Há certas questões com as quais o mundo está se debatendo hoje. Uma delas, na minha opinião, é a questão do eu nacional em relação ao Estado, também conhecido como Nacionalismo. Vindo do México, vemos essa disputa em uma escala muito palpável. As idéias de soberania e de identidade nacional estão sendo rasgadas a pedaços pelo avanço da globalização. Certos fatores geográficos, como sermos vizinhos dos Estados Unidos, misturados com a nossa herança cultural Indígena/Espanhola estão causando uma crise esquizofrênica. Para mexer ou mudar algo no México é difícil e confuso e bate de frente com o peso dos nossos muitos passados.
O México tentou criar uma noção clara do que é ser mexicano pegando a idéia do mestiço e criando símbolos nacionais ao redor dele. Nossa bandeira verde, branca e vermelha com o emblema da águia parada sobre um cacto comendo uma cobra é o perfeito exemplo disso. As cores representam as idéias racionais de união, esperança e sangue que criaram o estado mexicano moderno enquanto a imagem da águia é tirada de uma lenda asteca sobre um oráculo do deus da guerra, Huitzilopochtli, que veio ao seu povo nômade e lhes disse que iriam se assentar no lugar onde encontrassem a cobra. Os astecas vagaram pelo que hoje é o México até encontrarem a cobra em uma ilha em meio a um lago, onde, conforme instruídos por seu deus, construíram a cidade de Tenochtitlán (a atual Cidade do México).
Mas o que esta nação mexicana não entendeu foi que vários povos indígenas do México não compartilham os mesmos valores e que com o passar do tempo não necessariamente irão querer fazer parte desta nova identidade mexicana. Mais de 10% da população é indígena e ainda há mais de 63 dialetos indígenas falados ao redor do país.
Enquanto que o Brasil, aos olhos de uma mexicana, aparenta ser um país livre desse peso: um tipo de sociedade-de-viver-constantemente-no-presente-e-no-futuro que não parece ter incertezas sobre como ou de onde veio. Acredito que o tamanho do país, sua intensa diversidade natural com sua distância da influência do mundo desenvolvido lhe permitiu crescer livre e sozinho. A imigração também ajudou muito. Como os Estados Unidos, o Brasil recebeu ondas de imigrantes das classes trabalhadoras, vindos em sua maioria da Europa e também do Japão (ambos na virada do século XX).
E é por isso que parece natural que o Brasil seja um dos países mais receptivos ao modernismo. O princípio básico do modernismo de ter que reavaliar e se desprender das idéias iluministas sobre Deus, o governo, a ciência e a razão para entender a complexidade do mundo moderno se encaixa perfeitamente com o desprendimento brasileiro a estas noções do velho mundo e sua identidade multicultural. A arquitetura moderna brasileira deu estrutura a estas ideias, a começar pela criação de Brasília (onde mais Brasília teria sido construída??), e o alastramento da arquitetura moderna nas metrópoles tropicais urbanas. Pense por exemplo em alguém como Roberto Burle Marx. Sua repaginação agressiva do Rio de Janeiro, transformando as ruas em oceanos. O Brasil, pega, devora e torna seu o que quiser, sem perguntar se pode.
Você pressente uma leveza e uma segurança na atitude dos brasileiros. E é por isso que não acho surpreendente que o Brasil tenha desenvolvido a música, por exemplo, acima de quase todas as outras formas de expressão cultural. O carnaval e o samba são primordiais ao ‘eu’ brasileiro. A música sendo um campo livre de limitações econômicas e culturais onde permite-se discutir as desigualdades.
Acho que é uma das razões pelas quais, em um mundo que está tentando redefinir suas noções de identidade nacional e encontrando dificuldades, o Brasil avança a largos passos sem necessidade de parar e perguntar. O que é brasileiro muda na mesma velocidade em que demorou para se tornar brasileiro.