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Fantasia

por Antonio Biagi

O sonho e a fantasia revelam projeções. São extensões da realidade e das personalidades como a conhecemos, projetos em que se joga com o que há de melhor em cada um e também com aquilo que não existe e é desejado. Um sonho traz o que ainda está por ser feito e é, muitas vezes, impossível. Neste sentido, ao revelar um sonho, registra-se a responsabilidade em realizar-se um projeto de vida e assume-se o grande risco da frustração. Partindo do conceito NUDEZ, Amarello vai conhecer o sonho e a intimidade de alguns conhecidos.

Striptease a seguir:

SARAH Miller

Qual era seu sonho quando criança?
Meu sonho quando garota era me tornar uma estrela da Broadway (sem brincadeira). Eu ficava intrigada pelo palco e estava convencida que seria a próxima Julie Andrews. De fato, eu me lembro de passar, quando criança, a maior parte das férias de verão correndo pelo campo cantando The sound of music (confesso que ainda posso ser encontrada fazendo isto). Sentimental, eu sei, mas eu estava desesperada para me tornar uma artista. Eu venderia ingressos para a minha família e representaria peças que eu havia escrito na sala de estar, onde eles ficavam presos por horas a fio e eu atuava e cantava a plenos pulmões – tortura pra eles mas pura alegria para mim.

Então, até agora, em que ponto você está de realizar este sonho? Você mudou de ideia?
Eu desisti do meu sonho de ser artista em outubro de 2008. Estava tentando atuar nesta época, mas não conseguia papéis em peças de teatro tão frequentemente quanto esperava – havia feito algumas produções notáveis de Shakespeare pelos Estados Unidos, mas nada que lançasse a minha carreira. Eu acordei um dia e me lembro nitidamente de pensar “O que estou fazendo com a minha vida? Eu quero ser aquela pessoa que se dá conta que esta vida não é como a que havia sonhado quando era criança? Que eu havia desistido de tanta coisa essencial e que valoriza (família, filhos, dinheiro, etc) por uma carreira que não estava indo a lugar algum?” E então eu mudei de ideia, simples assim. Ou o tempo e a falta de sucesso mudaram minha ideia. Eu não estava querendo sofrer pela minha arte. Nas semanas que seguiram esta decisão, eu fiquei triste pelo fato de que este sonho que preencheu minha infância, que estava tão presente e parecia tão possível, havia se perdido. Mas eu estava confortada por aquilo que estava por vir, por uma nova vida que me proporcionaria os essenciais que procuro há tanto tempo.

Qual o seu sonho, hoje, para o futuro?
Eu amo teatro, música, arte e dança mais do que tudo, mas eu sei agora que meu lugar nesta arena não é no palco mas sim ajudando a promover o sucesso das artes e de seu propósito no futuro. Meu sonho é estar envolvida neste meio mas no sentido administrativo – levantar dinheiro para o seu crescimento e promover a sua importância. Esta posição é tão vital neste momento em que as artes enfrentam cortes significativos e organizações estão sendo forçadas a fechar, sinto que, de certa maneira, minha decisão de terminar minha carreira como artista foi uma bênção para que eu mantenha o sonho vivo para outros.

Sarah Miller, responsável por eventos do Convent of Sacred Hearts, em Nova Iorque, planeja se mudar para São Francisco para trabalhar com gestão na área cultural, no final do ano.

DOUGLAS Gilman

Qual era seu sonho quando criança?
Eu queria explorar o Espaço.

Então, até agora, em que ponto você está de realizar este sonho? Você mudou de ideia?
Houve uma fase inicial de grande progresso. Eu decorei a parede do meu quarto com um kit oficial do star fixglow in the dark”, acessório obrigatório para qualquer criança americana e aluguei o menosprezado, porém clássico filme, Mac and Me (1988). Ainda mais promissor, fui no Campo de treinamento espacial da Nasa, onde competi e ganhei o prêmio de melhor simulação no Espaço. Até me pediram pra dar nome para a nave que ia para Marte durante uma concurso de redação no começo dos anos 1990. Desde então, o progresso foi para um patamar sensivelmente mais tranquilo. Com quinze anos, como parte de uma tarefa para a escola, marquei uma entrevista com John Glenn, o primeiro americano a orbitar a Terra.

Quando cheguei no seu escritório, me entregaram uma carta previamente escrita e desculpas pois o senador não poderia me encontrar – o campeão do simulador de voo – pessoalmente. Para adicionar insulto ao machucado, o nosso governo retirou o investimento no programa espacial e eu às vezes brigo para sair da cama, imagine então pra chegar em Marte. Lady Gaga está agora indiscutivelmente mais perto de passear no colisor de Hadrons.

Qual o seu sonho, hoje, para o futuro?
Meu sonho hoje é abraçar a deliciosa ambiguidade e interdependência de nossas vidas-sonhos. Gilda Radner, comediante e atriz americana, uma vez mencionou: “Eu queria um final perfeito.” Agora eu aprendi, da maneira difícil, que alguns poemas não rimam, e algumas histórias não têm começo, meio e fins claros. A vida é sobre conhecer, ter que mudar, aproveitar o momento.

Douglas Gilman trabalha com pesquisas macroeconômicas e estratégia corporativa. Nunca pensou pequeno e vai, com certeza, realizar todos os seus sonhos.

ALEX Amorim

Qual era seu sonho quando criança?
Quando criança eu só pensava em voar, nada de avião ou de qualquer outro aparato de voo, queria simplesmente correr com toda minha velocidade, ir me esforçando para pular cada vez mais alto até sentir o corpo mais leve, dando braçadas para me impulsionar para cima e por fim voar.

