Brasa, série fotográfica de Gleeson Paulino, gentilmente cedida para a edição O Homem: Amarello 15 anos. Todos os direitos reservados.
#51O Homem: Amarello 15 anosCultura

Nem todo “Índio” é Tupi ou Tapuia

Esses nomes foram dados pelos missionários jesuítas aos indígenas no Brasil a partir da visão étnica do povo Tupinambá, e eles se tornaram a única distinção no país na época da colonização. Apalavra “tapuia” não significa “índio bravo”, como se costuma ler em livros didáticos, mas tem significado original na língua Tupi (abanheenga) e quer dizer “inimigo” — significado modificado posteriormente, com a implantação da língua Nheengatu no norte do Brasil (tapuya) e que veio designar o próprio indígena, em oposição ao homem branco (karaywa).

O que devemos alertar é que, em pleno século XXI, a grande maioria dos brasileiros ignora a diversidade de povos indígenas que vivem no país, mantendo o preconceito dos primeiros colonizadores.

Estima-se que, na época da invasão, houvesse mais de mil povos compostos de até dez milhões de pessoas. Hoje, segundo dados atualizados do IBGE, da FUNAI e do CIMI, há ao menos 267 povos. Cada povo com sua língua, sua cultura, seu território… Consequentemente, são seis famílias e dezenas de subfamílias linguísticas que agrupam esses povos. A maior é a família Tupi, que é erroneamente chamada de tronco e que agrupa dezenas de povos e subfamílias linguísticas. As demais são: Jê, Arawak, Karib, Pano e Tukano, também agrupados em subfamílias.

Os povos Arawaks vivem nas Antilhas e por toda a Amazônia internacional, além do Pantanal. Os Jês habitam o Brasil central, o Nordeste, o Leste e o Sul. Os Karibs se estendem desde as costas caribenhas das Guianas até a região Centro-Oeste brasileira, passando pela Amazônia. Os Tupis habitam toda a extensão do país, desde o Sul até a Amazônia, havendo também representantes deles nos países platinos. Os Tukanos, além da Colômbia, do Peru e do Equador, habitam a região denominada Cabeça de Cachorro, no extremo norte do estado do Amazonas. E os povos de etnia Pano vivem na Amazônia meridional, entre os estados do Amazonas e do Acre e das fronteiras com o Peru e a Bolívia.

Povo indígena não é tribo

Povo indígena não é “tribo”. Esta palavra tem conotação preconceituosa, e a ideia é desqualificar o povo. Tribo, na realidade, é a divisão de um povo, o mesmo que clã.

O que há no Brasil são nações. Dependendo das variações de pesquisas, são em torno de 267 nações indígenas conhecidas no Brasil — há mais, considerando-se aquelas sem contato com a sociedade dominante (civilização ocidental). Cada nação fala sua língua, pratica seus costumes e sua religiosidade.

Um exemplo de nação e sua divisão é a Mawé, da terra indígena Andirá-Maráu, entre os estados do Pará e do Amazonas, cuja terra pátria, que vai além da área indígena demarcada pela FUNAI, se chama Mawézia. Os Mawés se dividem em cinco clãs ou tribos principais, que são: Sateré (lagarta de fogo), Napu‟wanyá (guaraná), Waturiá (uaçaí), Koreriwá (cutia) e Hwariá (gavião), além de dois subgrupos, que vivem como cabocos, os Kuriwató e os Aponariá, que são conhecidos pela FUNAI como povo isolado (sem contato), os “índios abelhas” (awi’á).

Outro exemplo é o povo Munduruku, que se divide e se organiza em duas metades clânicas: a metade branca e a metade vermelha.

Também os Maraguás se dividem, estes em seis principais clãs: Piraguaguá, Aripunãguá, Çukuryeguá, Yaguareteguá, Tawatoguá e Pirakeguá, e um subgrupo, Ulahoguá. Esses nomes clânicos viraram, hoje em dia, sobrenomes.

A diversidade dos povos que habitam o Brasil é muito grande. Tantas línguas, tantas culturas… A ignorância da imprensa e dos livros didáticos nos faz ignorantes com relação aos indígenas. Infelizmente a mídia procura passar um estereótipo indígena ridicularizado, que nada tem a ver com nossas nações. Lembrando que o conceito de nação é: grupo étnico que tem uma mesma origem, fala língua distinta, tem cultura diferenciada… Pode haver nações com Estados (governo próprio) e nações sem Estado. As nações indígenas, no Brasil, são nações sem estado.

