#7O que é para sempre?CulturaLiteraturaSociedade

Freio de Mão

por Rose Klabin

medo

De acordar,
Do sono profundo.

De sentir,
De anestesiar.

Do ego,
Do alter.

Da última vez,
da que virá.

Passado, Presente, Futuro.

Da política, impunidade, desigualdade.

Do Marxismo, Capitalismo, Budismo, Turismo e Reumatismo.

Das ideologias tão enraizadas no nosso sistema educacional,
Da hipocrisia moral.

Do espelho que já não reflete.

Da desmoralização do espírito,
Da supervalorização do material,
Da degradação social.

Do passar do tempo
Do Tempo
Tic-Tac
Tic-Tac.

Puxa o freio de mão!
Que medo da velocidade…

Da fragmentação de pensamentos.

Do começo e fim – sem meio.
Do meio e fim – sem começo.
Do começo e meio – sem fim.

Para tudo porque estou com medo de esquecer de
respirar.

(junho de 2007)

felicidade – conversa com brecht

Sorriso de pai, beijo de mãe, abraço de irmão.
Voltar pra casa,
Sair de casa.
Voltar pra casa,
Sair de casa.

Dar Presente.
Sorrir, Sorrir, Sorrir.
Som de vitrola.
Céu aberto.
Feijoada, farinha de trigo, pimenta baiana.

Resoluções.
Inspiração.
Harmonia entre razão e emoção.
CRIAR sem temer errar.

Nolita numa manhã de sábado.
Warhol, Rauschenberg, Kruger.
Rollerblade no Central Park.
Portobello Market no domingo.
Rirkrit Tiravanija, Anish Kapoor, Pierre Hughes.
Retrospectiva do Fellini no BFA.
Mitte – Berlim.
A queda do Muro.

Um cego dançando.
Enzo Piazzolla
Inocência

Cadeira quebrada,
Mesa rachada.
Queijo velho,
Vinho novo.
Pannacota.

Aventura.
Dia a dia da cidade.
Escalar uma montanha
Areia da praia… deserta.

Conhecimento sem pretensão
Conquistar uma meta,
E que a meta seja simples.
Amar sem cobrar
Liberdade de expressão.
Compreender o quê?

Um banho morno.
Dançar música lenta.
Rachmaninoff à luz de vela.

Beauvoir et Sartre.
Um rabisco.
Um pedaço de papel rasgado.
Um cadarço de sapato velho
Uma caixa vazia… a ser preenchida.
Um olhar honesto.

Silêncio.

cenas urbanas

Sentada no consultório psicanalítico vejo pela janela a secura angular do horizonte paulistano.
Asfalto gasto.
Pisca-alerta e vira à esquerda.
Um beijo solto no ar.
Vozes anônimas.
Vestidos preto-e-branco.
Cores escondidas atrás do edifício de concreto cinza-escuro.
Para, anda, para, anda.
Tempo? Aonde foi?
Fazer, fazer, fazer… o que mesmo?
Jantar na casa do primo do amigo de alguém que comprou um carro importado novo.

Lá longe
Uma retrospectiva de Fellini – Roma.
Almoçar curry de barraquinha de rua na companhia de um bom livro – Delhi.
Cheiro de especiarias num bazar ao ar aberto – Istambul
Fumar um cigarro num café situado em alguma ruela desconhecida – Paris.
Sair do tube no Piccadilly Circus e baldear para Northern Line – Londres.
Máfia chinesa na Canal Street – Nova York.

A NASDAQ caiu
Outro Prozac

Medidas antiterroristas
Ninguém mais é livre dentro deste caos – nem eles, nem eu!

Verborragia intelectual
Esquerda-festiva
Gauche caviar
Champagne socialists
Tudo a mesma politicagem de bosta!
Tão canalhas quantos seus primos endinheirados

Conversemos sobre a desigualdade social e preguemos ideais socialistas – hoje à noite na vernissage regada a champagne Veuve Clicquot do artista plástico cujo nome foi citado na revista como a grande revelação do momento. Iremos todos lá, e falemos sobre a fome, a violência, da política do Cháves, do boom do etanol, das diferentes linguagens na arte contemporânea (Ah, a arte… tão chique falar disso!)

Hipocrisia moral.
Fogueira de vaidades.
Sejamos pacientes, pelo menos até o próximo quarteirão.

Alguém doou mil dólares para alguma instituição carente “famosa”.
Mentalidade filantrópica também garante um lugarzinho VIP nos círculos sociais mais requisitados.

A cidade engole e depois vomita

(junho de 2007)

ventos andarilhos

Vento que leva embora e traz de volta memórias de
Presente, passado e futuro,
Visões que se misturam num turbilhão de imagens.

