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#22DuploCulturaSociedade

É comigo?

por Helena Cunha Di Ciero

Na faculdade de Psicologia havia um exercício estranho: fazer careta em frente ao espelho e olhar fixamente para nossos próprios olhos até que surgisse alguma sensação. Depois dividíamos com o grupo quais teriam sido os sentimentos comuns, estranhamento e medo – lembro que foi unânime. E foi uma surpresa saber que encarar o rosto mais familiar pode ser também amedrontador.

É comum ouvir a frase “não consigo nem me olhar no espelho” quando estamos diante de alguém angustiado. A figura do lado de lá afronta, anuncia uma dor que passa o dia escondida, maquiada, que traz à luz a marca do tempo, culpas, temores, fracassos. Ela sabe de tudo. Reflete como me sinto. Mas o espelho não é só de vidro. Pode ser de gente.

Projetamos o tempo todo. É uma forma de rejeitar – para fora – aquilo que somos, de atribuir ao outro algo que nos pertence. Por quê? Para aliviar, respirar, afastar sensações incômodas, comunicar algo do nível inconsciente – acima de tudo. Projetamos pois não aguentamos ver algo em nós mesmos que é doloroso e, então, expulsamos essa sensação: a realidade vira uma tela de cinema do nosso mundo interno, e nos comportamos diante dessa imagem projetada.

Na Copa de 2006, encontrei um amigo. Ele tinha saído com minha amiga e eu acabara de ficar sabendo. Estava torcendo pelos dois, mas sabia que deveria ser discreta. Eis que ele me conta:

– Você soube que fiquei com a sua amiga?
E eu:
– Sim, eu soube. Que legal.
Foi logo se justificando, enquanto continuei quieta:
– Mas não vou ligar para ela, não. Apesar de achar ela uma mulher incrível, estou trabalhando muito e quero ser livre. Nada de compromisso. Não sou esse tipo que gosta de namorar sério, não nesse momento, de muito trabalho.
Minha resposta:
– Entendi.
Ele ficou nervoso, bravo mesmo. Tinha bebido umas e outras, clima de dia de jogo:
– Então você acha que eu devo ligar, senão vou perder ela, e que estou sendo um bobo por não convidá-la para sair. É isso? Para de me pressionar. Fica aí me olhando com essa cara. Eu não quero ligar, não vou… Meu psicólogo é foda!

Silenciosamente, assenti com a cabeça e assim fiquei. Entrei muda e saí calada. Mesmo assim, sobrou para mim.

O que eu representava para ele naquele momento? Será que falava comigo naquela hora ou me usava como espelho? Estava brigando comigo ou com a parte de si que estava com medo de convidá-la para sair?

Estamos no ano de 2015 e eles são casados, com uma filha linda de quatro anos. Ainda bem que me enfrentou, pois pôde se enfrentar – pensando bem.

Sair de cena e se perguntar com quem aquela pessoa na sua frente está falando pode ser libertador. Por exemplo, quando alguém te xinga no trânsito desmedidamente sem que você tenha feito algo grave. É pertinente parar e se perguntar antes de reagir: com quem essa pessoa está falando? Ou, quando escuta “eu te amo” de alguém que viu apenas uma vez, será que essa pessoa está falando com você mesmo? O que essa pessoa enxerga em você é real? Tem mesmo a ver com você de fato ou é projeção maciça cuspida e escarrada no rosto de quem nada tem com isso?

Projetar é preciso

O bebê, quando começa a enxergar a mãe, sorri apaixonado. Porém, esse que parece um sorriso contemplativo é, antes de mais nada, um sorriso imitativo. Antes que sorrisse, a mãe lhe sorria. O primeiro lugar no qual projetamos é a figura materna: ao olhar para esse rosto, o que o bebê vê é a si próprio. Ele se molda internamente a partir desse olhar, que acaricia e ao mesmo tempo define seu contorno interno, a autoimagem. O olhar da mãe é o espelho que conta à criança: você é amado. Enquanto nomeia o que se passa com ele, se é fome, dor, sono. Ele vai assim aprendendo a se nomear, o que possibilita seu crescimento e desenvolvimento.

Seria este o lugar de onde se iniciam as primeiras trocas significativas com o mundo. Esse espelho inaugura nosso psiquismo e traz uma sensação pela qual brigamos a vida inteira: a de segurança.

Na situação amorosa, o mesmo ocorre. Tratamos a pessoa amada como gostaríamos de ser tratados e, quando ela se afasta, a sensação é de que uma parte nossa foi roubada.

Freud descreve o estado de apaixonamento como um empobrecimento de ego, uma vez que há uma ilusão de fusão por causa das projeções: “somos eu e você a mesma coisa”. E, quando o outro se vai, a sensação é de perda de uma parte de si próprio.

A arte tem essa mesma qualidade, reflete sentimentos que até então estavam ocultos, traduz experiências emocionais singulares. Naquela figura, projetamos algo nosso.

Tenho no meu consultório, de frente ao divã, um quadro. É uma menina loira de costas de frente para uma piscina que gera tanto comoção quanto raiva. Cada um vê no desenho uma parte de si, um sentimento. Alguns enxergam um menino abandonado, outros uma menina serena. Um adolescente muito criativo viu um menino bolando um baseado.

Existem também situações nas quais nossas projeções nos aprisionam e nos deixam inseguros: o paranoico, por exemplo, projeta no mundo externo partes de seu interior e comporta-se de tal forma que o universo torna-se um perseguidor. O que começa a ocorrer é um ciclo vicioso – se o mundo é um reflexo de meus terrores íntimos, torna-se, então, ameaçador, reflete tudo que me amedronta.

Se libertar das projeções para viver também

Muitas vezes, tornamo-nos prisioneiros da projeção do outro. Como nos casos de pais que não conseguem enxergar outra coisa nos filhos além de si mesmos, tornando-os reféns de um desejo deles próprios não realizado, incapazes de fazer suas próprias escolhas. A menina que deve responsabilizar-se por concluir as antigas aspirações maternas, ou o menino que deve tornar-se, por exemplo, o grande atleta que o pai não conseguiu ser. Existem pais que veem nos filhos uma possibilidade da realização daquilo que a vida os fez abdicar. Seriam os filhos responsáveis pela continuidade de sonhos interrompidos. E, de fato, muitos se deitam nessas projeções familiares por falta de coragem para assumir aquilo que são, pois sabem que isto trará um custo, uma dor, um corte.

Por isso, a simples pergunta “é comigo?” é tão pertinente. Oferece uma possibilidade de reflexão antes de seguir caminhos que definem mais aquilo que esperam de nós do que nosso próprio desejo. Para que nosso reflexo seja nosso e de mais ninguém. Seria esta a pergunta capaz de enfrentar a triste questão que Cecília Meirelles coloca em seu poema “Retrato”: Em que espelho ficou perdida minha face?

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