
Bangalô Arte & Decor
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O cavalo azul e seus quatro cascos na prateleira. No lugar de sua cabeça, é o pequeno fogo de plástico quem pede os olhos de Míriam. Vizinho de ímãs de geladeira, cumbucas, santos, jogos de tabuleiro. O cavalo não quer ser meu amigo. Quer ficar pastando. Míriam faz carinho em seu dorso, pequena e rija como ele, fala coisa nenhuma. Quer pastar também. Esse bicho se cospe, se tosse, se vomita, o estrago que dá, vê lá a dor que causa. Não pergunta o preço, olha pros lados e espera o momento de enfiar o cavalo dentro da calcinha. Lista as coisas que o fogo pega tranquilo: livro de receitas, seu antigo berço, chumaço de cabelo, camisa de algodão. Aquela preferida da mamãe. Míriam não pega o cavalinho entre as mãos, mas pensa muito que gostava de pegar e se pegasse, pegaria como se fossem feitos da mesma pele. Índiga. Degolada. Como um grito que não sai. Míriam, se tivesse a cabeça em chamas, saberia exatamente por onde trotar. Rua da Aurora, 452, casa 3. Coisa boa seria encontrar Felipe distraído, aquela maldito, seu cafezinho de sempre, todo amarrotado. A foto de mamãe atrás dele. A mão em sua cintura, dedos prontos para derreter dentro da moldura. Ia logo tossir, aquele pigarro grosso, endereçado, Felipe, me desculpa, é que adoeci. Daí era só assistir o paraíso: Felipe queimando, o céu tomando conta da labareda, grave, grave, fumaça cinza, meu milagre particular.

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