Vento que leva embora e traz de volta
O gosto barato da burguesia endinheirada.

Vento que leva embora e traz de volta
O cheiro carregado de mofo do quarto de um hotel antigo
Situado numa rua sem saída do 13o arrondissement em Paris.

Vento que leva embora e traz de volta a temperatura baixa e seca
De um dia de inverno em New Hampshire.

Vento que leva embora a dor da desilusão e traz sentimentos de esperança
Para preencher o vazio.

Vento que enxuga a lágrima que escorre pela face.
Vento que molha com o beijo de um estranho.

Vento que assopra e cicatriza a ferida causada por espinhos venenosos
Encontrados em trilhas do passado.

Vento que suspira…
E neste libertador ato, transforma carimbos de um passaporte em histórias pra contar.

(agosto de 2007)

prosseguir colorindo

A fumaça do meu cigarro Free passeia.
Boca de lábios carnudos que engole meus olhos cansados – Amarelo.
Silhuetas de nicotina se desfazem na poluição
E dançam um pas de deux
Com a descarga cinzenta dos canos de carros nervosos na Marginal.
Suor amargo, rádio fora de sintonia, AM transmitindo o jogo do Palmeiras – Marrom.

Saudades lá de casa e daquela moça bonita,
Das flores entranhadas em seus cachos castanhos e
Do balançar de seus largos e fartos quadris
Carregando contra eles uma cesta de roupa suja – Laranja.
Mas e eu, o que sei sobre Teresa Batista, Gabriela ou Dona Flor? – Rosa.

Sei apenas cultivar sonhos românticos de uma existência menos sintética – Azul.

Pode ser que um dia eu esqueça de minha índole pós-moderna,
Dos meus medos condicionados pela violência urbana,
Das ansiedades alimentadas pela fome da cidade – Cinza.

Pode ser que um dia eu esqueça das luzes vermelhas dos faróis abertos e das luzes verdes dos faróis fechados – Preto.

Pode ser que um dia eu esqueça de que sentar neste café é preciso,
De que encarar esta folha é preciso,
Para que eu sinta o tempo parar.

O cigarro acabou – Branco.
(agosto de 2007)

oscar freire

Chame o segurança pelo rádio
Milkshake de chocolate suíço com canudinho de ouro
BlackBerries, I-Troços e geração torpedo
Faces plastificadas por plásticas desgastadas
Batom Chanel, sombra Dior, base Lancôme.
A bolsa “Weekend” da última coleção outono-inverno da Balenciaga
Ou será da Miu-Miu?
Tailleur Chanel – tão petit-bourgeois!

Adolescentes querendo ser gente grande (ou será gente-pequena?)
Abram alas porque eu quero passar nesse catwalk!
Escovas progressivas (que progresso?!)
Anel d’ouro branco e brilhante no dedo indicador do filho do dono de alguma nota que se leu na coluna social.
O mundo das etiquetas – tão bem-comportada essa gente!

Será que em suas maxi bags de it-grifes elas carregam ideias?
Ideias de verdade.
Será que dentro do bolso de seus manteaux de Kashmir existem sonhos?
Sonhos de verdade.

Ah! pena que eu esqueci a minha caneta Montblanc…
(junho de 2007)

carta

Amanheceu cinza e a cidade parece mais crua do lado de dentro. Quando faz cinza vemos e somos apenas contrastes, jamais nuances. Cinza dá verdade aos fatos. Pois as cores podem deformar. E as cores aqui soam como ilusões de ótica para que não vejamos realmente o que está no meio, por dentro. Quando está cinza, não. Vejo, pela janela, que tudo ganha um ritmo outro quando não escutamos o que se faz. Sinceramente, tudo parece melhor quando se olha sem escutar; imagino sons para as situações, ora música ambiente, ora um heavy metal. Sempre no volume máximo, preciso te contar: para que nunca saibamos o que eles, os que estão através da vidraça, querem dizer. Eles que passaram a legendar para se fazer entender, agora, por mim, ganham outra voz, ritmo dublado. É bom estar blindado, ‘redomado’. Passo, então, a ter uma janela de distância entre mim e os outros. Mas eu estava a te contar dos cinzas (porque você está do lado contrário, do lado de fora) que vejo agora, meio guache ou, sei lá, óleo. Mas nunca aquarela, tenho certeza. Porque nada em Nova York é delicado o suficiente para ganhar um dedo de tinta com três partes de água. Movimento indefinido para instantes indecifráveis; expressionismo concreto de cinza cimento, demão de Pollock com acabamento de Kooning. Para abstrair a ausência. Ainda é de manhã.

Carta de Hermes Galvão a Rose Klabin. Nova York,
outubro de 2011.