
Um cafezinho com Esther Giobbi
Fotos de Derek Fernandes
Tomar café na casa de alguém é um convite para conhecer profundamente essa pessoa. Nossa casa é a casca que nos protege. Ela é parte importante de nossa cultura particular e reflete a maneira como enxergamos e gostaríamos de nos inserir no mundo.
Aqui, dividimos casas de pessoas que gostam de casa. Que têm suas casas vivas, cheias de objetos que contam a história de uma vida, sem um lugar perene em seus espaços.
A Esther é o tipo de decoradora que eu adoro e acredito no jeito que trabalha. Ela teve a loja mais bonita de São Paulo, na Avenida Brasil, onde morou. A loja era única, com coisas interessantes do mundo inteiro, originais, antes da China tomar conta de tudo. Um lugar onde aprendi muito e treinei o meu olhar para a mistura, que tudo pode quando você gosta de casa, gosta de viver dentro dela com amigos, amores, flores e muita comida e cuida dela. Além disso, ela é de uma turma animada de São Paulo e de quem eu adoro estar perto. Ela me disse que a turma já esteve mais animada, mas que ainda curte se encontrar para um bom carteado.
Quis vir aqui porque sei que você, como eu, compra coisas em viagem, muda tudo de lugar toda hora, vê o espaço como algo vivo.
O que eu acho que me diferencia é que eu não tenho aquele padrão de precisar ser o top, o mais caro, o mais certo, sabe? Eu me conecto mais com os objetos que mexem comigo.


Que te fazem sentido.
Exatamente.
Apesar de ser uma profissional da decoração, você tem uma casa que não é estática.
Não, de jeito nenhum. Se você pensar, ela não segue os moldes tradicionais da decoração. Eu vou me apaixonando pelas coisas, pode ser uma cadeira, uma poltrona, e vou encaixando. Acho que pode tudo, não tem regra. Claro que tem que ter uma harmonia, não pode virar uma bagunça, mas eu deixo as coisas fluírem.
Mas como começou? Faz tempo que você mora aqui? Como começou a sua história com este apê?
Faz tempo, viu? Quase 40 anos. Antes eu morava em outro apartamento, mas aqui as coisas foram se formando aos poucos. Cada fase já teve de tudo.
Você é formada em arquitetura?
Não, não sou. Eu comecei a trabalhar cedo. Sempre fui amiga do Rodolfo Scarpa, e tinha um grupo de amigos em que todos trabalhavam com decoração. Aí virei sócia do Conrado, e as coisas foram acontecendo. Eu já gostava desse universo. Quando eu era solteira, na casa da minha mãe, já fazia umas reformas. Reformava a sala, o quarto… E fui me aprofundando. Me arrependo de não ter feito arquitetura, porque é algo que eu realmente amo, principalmente a parte de obra, de montar. Mas, enfim, a vida foi indo por outro caminho.
Você é do desenho ou usa as ferramentas que tem hoje em dia?
Antes eu fazia tudo à mão. Agora, menos. Ainda desenho, faço esboços para assistentes, mas antigamente fazia muito mais. Hoje tem esses programas de render, de 3D, e aí eu faço isso quando a pessoa não consegue visualizar. Mas, normalmente, não coloco tudo no papel desde o início.

Porque o seu estilo é mais de ir montando, né?
Exatamente. Eu vou montando. Uma cor puxa um tecido, o tecido leva pra outro objeto… E as coisas vão se encaixando.
Isso tudo vendo e fazendo.
Sim, vendo e fazendo. Nada muito fechado. Esse negócio de “aqui está o projeto pronto” não funciona comigo. Pra mim, tudo é um processo, uma construção que vai evoluindo. Cada casa tem sua luz, sua energia, e isso muda tudo. Então demora um pouco, mas é natural.
É, eu te entendo muito. Quando eu mudo de casa, fico com tudo na cabeça, e na hora as coisas vão acontecendo.
Totalmente. E às vezes surgem surpresas. Você pensa uma coisa pra um canto, coloca em outro e fica incrível. Isso eu acho divertido. Claro que tem quem prefira deixar tudo decidido no papel, e tá tudo bem. O cliente às vezes até estranha esse meu jeito mais intuitivo, fica sem saber se vai dar certo. Mas, no fim, as coisas se encaixam e funcionam.

Que legal que você ainda trabalha assim. Hoje em dia é tudo em cima de referência, referência… As pessoas chegam com tudo muito mastigado.
Muito. E há certa resistência em misturar. Eu adoro o contraste: o rico com o simples, o rústico com o sofisticado. Gosto de ver tudo junto. Só que nem todo mundo entende isso de primeira.
Pelo que vejo nos seus projetos, você consegue fazer uma casa que tem a cara da pessoa. Parece que foi ela mesma quem montou.
É o que eu busco. Eu observo muito como a pessoa reage, o que ela valoriza. E odeio coisa que não é usada. Acho que toda parte da casa tem que ter função, tem que servir a quem vive ali, e não ser só uma vitrine.
Tudo que você tem está em uso?
Em geral, sim. Eu estou sempre mudando as coisas de lugar, mas quase tudo está em uso.
Qual é a importância desse convívio com os objetos da sua vida?
Ah, pra mim é essencial. Você vê, eu tenho muitos livros. Gosto de pesquisar, de ver imagens, funciono muito pelo visual. Cada coisa aqui tem um sentido, uma história. Aquela coleção de Meninos Deus, por exemplo, me dá certo acalanto. São objetos que me acompanham há anos, que têm um valor afetivo, mesmo que não sejam os mais “bonitos”. Me trazem conforto. Gosto dessas texturas, desses tecidos do mundo todo. É o tipo de coisa que me faz bem ter por perto.


