#3MedoHistória

500.000 a.C.

por Leticia Lima

Homem das cavernas, de Fernando Dias de Souza

O homem sai da caverna onde sua família se esconde. Seu coração palpita freneticamente, seus pelos arrepiam-se todos. Seus olhos estão arregalados, seus lábios entreabertos, e ele sua frio. A noite chega e paira a escuridão, e ele ouve barulhos na relva – um ou mais predadores grandes. Armado com uma simples lança, ele se prepara para lutar até a morte e salvar a sua família.

Mas ele está com muito medo.

O medo é uma reação emocional à uma sensação de ameaça. É um mecanismo básico de sobrevivência sem o qual nossos antepassados jamais teriam sobrevivido. Começa com um estímulo alarmante, algo que provoca a reação de medo. Esta reação, uma leitura do estímulo externo, é então enviada até o centro primordial de nosso cérebro, e acaba por liberar químicos que causam palpitações, falta de ar, músculos tensos, mãos suadas e outros sintomas.

Apesar de já não estarmos mais lutando pela sobrevivência nas planícies selvagens, muito menos lutando cara a cara com predadores, o medo continua sendo um instinto muito útil à evolução. Na nossa selva de concreto, o medo é o que nos faz pensar duas vezes antes de entrar em um beco escuro à noite, nos faz prestar mais atenção as nossas bolsas ou carteiras em áreas suspeitas, e nos põe em alta alerta na hora de ir ao caixa eletrônico.

Mas como o medo do tigre-dentes-de-sabre se converteu no medo do assaltante na esquina? A resposta é ao mesmo tempo simples e complexa. Aqueles de nossos antepassados que tinham o melhor faro por situações perigosas – o mecanismo de “bater ou correr” – também eram aqueles com as melhores chances de sobrevivência. Eles passaram seus genes adiante, e nós herdamos a capacidade de sentir medo. O medo é controlado por uma parte periférica do sistema nervoso conhecida como sistema nervoso autônomo. Em outras palavras, a reação de medo é 100% autônoma; nós não temos que ativar o mecanismo, nem estamos conscientes da reação até ela já estar instalada.

Este medo de qual falo é aquele que faz os pelinhos da nuca se arrepiarem. É o tipo de medo que você sente parado à beira de um abismo, com medo de cair, ou preso em um espaço apertado, no escuro. É um medo primário, controlado pelas amígdalas cerebrais. Esta é a mesma região do cérebro que opera as funções mais básicas, de memória e emoções, e que é partilhada por diversos vertebrados complexos.

E quanto a outros tipos de medo? Em 2005, em uma pesquisa Gallup feita nos Estados Unidos, adolescentes entre 13 e 15 anos de idade foram perguntados sobre quais eram seus piores medos. As dez respostas mais comuns foram: terrorismo, aranhas, a morte, o fracasso, a guerra, alturas, violência de gangues ou criminosos, a solidão, o futuro incerto, e a guerra nuclear.

A lista certamente contém itens que seriam igualmente temidos por nossos ancestrais: aranhas, a morte, alturas. Esses são medos inerentes a praticamente todos os seres humanos. Mas e o terrorismo, a guerra, a guerra nuclear e as ações de gangues ou criminosos?

Pesquisas provam que o medo é um comportamento que também pode ser aprendido, ou condicionado. Pode ser pessoalmente condicionado – se você for atacado e mordido por um cachorro, é provável que desenvolva um certo medo de cachorros. Mas o medo também pode ser condicionado através da associação. Se você ver alguém sendo atacado e mordido por um cachorro, é provável que desenvolva medo de cachorros, mesmo que você não tenha sofrido um ataque pessoalmente. O medo pode ser condicionado socialmente, ou através da cultura; se não como explicar a histeria coletiva que afligiu o mundo em Y2K? Este condicionamento social e cultural é muito influenciado tanto pela mídia quanto pelo governo. A probabilidade de um adolescente americano morrer ou se ferir em um ataque terrorista em solo americano é mínima, porém este é o maior medo dos adolescentes americanos. Por quê?

Bem, por várias razões. A primeira das quais é que americanos foram condicionados a temer o terrorismo pelo seu governo e especialmente pela mídia. O segundo é que humanos normalmente temem mais um evento catastrófico do que os riscos que correm diariamente, tornando o ataque terrorista, por exemplo, mais assustador do que o câncer. O terceiro é que tememos mais eventos que nos fogem o controle do que aqueles sobre os quais retemos algum controle. É muito mais assustador sentar no banco do passageiro atrás da direção.

Mas quando sentamos e pensamos sobre o terrorismo, o nosso coração não dispara, não suamos frio, nossos olhos não se sobressaem. Nosso corpo não ativa automaticamente o mecanismo correr ou bater. Então o que exatamente está acontecendo? Estes medos dos quais estamos conscientes estão ativando uma área diferente de nosso cérebro, e esta área – o córtex cingulado anterior rostral – está atenuando a amígdala. Fica localizado no lobo frontal, que por sua vez está envolvido em executar funções cerebrais mais complexas.

Estes duas reações ao medo (amígdala vs. amígdala atenuada pelo lobo frontal) são vulgarmente chamados de “peão” e “engenheiro”. Digamos por exemplo que você está em casa sozinho quando de repente escuta o som de passos. Imediatamente o “peão” entra em ação. Seus cinco sentidos enviam mensagens alarmantes à sua amígdala, que entra em ação, preparando seu corpo para correr ou bater. Afinal, é bem mais seguro acreditar que há um intruso em sua casa do que ignorar os sons e estar despreparado para lidar com o intruso quando ele aparecer.

A amígdala desencadeia diferentes reações fisiológicas: a composição química de seu sangue é alterada para permitir que este coagule mais rapidamente, e seus vasos sanguíneos se contraem para que perca menos sangue no caso de se ferir durante uma luta. Suas glândulas passam a secretar quantidades elevadas de certos hormônios, como a adrenalina e o cortisol, para lhe dar mais força e energia. Sua pressão arterial e ritmo cardíaco aumentam e seu corpo passa a produzir analgésicos naturais. Sua boca seca e você começa a suar frio. Você está pronto para bater ou correr.

Mas, quando você escutou aquele barulho de passos, o “engenheiro” também entrou em ação. Seus cinco sentidos enviam os estímulos externos à sua amígdala (o peão) que entra em ação – mas que também repassa esta informação ao seu lobo frontal (o engenheiro). Este, por sua vez, inicia uma busca frenética através de sua memória, procurando situações parecidas, com estímulos parecidos, e também leva em consideração outros fatores atenuantes, como por exemplo a segurança de seu bairro, seu sistema de alarme, o horário, se você esqueceu alguma porta aberta e assim por diante.

Mas voltando àqueles adolescentes americanos. Eles mencionaram um outro tipo de medo, talvez o medo mais perturbador de todos: o medo abstrato e intangível do fracasso. Infelizmente, não herdamos de nossos antepassados uma ferramenta para lidar com a ansiedade e a incerteza gerada pela sociedade moderna. Não há uma reação automatizada embutida em nosso DNA para garantir nosso sucesso perante nós mesmos e perante os outros.

O autor americano David Ropeik diz que tememos certas coisas desproporcionalmente à probabilidade de sua ocorrência. O medo do fracasso – um medo social coletivo que vem lentamente sufocando nossa juventude cada vez mais desorientada – é sem dúvida o medo mais legítimo naquela lista. Se tememos coisas desproporcionalmente, então o medo do fracasso é o medo mais subestimado, nocivo e paralisante de todos.

Ritual, de Fernando Dias de Souza