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Sem título VII, de Nati Canto. Série Pãologia (2021).
#52SatisfaçãoSociedade

Comer ou ingerir? A alimentação na era do insaciável

por Revista Amarello

Sob a pressão incessante do mundo contemporâneo, em que os dedos cibernéticos moldam hábitos, impõem tendências e pesam sobre nossas existências, a alimentação não saiu incólume. Entre listas que transformam o paladar em competição e dietas propaladas por influenciadores que fazem dos nutrientes um dogma, comer deixou de ser apenas uma necessidade fisiológica ou um prazer compartilhado. Chega a ser estarrecedor perceber que, no meio disso tudo, a alimentação se tornou um emblema de identidade, um afazer constantemente mediado por regras e validações externas. 

Diante dessa trama de significados por trás do simples ato de levar o garfo à boca, será que realmente gostamos do que ingerimos? Seria o prazer uma casualidade desta guerra?

A busca pela “melhor” experiência gastronômica, pelo “melhor” caminho para o “melhor” resultado não é novidade — as estrelas Michelin estão por aí há um bom tempo, e o mesmo pode ser dito sobre as dietas mirabolantes que pouco duram. Mas é inegável que o fenômeno ganhou proporções inéditas com a proliferação de influenciadores que desfilam por este ou aquele restaurante. O problema não se resume à exaltação do luxo e da exclusividade, pois a obsessão pela excelência nutricional ou alimentar, e isso é especialmente pernicioso, vai além dos restaurantes estrelados e se infiltra na alimentação cotidiana. É um processo artificialmente  impulsionado pelas demandas digitais, promovendo tendências efêmeras, dietas restritivas e modismos que fazem da comida um totem de reconhecimento social e distinção.

“A sociedade busca aquele alimento que vai curar e aquele que é responsável por trazer todas as doenças”, afirma a nutricionista Tarcila Ferraz de Campos. “Isso pode levar a um verdadeiro transtorno, uma obsessão pela alimentação saudável, na qual só determinados alimentos são permitidos. O problema é que essa visão rígida nos afasta da nutrição baseada nas necessidades reais do corpo e naquilo a que temos acesso. Hoje, há até uma categorização para isso: a ortorexia, um transtorno marcado pela obsessão por uma alimentação ‘perfeita’, capaz de trazer impactos negativos para muitas pessoas.”

O desejo por uma alimentação saudável pode se transformar em uma busca mais pautada pela aceitação social do que pelas reais necessidades do corpo. Há quem “se cerque de todos aqueles alimentos considerados saudáveis”, mesmo que não sejam os mais adequados para si. Essa escolha, no entanto, nem sempre está baseada em critérios nutricionais, mas sim no fato de que são “mais aceitos pela sociedade”. O comportamento, porém, pode oscilar: em algumas semanas, a pessoa segue regras rígidas; em outras, cede ao desejo de consumir tudo o que vinha evitando. Fechar-se para o prazer é, na verdade, um convite a mergulhar, de forma profunda e perigosa, exatamente nesse prazer que se tenta evitar.

À medida que evoluímos como espécie e passamos a criar cultura, consolidou-se a ideia de que comer pode, e deve, ser um ato de prazer — uma experiência sensorial que envolve sabores, memórias e encontros. No entanto, como esses momentos têm sido cada vez mais reduzidos a um mecanismo de controle e otimização do corpo, a coisa toda é quase como um retorno aos primórdios da humanidade, quando comer era apenas uma questão de sobrevivência, mas agora sob uma lógica que hierarquiza essa sobrevivência, determinando o que é mais válido ou aceitável. 

É claro que tudo está interligado. Conforme mais “besteira” foi sendo produzida pela indústria alimentícia — com níveis indecentes de açúcares, sódio e agrotóxicos —, mais restrições tiveram que ser impostas para que vidas mais saudáveis fossem vividas. Ninguém precisaria deixar de comer salgadinhos ou beber refrigerantes viciantes se eles não tivessem sido criados. Um fator foi levando a outro e, assim, os extremos começaram a se consolidar, tanto o da permissividade quanto o da proscrição.

