Arte de Alvaro Seixas, capa da Amarello Erótica.
#48EróticaCulturaEditorial

o corpo radiante

Bruno Cosentino é o editor convidado da Amarello Erótica, edição 48.

a erótica é uma matéria sitiada. em torno dela, nos quedamos agitados, cercando-a, contemplando-a. nela podemos até tocar, mas nunca penetrar. é como a definição de hermetismo dada certa vez por um teórico italiano: estamos confinados ao átrio, de onde nos chega a vibração vinda de dentro da casa, mas esta, porém, é inalcançável.

a casa é o corpo. sentimos toda sua força não racionalizável — o tesão — que vibra desde nosso centro.

(outro dia meu filho me perguntou o que significava a imagem do homem vitruviano. fui olhar de novo aquela figura circunscrita a um quadrado e a um círculo de mesma área cujo centro é o umbigo. fiquei pensando que se colocássemos o sexo no centro, onde imagino que esteja, o homem perderia a cabeça, sambando com o cânone geométrico. andré masson se inspirou em da vinci para desenhar seu acéfalo, que trazia o crânio entre as pernas e as tripas no ventre.)

sobre o tesão, nada podemos saber. podemos, no entanto, conviver com ele, encará-lo e deixá-lo agir. não devemos negá-lo, como o fez santo agostinho, que, lascivo inveterado, após se converter ao catolicismo, lançou mão de um estratagema intelectual para arrazoar contra sua tara persistente. e o pior, contra a alheia também. inventou, por exemplo, o pecado hereditário, do qual não livrou nem as criancinhas. ou a teoria da vontade, duelo dignificante entre a cabeça de cima e a cabeça de baixo, o bem e o mal, a alma e o corpo. mais de quinze séculos depois, o delírio engenhoso do santo ainda regula a vida sexual de muitos. desse grande recalcado, freud, mais recentemente, partiu para tentar entender o tesão, ao qual deu o nome de pulsão, definida como uma força constante que se move no limiar entre o psíquico e o somático. salvou a cabeça: tratou das vibrações do tesão na vida psíquica, pois sabia ser tarefa difícil, se não impossível, transpor os limites do átrio.

mas, sim, parece que há uma passagem. ela é estreita. não se sabe quando, não se sabe onde, não se sabe se. é chamada êxtase, graça, mística, pequena morte, gozo etc. imagem fugaz, aparece e desvanece sem que possamos apreendê-la. por isso a perseguimos obsessivamente, santos e putas, e repetimos o ato e vamos e voltamos e até nos multiplicamos para que novos seres possam repetir como nós o mesmo gesto sem sentido, a mesma pergunta sem resposta — este deus ecumênico.

o corpo é o prisma. o tesão é a luz que incide sobre os corpos-prismas, que, ao se desejarem, se iluminam, refratando-se em uma miríade de cores. cada matiz, uma pergunta, cada resposta, um devaneio. a fantasia é o vórtice que traga qualquer um que afirme seu tesão. a fatura erótica.

daí, esta edição dever ser isto que vibra e não diz nada — uma intumescência.