A nacionalidade brasileira foi imposta à força a todos que aqui viviam antes da invasão. Genocídio e etnocídio são praticados até hoje, e nenhuma lei contempla a existência dos povos — nações — que aqui já viviam e que ainda resistem. A constatação de indígenas como não brasileiros vai além da necessidade de distinção, pois de fato existem outras nações.

Se uma palavra soa como pejorativa, evitemos. Ainda que não vejamos nela problema algum, por considerá-la até “bonitinha”. A pessoa ou o grupo social étnico ofendido agradece.

Dessa feita, menção a povos e nações indígenas como tribos é sim preconceito e traz forte cunho racista.

Como saber? Segundo a geografia e a sociologia, tribo é a divisão de um povo. E usá-la de maneira não correta acarreta desvalorização dele.

“Ah, mas todo mundo fala assim, quando se trata de indígenas”, alguém dirá. Então vejamos algumas palavras preconceituosas faladas por séculos pela minoria racista e que graças a Deus está desaparecendo: neguinho, índio, mulato, carvão, mameluco, cafuzo, judiação, pretalhada, bola oito, Zé queimado, indiarada, bugre…Alguns ainda insistem em falar, claro, mas, com a conscientização, muitos já evitam.

Nas escolas, nossos professores têm se esforçado em ajudar a não difamar alguém, explicando o que há por trás de uma alcunha e de algumas palavras que parecem “carinhosas”.

Para quem não pertence a determinado grupo, tudo é fácil — como dizer que não vê problema quando quem é de dentro sofre diariamente com perjúrios e difamação.

Se sentir no lugar do outro é uma qualidade. Respeitar sua preferência sobre como prefere ser chamado é humanismo. Vamos dar mais atenção ao pedido diário de conscientização que muitos fazem.

Tribo não é povo. Tribo e a divisão de um povo. Isso pouco se entende numa sociedade complexa que perdeu a tradição da divisão, como a brasileira. Talvez por isso precisamos explicar aos demais. Não tem problema. Explicar ajuda todo mundo a entender melhor as coisas e evitar erros criados por pessoas mal intencionadas do passado.

Indígenas não são iguais

Indígena não tem a mesma cara nem os mesmos traços físicos, como se costuma pensar. São tantas as nações… A etnicidade se compõe de famílias, povos e subgrupos. Cada etnia com sua característica, com seus olhos, seus rostos…. Assim, pode-se comprovar a grande diversidade dos povos que nada têm a ver com a única imagem que a mídia costuma mostrar, a de indígenas do Xingu.

Além do mais, existe a miscigenação, que é grande no Brasil. Para ser indígena, não precisa ser “puro”, como a maioria dos brasileiros pensa. Ser mestiço não significa que não seja indígena ou menos “índio” que os demais; pelo contrário, às vezes se é até mais “índio” que os que têm a característica que a mídia insiste em afirmar.

A alma é “índia”, então indígenas todos são, basta ter raízes ancestrais e amor à origem. A meu ver, quem tem vergonha de ser “índio” é quem não é indígena.

A região Nordeste é onde os indígenas mais se miscigenaram aos negros, e, no Sul, aos brancos. Pataxó, Pankararu, Xukuru, Kaxixó, Kalankó, Xokós, Kariri… Todos povos miscigenados, porém sem deixar sua origem e seu orgulho.

No Amazonas, por exemplo, vários povos indígenas se miscigenaram, inclusive com negros, como os Muras e Mundurukus. Os Maraguás também — parte do povo é Mayri, ou seja, tem características francesas e indígenas. As famílias Saunier e Butel, que chegaram à região da Amazônia em 1800, casaram-se com indígenas que aqui já habitavam e tornaram a nação heterogênea. Hoje, parte das famílias do Baixo Amazonas, entre o Paraná do Ramos e o Paraná do Limão, tem essas características.

Viva os indígenas do Nordeste, do Centro-Oeste, do Sudeste, do Norte, do Sul… A cor da pele não diz muita coisa, mas a alma sim, essa diz tudo. Deixemos de lado o preconceito!

Portanto, nem pensar em se manter a ideia de que indígenas são todos iguais. Ha “índios” mestiços de negros, “índios” mestiços de brancos, “índios” mestiços de “índios”… Essa diversidade só aumenta nossa beleza. Viva os indígenas de todas as cores!