Então, até agora, em que ponto você está de realizar este sonho? Você mudou de ideia?
Aos quatro anos, vestindo minha roupa de Super- Homem, fui impedido de tentar o que em minha cabeça seria o meu primeiro voo de verdade, quando minha mãe me pegou tentando passar entre as grades da janela de meu quarto no 12º andar. No entanto, o sonho de voar não morreu aí e talvez seja um dos únicos sonhos recorrentes que tenho até hoje aos 31 anos. O sonho apenas tem um significado diferente e confesso que corro atrás desse sonho o tempo inteiro. Hoje o voar é ser livre para mudar, é conhecer coisas novas para me conhecer melhor, é ver o diferente para entender a minha própria estranheza e é não carregar o peso que o mundo às vezes coloca em cada um de nós.

Qual o seu sonho, hoje, para o futuro?
Continuo sonhado em voar, só que hoje percebo a importância de compartilhar o sonho, então digo que meu sonho hoje é poder compartilhar, ao longo de minha vida, o meu sonho de voar com as pessoas que amo, e quem sabe fazê-las acreditar que elas também podem voar.

Alex Amorim, nascido e criado em Salvador (BA), é estudante de MBA na Universidade de Columbia. Alex ainda não sabe se vem trabalhar em São Paulo ou se fica em Nova Iorque no segundo semestre de 2010.

ROBERTA Ferraz

Qual era seu sonho quando criança?
Inúmeros. Imensos. Fazendo um breviário do que a memória alcança, acho que chego aqui: boneca de pano, paquita da Xuxa (assim, obrigada possivelmente a tingir os cabelos), amazona com os dois seios, professorinha de bonecas que não falam (já precoce o fantasma da autoridade), depois, com uma certa idade, advogada de acusação (era como eu dizia, ou seja, no sonho mesmo, um idealismo ainda frouxo mas válido – promotora pública em defesa dos desajustados), em seguida disso (abismo lindo): bailarina do Tchan (que hoje não é mais segredo para ninguém). Acho que, de criança, criança mesmo, foram estes os delírios. Hoje acho todos eles bonitos, e vejo que, de certa maneira, misteriosa e metafórica, todos eles aconteceram. Apenas os meus cabelos continuaram negros.

Então, até agora, em que ponto você está de realizar este sonho? Você mudou de ideia?
Então, seguindo à risca o enunciado: o ponto continua rodopiando sobre si, espargindo as sobras das experiências e arrumando novos embates-embustes para se lançar. Mudo muito de ideias, mas ainda quero mudar bem mais. O sonho agora é mais palpável, mas nem por isso menos imaginativo. Porque escrever é também bem isso: um jeito que se arranja para poder ser qualquer coisa, poder mudar sem ter ranço de promessas, a beleza da incoerência, uma liberdade que talvez só a criação sustente, porque aí a questão das responsabilidades está em outro plano, em outra afetação. Os sonhos viram páginas, outras vezes viram corpo, outras vezes viram silêncios. E o sonho do sonho continua a ser aquele que disse: errar mais, errar como errância, ver mais analogias, mais correspondências, novas conexões entre as coisas. Ouvir e olhar a linguagem dos sonhos, a maneira como tudo pode ser posto de cabeça para baixo e reordenado numa nova ordem sempre frágil e aberta.

Qual o seu sonho, hoje, para o futuro?
O sonho de hoje foi o seguinte (como acabei de me levantar, ainda me lembro): ia haver um casamento qualquer, de uma pessoa talvez conhecida da família. E, por um acaso fantasmático, descobri que o Saramago era parente de tal pessoa e que ele viria. Assim, comecei a montar um esquema de disfarces para que pessoas amigas, gente amada com quem partilho o cotidiano da escrita, pudessem entrar ‘sorrateiras’, na festa. Pelo que me lembro, só consegui levar a Lilian J. Mas, ó desbunde, quando chegamos na festa, não era o Saramago, era o Herberto Helder! Lembro da barba branca dele e de nossa gagueira. Acordei totalmente luminosa. E enquanto durar o futuro de um dia, esse dia de hoje, o meu sonho é que o sonho desça, preencha meu corpo, dando-me esse estranho sentido de contato com as coisas mais inesperadas.

Roberta Ferraz é escritora apaixonada por astrologia, literatura portuguesa, vinho tinto e uma boa conversa.

RONY Rodrigues

Qual era seu sonho quando criança?
Os aviões passavam bem perto da casa e a casa toda tremia, eu corria para a janela e olhava para cima e pensava um dia vou estar lá em cima e vou ver minha casa aqui embaixo. Sempre tive o céu como inspiração.

Então, até agora, em que ponto você está de realizar este sonho? Você mudou de ideia?
Realizei parte do meu sonho aos 16 anos, quando andei de avião pela primeira vez, e aos 18 anos quando morei fora por um ano. A segunda parte realizo até hoje. Trabalho numa empresa de pesquisa de tendências de consumo, a Box 1824, e por isso acabo viajando no mínimo 150.000 milhas por ano em busca de novos movimentos culturais. Acabei conhecendo mais de 30 países como Islândia, Camboja, Nova Zelândia, Japão e Polinésia Francesa.

Qual o seu sonho, hoje, para o futuro?
Conhecer novos lugares e morar fora sempre serão meus sonhos. Mas acrescento novos: conhecer pessoas inspiradoras e conseguir manter a paz do meu presente sempre.

Rony Rodrigues, fundador da agência de tendências BOX 1824, é um dos magos da nova geração da publicidade no Brasil.