Sem histórias e sem pessoas, simplesmente não há arquitetura — é dessa máxima que nascem os programas do diretor Alberto Renault e da designer Baba Vacaro. A dupla, que já é conhecida de outras parcerias, agora une forças em uma minissérie disponibilizada no YouTube. “De Casa Em Casa”, diferentemente de propostas anteriores, traz uma revolução serena e contemplativa em seu gene: cada um de seus episódios é dedicado às minúcias de somente uma casa. É a partir desse olhar mais demorado sobre detalhes e escolhas arquitetônicas, refletidas com tanta intensidade no cotidiano, que o programa perscruta a vida das pessoas que fazem aquele lar, convocando quem quer que esteja vendo a respirar fundo e a fazer com que silêncios íntimos ecoem ainda mais alto.
No final das contas, Renault e Vacaro estão à cata de uma certa beleza, mas engana-se quem acredita que exista um conceito único e incontestável para essa ideia. Esqueça os arquétipos, largue mão do conceito único que tenta nos impor o que é ou não é bonito — a beleza que salvará o mundo é a que tem a coragem de se proclamar na superfície da subjetividade, presente no arcabouço exclusivo e pessoal de cada pessoa. “De Casa Em Casa”, então, celebra a singularidade, buscando a beleza particular, profunda e intensa que está nos olhos de cada um — no caso, que está não só nos olhos, mas também na casa de cada um.
João Carrascosa, Marina Linhares e Vik Muniz são apenas alguns dos convidados dos primeiros seis episódios.
E o que Alberto Renault tem a nos dizer sobre o seu “De Casa Em Casa”? Leia abaixo.
Seu novo programa, o De Casa Em Casa, vê as casas como espaços que potencializam a experiência humana de cada um de seus moradores. Dá para dizer que essa é uma visão primordial para o seu trabalho?
Sim, vejo a casa como uma personagem e um espaço narrado pelas emoções e sentimentos do morador e/ou do arquiteto. Tento mostrar a casa como um elemento de uma dramaturgia cenográfica e afetiva.
O processo de seleção de todos os seus programas sobre casas brasileiras sempre foi volumoso e chegou a render até um livro de fotografias — Fotos Caseiras, lançado pela editora Capivara em 2022 —, com imagens de residências que você visitou (muitas que acabaram não sendo usadas). Qual é o processo do novo programa?
Essa série que desenvolvi para o YouTube (junto com a Baba Vacaro), conta apenas com 6 episódios e cada um deles mostra uma casa — diferentemente das séries para TV, que mostram várias casas por episódio. Quis fazer cada episódio como um pequeno filme. Selecionamos estilos e modos de vida bem distintos, cujo elo entre eles, talvez, seja o rigor estético na concepção desses lares.
“Celebrar a arte de morar”. O que isso significa para você?
A arte de morar está muito próxima da arte de viver. Aliás,“viver” e “morar” são verbos usados muitas vezes com o mesmo sentido. Podemos perfeitamente, em vez de “eu moro nessa casa”, dizer “eu vivo nessa casa”. Com isso, quero dizer que, se morar é viver, cabe ao morador buscar e criar encantamentos na construção do seu espaço e, logo, da sua vida.
Ao longo da vida, nosso protótipo de moradia ideal vai se alternando conforme os anos passam e as nossas necessidades/prioridades vão se transformando. A proposta do De Casa Em Casa é um reflexo do que é esse protótipo hoje para você?
Tento ver a beleza que cada um cria para si, no seu entorno — guiado sempre por Dostoiévski, que dizia que “a beleza salvará o mundo”. Tanto na vida quanto nas moradias que documento, o que me interessa é a busca pela beleza que aquele morador ou arquiteto empreende na criação daquela casa. Não importa o resultado.
Muito se fala na ideia de pessoas como lugares para aportar. O que você acha disso?
Vejo cada pessoa como um país. Visito uma casa com a curiosidade de um viajante que chega a um país pela primeira vez. Pessoas e lugares têm aura, alma e personalidade. As casas são extensões das pessoas — elas te acolhem, abraçam, confortam. Uma casa é uma pessoa e um lugar por essência, ideal para se aportar. Não à toa, é comum referir-se à própria casa, assim como à pessoa amada, dizendo: “ela é meu porto seguro, para onde sempre quero voltar.”
No mundo atual, em que o movimento parece cada vez mais vir ao nosso encontro, qual é a importância do respiro?
Apesar de eu não ser minimalista, minha casa tem poucos quadros e muitos espaços vazios. Essa estética me ajuda a respirar, a ver meu espaço no mundo como um respiro. E se a minha casa me traduz, gosto de pensá-la justamente como uma pausa e um pouso.
O que esperar dos próximos episódios?
Cada episódio é bem diferente um do outro, apesar de ser sempre o meu olhar que conduz a captação e a edição das imagens. A diferença está nas casas em si. Temos na série uma casa construída pelo próprio morador e também uma casa assinada por um arquiteto como Arthur Casas. Temos um projeto de jardim e um sobrado do século XIX, casa urbana e no campo. Ou seja, temos variedade estética embalada por histórias de vida.
Teremos novas temporadas?
Tomara que sim!