prontos para aprender com essa outra inteligência e — finalmente — redefinir nossa abordagem na preservação do planeta?