O Programa de Exposições do Centro Cultural São Paulo — localizado na Rua Vergueiro, na zona centro-sul da capital paulista — foi criado em 1990 por Sônia Salzstein, que, à época, era diretora da Divisão de Artes Plásticas do CCSP. Bastante consolidado no circuito nacional, o programa segue como um importante dispositivo de estímulo e propagação das artes visuais, pelo qual já passaram centenas de artistas multiplataformas. A cada edição, novos artistas emergentes são selecionados, podendo obter um alcance mais popular.
A comissão da 32ª edição foi formada por Beatriz Lemos, Renata Felinto e Vânia Leal junto com as curadoras do próprio CCSP, Maria Adelaide Pontes e Sylvia Monasterios. Em parceria, avaliaram 1340 projetos para, no fim, selecionarem somente 20. Os contemplados foram divididos em duas exposições, sendo que a primeira delas aconteceu entre os dias 13 de agosto e 30 de setembro deste ano. A segunda Mostra entrou em ativa no dia 5 de novembro e segue assim até o dia 26 de fevereiro de 2023.
Conversamos com dois dos artistas selecionados: o carioca Mulambö, nascido e criado na Praia da Vila em Saquarema, e Xadalu Tupã Jekupé, artista mestiço de Alegrete, no Rio Grande do Sul. Ambos também tiveram suas obras publicadas na Amarello Fagulha.
Fazer arte no Brasil de hoje é um ato de resistência maior do que no Brasil de outros momentos?
Mulambö: Eu diria que é um ato de resistência diferente, todo tempo tem sua complexidade e, infelizmente, a história do Brasil é repleta de momentos tenebrosos. Então, não sei se é maior do que em outros tempos, só sei que é o tempo em que eu estou fazendo arte e que, portanto, é a minha vez de resistir e tentar honrar tanto aqueles que lutaram para que eu chegasse aqui quanto aqueles que vão chegar em algum lugar um dia porque eu estou trabalhando agora.
Xadalu Tupã Jekupé: Acho que, para nós, a população que é de comunidade, sempre foi um ato de resistência, porque, desde a invasão colonial, sempre houve essa tentativa de apagamento das comunidades indígenas e depois, mais tarde, das comunidades de quilombo. Então, acredito que, hoje, ser um artista mestiço, um artista indígena, um artista quilombola, é um ato de resistência que percorreu o tempo. Vejo dessa maneira. Claro que com os tensionamentos políticos que acabam refletindo nos tensionamentos sociais acabam dando uma importância ainda maior para o ativismo.
Qual é a importância de uma exposição como essa, que joga luz sobre o circuito artístico nacional contemporâneo?
XTJ: Para mim foi uma grande alegria poder compor esse elenco de artistas que ocupam diversos lugares do Brasil. Para nós, em questão de circuito nacional, é uma excelente oportunidade de mostrar os temas e tensionamentos da nossa região aqui, a região sul, para São Paulo e para o resto do Brasil. É algo muito difícil, porque quando se fala de indígena no Rio Grande do Sul, as pessoas não entendem que aqui tem população indígena. As pessoas pensam que aqui é terra europeia, porque tem muito descendente de europeu. Vejo como uma grande oportunidade de mostrar o que acontece no Rio Grande do Sul em relação aos povos indígenas.
M: É sempre importante estar atento ao que está sendo produzido agora, ainda mais neste momento pelo qual estamos passando. A galera precisa ouvir também o que a gente que está chegando agora tem a dizer e ter a oportunidade de falar num espaço tão importante como o CCSP é fundamental.
Xadalu, conte um pouco sobre “Tekoa Tenondé: Aldeia do Futuro”, obra presente na exposição.
XTJ: Eu uso sacos de ração — sacos de ráfia, de soja — com um símbolo, lá da região onde nasci, onde minha avó tomou banho e onde existia uma gigante aldeia indígena. Hoje em dia, aqueles contos da região limitam-se somente a uma grande fazenda de lavoura de soja. Então, por isso que tem esse monte de cabeças dos sacos de soja junto com a Grega Campeira. O gaúcho se apossou, se apropriou de grafias indígenas para criar uma cultura gráfica que seriam aquelas figuras geométricas que eles chamam de Grega Campeira, que eles colocam na calça e em outras peças de roupa. E a “Tekoa Tenondé” reflete isso: as antigas aldeias que hoje são lavouras de soja para fazer alimento para gado.
De que maneira ela nos ajuda a olhar pras coisas de um jeito diferente, sob uma nova perspectiva?
XTJ: Ela pega um problema contemporâneo, mas navega com esse problema pela sua origem na história. Quando a gente pega uma situação contemporânea, a gente tem que pegar o ponto de origem que essa situação tem na história.
Mulambö, o que é “O penhor dessa igualdade”, instalação presente na exposição, e de que maneira ela nos ajuda a encurtar distâncias?
M: A instalação fala um pouco sobre a hipervisibilização do corpo negro como objeto e da invisibilização do corpo negro como sujeito. Utilizando do futebol e da figura do micro-ondas, trabalho um pouco a ideia dos ciclos, das duas faces de um mesmo movimento circular como um pneu — pneu esse que prende e queima, mas que também sustenta e resiste, porque, como diria Raquel Barreto, eles separados são micro-ondas, mas eles juntos são barricadas. Tento encurtar distâncias no meu trabalho através dos materiais que são encontrados no dia a dia e, principalmente, na temática e estética. Falar de futebol, violência e resistência utilizando símbolos e signos que nos são próximos e que talvez, normalmente, estão mais próximos das nossas casas do que dos museus e tudo mais. Mas, se encurta mesmo, isso vai de cada um que se conecta com o trabalho.
O que dizer dos horizontes artísticos do país? Haverá no amanhã dias melhores e mais plurais?
XTJ: Eu acredito que sim. Eu acredito que agora com esses combinados, com essas possibilidades de um novo governo que está mais aberto a escutar a cultura, a escutar os povos indígenas, a escutar o povo pobre, que é o que mais necessita de atenção nesse país, eu acho que se abre um campo para o diálogo e, havendo diálogo, há uma possibilidade de entendimento. Quando não há diálogo, que é o que estava acontecendo antes, não tem como as pessoas se entenderem. Vejo como uma grande possibilidade, principalmente na parte da educação e na cultura, porque a gente sabe, né, a educação e a cultura são os pilares mais importantes de qualquer povo, em qualquer lugar do mundo. Tudo é muito importante, claro, mas eu acho que o âmbito da educação e da cultura é algo que eleva o poder de poder buscar muitas outras coisas.
M: Espero que sim — e estaremos lá trabalhando, festejando e resistindo.
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Período: 05/11 a 26/02 de 2023
Visitação: Terça a sexta, das 10h às 20h; sábado, domingo e feriados, das 10h às 18h
Onde: Piso Caio Graco – Centro Cultural São Paulo
Rua Vergueiro, 1000 – Paraíso – São Paulo, SP