#5TranseCrônica

Corpo em Transe

por Nuria Basker

de Fábio Gurjão

Nos pés descalços está a origem. Do contato com o solo recebo impulsos generosos que sobem como flechas até minha cabeça. O que digo? Não são flechas e sim serpentes sinuosas. Os joelhos tremem limpando o ranço dos passos errados. Na batida dos quadris, olhares se desconfortam, se expõem, terremoto incontido que une ritmo e libido. Ao cruzar a sala, os giros abstratos mostram sua função: deslocar grandes porções de sedimentos. No ventre, várias respostas, todas se apresentando em sequências de ondas. Eu só quero dançá-las, não quero entendê-las. Estou cansada de tudo que está acima de meu pescoço. Quero braços como hélices que me afastam do que não é melodia. Quero ombros e cotovelos que se movam por si só. Entro no transe da dança e meus olhos ficam virados para dentro. Mergulho ao contrário. Persigo as ondas sonoras com a matéria de meu corpo. Quero me transformar em instrumento. Quero ceder cordas e curvas, ossos e sopros ao simples ato de não pensar. Voar. Voar e voltar ao solo de onde vem o fogo sagrado. O que digo? O que nasce dos meus pés são cachoeiras que desafiam leis da gravidade. Que fazem rios correr para cima. As pontas dos meus dedos são terminações nervosas, libertam os raios da tempestade que se forma dentro. Peço emprestado o sentido dos trovões e relâmpagos. Quero me formar no ar e me atirar ao chão. Causar encantamentos. O movimento se faz e se contém, se mostra e se detém. Transe único do não pensar. Dançar.