Combinadas, as dietas da moda, a categorização rígida entre alimentos “bons” e “ruins” e a obsessão pela alimentação perfeita criam uma relação disfuncional com o ato de comer. É comum, inclusive, que o excesso de informação cause confusão. É como comenta Tarcila:  “Grande parte dessas dietas foca mais no ideal de corpo do que na saúde de fato, o que gera uma confusão alimentada por informações contraditórias: algumas recomendam cortar carboidratos, outras defendem o contrário; há quem pregue o jejum prolongado, enquanto outros o descartam. Quando a pessoa entra nesse ciclo de controle e não consegue sustentá-lo a longo prazo, essa contradição constante pode levar à frustração”.

Em muitos casos, a disputa entre os lobbies de alimentos e produtos se assemelha a um jogo de interesses. E, no fim das contas, quem sempre sai perdendo são as pessoas. “As dietas da moda surgem e desaparecem, muitas vezes trazendo promessas de soluções rápidas ou mágicas. Esses modismos acabam reforçando a ideia de alimento ‘mocinho’ e alimento ‘vilão’, sem considerar o indivíduo como um todo.” 

Estudos indicam que mais de 70% dos praticantes de musculação seguem perfis nas redes sociais que divulgam informações sobre alimentação, sendo que cerca de 45% relatam ter consumido suplementos específicos por influência das redes sociais. Quando falamos de alimentos em geral, o número passa dos 50%. Além disso, uma alta porcentagem das mulheres que praticam musculação sentem que seus corpos são inferiores quando comparados aos dos influenciadores.

Ou seja, como se não bastasse, essa mentalidade também alimenta, como os anos de prática de qualquer nutricionista mostram, a baixa autoestima e a culpa. “A crença de que certos alimentos são ruins ou responsáveis por algo negativo pode gerar sentimentos de culpa e vergonha”, afirma Tarcila, baseando-se nos seus mais de vinte anos de experiência. “No momento em que a pessoa consome esses alimentos, essa percepção pode levá-la a adotar restrições excessivas, desencadeando comportamentos prejudiciais. Isso pode incluir episódios de compulsão alimentar ou jejuns prolongados, pois ela passa a entender, equivocadamente, que se alimentar de forma saudável significa evitar o consumo.” 

A pressão para se encaixar em padrões alimentares impostos por tendências transforma cada refeição em uma escolha moral. Quem não adere a um estilo de vida ligado àquela ou essa alimentação é visto como descuidado; enquanto isso, quem segue à risca as normas da alimentação funcional muitas vezes subtrai do comer o prazer gustativo e afetivo. Nos extremos, não há vencedores. E é preciso lembrar: seguir esses padrões nem sempre significa ser saudável, assim como não os seguir não significa o contrário, porque “alimentos isolados não determinam a saúde”. Para manter um padrão alimentar equilibrado e um estilo de vida saudável, “é essencial valorizar a variedade e aprender a reconhecer os sinais de fome e saciedade”. 

A saúde alimentar, ao fim e ao cabo, vai muito além de nutrientes e calorias. Envolve bem-estar emocional, conexão social e respeito pelas tradições e preferências individuais. Do ponto de vista nutricional e de saúde pública, essa obsessão pela alimentação perfeita pode trazer consequências sérias: “acho que o mais importante”, afirma Tarcila, “é que existe uma questão totalmente desconexa entre o prazer e a cultura de se alimentar. Essas restrições não estão preocupadas com o prazer, as questões e os fatores culturais. Os hábitos alimentares não devem ser guiados por estímulos externos ou emoções. A gente precisa trabalhar a consciência: a que comida se tem acesso quando se tem fome, como incluir alimentos nutritivos e ainda fazer com que eles tragam prazer”.

O debate sobre a glamorização da alimentação e das dietas não é apenas sobre gosto, mas sobre o que significa comer em uma sociedade cada vez mais mediada por imagens e pelo consumo simbólico. A solução, felizmente, talvez seja mais simples do que imaginamos. 

“O foco deve ser comer bem, sem neuras, sem rotular alimentos como bons ou ruins. Podemos adicionar mais fibra, combinar com proteínas, distribuir as quantidades ao longo do dia.” Essa abordagem parece prática, mas a verdadeira dificuldade surge quando se trata de aceitar que essa forma de comer já pode ser considerada perfeita.

Você consegue aceitar essa ideia?

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