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#54EncantoCulturaLiteratura

O coelho fora da cartola: o mágico Murilo Rubião

por Rafael Julião

Murilo Rubião criou um universo de mágicas, metamorfoses e esperas. Sua produção ficcional, concentrada entre as décadas de 1940 e 1970, é composta por contos em que a instabilidade do real produz a expectativa por um sentido. Antonio Candido afirma que Rubião instaurou na literatura brasileira “a ficção do insólito absurdo”. A crítica propôs enquadramentos para sua obra, vendo nela elementos kafkianos, características do gênero fantástico e até aproximações com o suposto “realismo mágico”. Talvez, a palavra “mágico” permita aqui um deslocamento, por onde vamos começar.  

O ex-mágico da Taberna Minhota conta a história de um mágico, cansado e triste, que decide tornar-se funcionário público, o que descreve, ironicamente, como uma forma de se matar aos poucos. Logo no começo do texto, o mágico tira do bolso o dono da taberna, que fica perplexo e o questiona. O narrador comenta: “O que poderia responder, nessa situação, uma pessoa que não encontrava a menor explicação para sua presença no mundo?”. 

A pergunta desdobra-se. Dentro da diegese, revela a perturbação, instaura o fantástico. Em segundo plano, é evidente a possibilidade de leitura desse questionamento como um problema existencial: quem tem a explicação para nossa presença no mundo? Em outro viés, um comentário metalinguístico: qual é o sentido da criação literária, dos personagens que o autor tira da manga?  

No meio do conto, relata-se uma espécie de incontinência criativa, em que o mágico vai ficando “rodeado de figuras estranhas”, “sem saber que destino lhes dar”. A solução de se tornar funcionário público funciona: a burocracia vai anulando sua habilidade mágica. O personagem lamenta: “Não me conforta a ilusão. Serve somente para aumentar o arrependimento de não ter criado todo um mundo mágico”. 

Do mágico, vamos ao coelho. Teleco, o coelhinho começa com um coelhinho que pede um cigarro ao narrador, com quem vai morar após uma amistosa conversa. Ao longo do conto, Teleco vai se transformando em diversos bichos. O narrador define-o como “o amigo dócil, que nos encantava com inesperadas mágicas”. Teleco, em dado momento, leva para casa outra personagem, Tereza. Mais à frente, após uma discussão com o narrador, Teleco e Tereza são mandados embora. Tempos depois, volta Teleco, e tenta contar, triste, algo ruim que se deu com Tereza, mas não consegue.  

O conto, desde o título, sugere uma história infantil, em que animais e metamorfoses são possíveis. Rubião tira da cartola um coelho mágico: as “inesperadas mágicas”, desta vez, são feitas pelo próprio bicho, humanizado. Lembremos também que esse mesmo animal é um personagem importante de Alice no país das maravilhas (1865), de Lewis Carroll. É ele que, sempre com seu relógio e afirmando que está tarde, evoca o tempo, agente de todas as transformações.  

No fim, o coelho do conto exaure sua mágica, adoece e transmuta-se em uma criança morta. Se há uma senha aqui, é a associação entre a infância e a capacidade de imaginar, que segue rumo ao desgaste. Ou, novamente, a questão do escritor, mágico de um mundo de palavras, de uma imaginação tão vigorosa quanto precária, sempre ameaçada. 

Pensemos em outro conto, O edifício, a história do engenheiro João Gaspar, responsável pela construção de um prédio de infinitos andares. O Conselho Superior rege tudo e o alerta, de início, que nem ele nem ninguém será capaz de completar a obra. Segue-se a narrativa da construção, até que o engenheiro descobre a morte dos últimos conselheiros. Decide parar a empreitada, mas os operários seguem trabalhando, cada vez mais, a despeito de argumentos e dispensas.  

O engenheiro é um personagem moderno. De um lado, é o construtor de cidades, que parecem ir crescendo, imparáveis. De outro, sua imagem serve como metáfora da própria construção literária, apontando novamente para um componente metalinguístico: o mágico é agora o engenheiro, construindo seu edifício de palavras, ainda perplexo: por que se constrói? Por que não parar a construção? 

No conto A fila, Pererico, vindo do interior, quer falar com o gerente de uma fábrica e é recebido pelo recepcionista Damião, que afirma que, se souber o assunto da reunião, pode antecipar o lugar na fila de espera. O protagonista, porém, recusa-se a contar, pois trata-se de um assunto de terceiros. Pererico acaba nunca sendo atendido, retornando no dia seguinte e recebendo senhas mais distantes. No final, o gerente morre, Pererico volta ao seu lugar de origem e ficamos sem saber o sentido da espera. O que esperamos? 

Em Os comensais, Jadson se reúne todos os dias em torno de uma mesa de refeitório com outros comensais, que o ignoram, apáticos. Ele senta todas as vezes no mesmo lugar, e há sempre novos frequentadores, a despeito do mesmo tamanho da mesa. Em dado momento, vê sua primeira namorada, Hebe. Ele tenta levá-la embora, mas fracassa; tenta pagar a conta, mas não consegue; tenta sair, e não acha a saída. No final, perde os sentidos, acorda na saleta, vê sua própria imagem jovem, toma assento à mesa, agora com postura semelhante a de seus antigos companheiros. Desta vez está alheio e sozinho.  

A reunião esdrúxula em torno da mesa parece um sonho ou um filme de Buñuel. Há elementos surrealistas, e por vezes nos sentimos inclinados a uma explicação psicanalítica. No final, esses contos encenam a mesma falta de explicação, uma angústia permanente, advinda de uma construção literária meticulosa.  

 *** 

A literatura de Murilo Rubião vale-se de metamorfoses, intertextos e histórias enigmáticas, de modo que acaba possibilitando a relação com mitos, fábulas e parábolas, como se guardasse um sentido oculto. No entanto, em vez de sugerir significados, Rubião faz tudo parecer inexplicável.  

Todorov, vale lembrar, ensina a diferenciar o estranho, o fantástico e o maravilhoso. No primeiro caso, os acontecimentos insólitos poderiam ser entendidos por uma explicação racional; no último, a história toda se passaria diante de uma serena aceitação do sobrenatural. A hesitação entre real e irreal seria o marco da literatura fantástica.  

Nesse sentido, Alfredo Bosi aproxima Murilo Rubião de J.J. Veiga como representativos do conto fantástico no Brasil. Jorge Schwartz associa-o ao boom da literatura fantástica latino-americana dos anos 1940. Davi Arrigucci Jr., por sua vez, sublinha sua singularidade e afirma que a imagem do mágico desencantado se projeta na do escritor: não pode criar um mundo novo, não tem origem nem fim, não consegue fugir a seu ofício.  

Gosto da ideia de Rubião como um mágico e de sua literatura como um jogo de procura, fértil e vã, de um sentido e uma saída. Um mágico cujo truque não conseguimos decifrar completamente, ainda que saibamos de seu ofício de ilusionista. O jogo está na ilusão; sem ela, a vida real não há.

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