Se, em um primeiro momento, o gesto de folhear livros, enciclopédias, álbuns de fotografias e revistas pode parecer uma ação simples, dependendo de quem executa, isso se torna tão complexo quanto o ato de desvendar um teorema. Em ambas as situações, trata-se de perceber para além das imagens que atravessam a retina, de conceber ideias mais à frente do que está dado; tal como olhar para o céu e enxergar não apenas as estrelas, mas todo o movimento cósmico que as articulam. Pois, enquanto matemáticos resolvem problemas com números, artistas criam problemas com imagens. É com essa metáfora que se inicia um dos muitos caminhos que se tem para adentrar a obra de Nino Cais.
Partindo da compreensão de que tanto a arte quanto a matemática são disciplinas do enigma, pode-se dizer que a produção de Nino Cais se encontra mais perto do que se crê do pensamento matemático. Isso não quer dizer que ele trabalhe literalmente com essa linguagem, longe disso. Ao observar sua produção, sobretudo aquela voltada para a técnica da colagem, é possível notar o interesse nato do artista pelo mistério e por tudo aquilo que tange o campo simbólico das formas. Se um matemático busca com números, letras e símbolos dar contorno a um buraco negro, por exemplo, por que um artista não poderia querer materializar sua existência?
Insistir na experimentação e na ampliação do “horizonte da geometria” ao encontro das imagens que habitam o mundo, mesmo quando não é possível vê-las, são alguns dos procedimentos que percorrem o ato criativo de Nino Cais. Pode-se dizer que a curiosidade e a obsessão em desvendar o enigma das representações imagéticas são o que mantêm viva sua prática. Trabalhando exaustivamente com a colagem, linguagem recorrente em sua produção, é possível observar como as fotografias de arquitetura, paisagem, obra de arte e corpo humano são os grandes protagonistas de seus cálculos matemáticos: estilete, tesoura e/ou simplesmente o gesto cru de amassar e dobrar o papel com as mãos são ferramentas de subtração e adição; cortar e colar são sinônimos de divisão e multiplicação.
Desse modo, o resultado de suas colagens varia conforme o problema dado pelas imagens que por ele são apropriadas. Entretanto, a lógica de como resolvê-lo é algo próprio e intrínseco ao artista. Assim, a identificação do autor não se dá pelo enunciado do problema, mas pela maneira como ele é solucionado. Tornar perceptível aquilo que não existe é a grande questão de Nino Cais, que a desvenda com uma fórmula simples, porém complexa: menos com menos é igual a mais. Finalmente, seu teorema calcula a compreensão da falta enquanto presença, do espaço vazio enquanto espaço cheio, por mais que este pareça estar cheio de vazios.
Nas palavras do artista: “Eu gosto muito da entrada da luz, do branco na imagem. Se a gente pensa em imagem, antes de mais nada é preciso lembrar que ela é um código cerebral, que o que vemos não é exatamente o que vemos. Tem um transmissor aí, um flash, que é o que se reconhece. O branco é um pouco esse espasmo, essa abertura que a gente tem entre ler a imagem e o que ela é, como um intervalo que se dá para construí-la”.
Não é de se surpreender a proximidade do pensamento do artista com outros matemáticos, como, por exemplo, Leonhard Paul Euler (1707–1783). Conhecido por criar a Identidade de Euler (ei π + 1 = 0), historicamente famosa por sua beleza, o matemático utiliza o i como uma unidade imaginária. Em outras palavras, é possível compreender os espaços em branco presentes nas colagens do artista como uma luz que guia o olhar de quem as contempla, convidando para ver além das imagens dadas, ativando outras conexões, próprias dessa apreciação. Um espaço em branco que, na equação de Euler, poderia ser lido como um número imaginário.
O que se tem, então, é um branco-luz, um branco-prisma, um branco-respiro, um branco-pensamento, que reseta, redefine e rearranja a ordem das coisas. São, enfim, colagens que falam também de outras possibilidades de lidar com a ausência que atravessa a vida em seu sentido amplo e profundo; desde sua concepção econômica, material, política e social até sua percepção emocional e simbólica. São trabalhos que anunciam a falta por meio de sua presença, da possibilidade de poder imaginar ao se deparar com um espaço em branco a ser preenchido.
A coexistência entre a presença e a ausência parece ser a chave para se adentrar aquilo que poeticamente se chama o Teorema de Nino Cais. Um teorema que se dá no campo do simbólico, que se propõe a agir na subjetividade e “abrir espaço” na mente de quem o vê. Um teorema que vem ao mundo por meio das artes visuais, que atua cognitivamente naquilo que é próprio do sensível. Um “teorema-imagem”, que sempre apresenta uma área em branco, pois é aí onde Nino Cais guarda seu enigma.