Então é tudo de viagem?
Sim, quase tudo. Aquela peça ali é da Indonésia. Aquela tapeçaria peruana, por exemplo, é usada em batizados de crianças. Cada coisa me remete a um momento, a uma viagem, a algo que me deu prazer.
Você ainda traz muita coisa de viagem?
Hoje em dia, não tanto.
E quando você faz projetos para os outros, consegue passar esse mesmo sentido pessoal?
Depende. Hoje em dia tem muito artesão bom aqui no Brasil, gente fazendo coisas lindas. Dá pra montar projetos com essa cara mais humana, mais verdadeira.
Mas é difícil, né? A pessoa te procura justamente por esse seu estilo.
Sim, e cada pessoa tem um desejo, um jeito. A gente tem que se adaptar. Acho que por isso meus projetos são tão diferentes entre si. Existe um DNA ali, mas cada um reflete muito quem vive naquele espaço.
Já que você trabalha e mora aqui há tanto tempo, o que esse lugar te oferece, em termos de conforto, de bem-estar?
Primeiro que é um prédio pequeno, com essa vista linda e um pôr do sol maravilhoso. Não é o lugar mais prático, tem trânsito pra chegar e tudo isso, mas tem o parque aqui do lado, e o escritório também. Então a vida fica toda concentrada aqui.
Um pôr do sol muda a vida, né?
Nossa, demais. Eu tô até usando aquele relógio que mede sono, e uma das coisas que ele mostra é a importância de ver o pôr e o nascer do sol.
Como começou o seu interesse por casas?
Começou há séculos. Trabalho com isso há uns 40 anos, então foi surgindo naturalmente. Eu tinha muitos amigos da área, a gente trocava ideias, aprendia junto. Essa coisa de colecionar também vem daí: vidros, vasos… Eu vou montando coleções. E tenho uma paixão por tecidos, principalmente os étnicos.

Eu acho muito a sua cara esses tecidos étnicos.
E no Brasil tem tanta coisa linda.
Qual é o papel da beleza na sua vida?
É fundamental. Tudo eu procuro ver pela lente da beleza. Ela dá graça à vida.

Eu acho que você faz coisas que não são harmoniosas no sentido clássico, mas são muito bonitas.
Exato. Não é aquela beleza perfeita, grega. É a beleza que aparece nas coisas, na mistura, no inesperado. Se for analisar, esta sala é uma confusão, mas uma confusão que faz sentido pra mim. Eu me sinto bem aqui. E percebo que as pessoas gostam também.
E qual é a sua relação com a arte? Você tem muita coisa aqui, né?
Tenho, sim. Mas vou mudando. Já vendi, já troquei muita coisa, e até me arrependo de algumas. Gosto de obras que me tocam, e acompanho artistas novos.
De quem você tem gostado?
Comprei um Alan Webber recentemente. Ele é um artista de favela que trabalha com lona, é muito interessante o trabalho dele. Esse [Paulo Nimer] Pjota também, mais novo. Eu me interesso por esse movimento. Antes eu tinha muita coisa dos anos 70, comprei muito com o João Satamini, que tinha uma galeria. Tenho obras do [Daniel] Senise, por exemplo. Algumas ficaram, outras eu troquei.
Eu acho que a arte tem muito a ver com o momento que a gente vive. Algumas coisas ficam, outras caducam.
Caducam, é. Mas algumas marcam muito. Eu tinha um Zerbini enorme, de oito metros, maravilhoso. Era intenso demais, ficou enrolado três anos. Acabei vendendo e me arrependi muito. Agora quero comprar outro, quem sabe pra uma cobertura.

Você que faz casas para os outros, o que acha que torna uma casa única?
Acho que toda casa precisa ter um ponto central. Pode ser uma vista, um objeto, uma peça marcante. Algo em torno do qual o resto se organiza.
Que tipo de projeto você ainda não fez e gostaria de fazer?
Um hotel. Não precisa ser grande, aliás, prefiro pequeno. Mas tenho muita vontade de fazer um.
O que você acha que torna uma casa brasileira?
Acho que tem a ver com as raízes: os móveis, o jeito de usar os espaços. Sala de jantar, por exemplo, é algo muito brasileiro. Talvez venha da minha infância, de família grande, todo mundo reunido à mesa. E tem móveis brasileiros lindos, que hoje em dia ninguém mais olha, mas que continuam cheios de valor.

E o que significa, pra você, tomar um cafezinho na casa de alguém?
Ah, é o que a gente tá fazendo aqui. Conversando, fofocando, falando bem e mal do mundo. Acho ótimo!

Objeto de carinho
Esther é muito apegada à sua coleção de Deus Menino, porque estudou a vida toda em colégio católico, e essas imagens de Deus trazem pra ela um conforto, uma ligação com crianças. Garimpadas entre Salvador, o Marché aux Puces, leilões, Ouro Preto e presentes de amigos, ela se interessa muito pela diversidade das feições conforme época, proveniência e santeiro.
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