The most important thing, série fotográfica do argentino Naguel Rivero, reimaginando os efeitos da indústria da moda. Originalmente publicado na revista atmos.earth.
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Vestido para matar: memórias póstumas da fast fashion

“A palavra elegantia vem do latim eligere, ou escolher. Vamos devolver à moda a elegância e fazer escolhas melhores na hora da compra.” 

Não há como negar — a moda rápida, a fast fashion, está tomando o mundo. A velocidade com a qual consumidores compram roupas está acelerando a ritmo frenético. A acessibilidade e praticidade de se comprar roupas baratas online fez com que nós, consumidores, não apenas comprássemos cada vez mais, mas, em consequência, utilizássemos cada vez menos cada peça adquirida. Criamos uma cultura de moda descartável. De acordo com a organização Earth.org, nos últimos 15 anos, o número de vezes que cada peça é usada por quem a comprou diminuiu em 36%, sendo cada roupa utilizada em média apenas 7 vezes. Ao mesmo tempo, de acordo com um estudo da consultoria McKinsey, o consumidor médio comprou 60% mais roupas em 2014 do que em 2000. 

São 100 bilhões de toneladas de roupas produzidas a cada ano, das quais mais de 92 milhões de toneladas são descartadas em lixões e aterros ao redor do mundo. Desse total, 39.000 toneladas estão indo parar em uma montanha de roupas descartadas no deserto do Atacama, no Chile. São roupas que chegaram às lojas nos Estados Unidos, Europa e Ásia, mas não foram vendidas. São então enviadas – sem nunca terem sido usadas – ao sul global para serem descartadas. No caso do Chile, as roupas não podem ser descartadas em aterros municipais devido ao seu conteúdo tóxico, e acabam a vida empilhadas no meio do deserto. Em Acra, capital de Gana, no litoral ocidental da África, são despejadas diariamente 100 toneladas de tecido. Membros do mercado de Kantamanto, onde muitas dessas roupas são reutilizadas ou revendidas, foram à Europa protestar contra a catástrofe ambiental causada pelo despejo de lixo em sua comunidade. Querem que as empresas de moda sejam forçadas a pagar o governo Ganês para manejar o lixo. 

A indústria que alimenta esse consumerismo voraz tem um impacto enorme sobre o meio ambiente. De acordo com um estudo da ONU, a indústria de moda é responsável por 8 a 10% das emissões mundiais de carbono. Quase 10% dos microplásticos que jogamos nos oceanos a cada ano são oriundos de confecções fast fashion, que, em sua maioria, contém materiais sintéticos como poliéster e nylon. Considerados baratos e resistentes, esses materiais também contém plástico. E se 10% não lhe parece muito, pense que isso equivale a mais de 50 bilhões de garrafas PET. Os microplásticos não são os únicos vilões da história — mesmo as roupas feitas de algodão contribuem com o desperdício global de recursos. A indústria é responsável por 20% do desperdício total global de água. A fabricação de uma única camiseta de algodão requer 2.700 litros de água, o suficiente para saciar a sede de um ser humano por 900 dias. 

A explosão do fast fashion, especialmente com a popularidade crescente da gigante chinesa Shein, provocou também o interesse de pesquisadores e grupos ambientais na qualidade das confecções. Investigações revelaram altos níveis de substâncias químicas tóxicas, incluindo centenas de químicos empregados pela “tecnologias têxtil”. São coisas como pigmentos a base de chumbo, etoxilato de nonilfenol ou nonilfenóis (NPEs) usados em detergentes industriais, ftalatos usados para tornar plásticos mais flexíveis e resistentes, formaldeído que previnem que tecidos amassem, e substâncias per e polifluoroalquil (PFAs) que os tornam impermeáveis.

Quem odeia passar roupa ou esfregar manchas no tanque bem que entende. Porém o efeito desses químicos sobre a saúde são altamente nocivos, especialmente para crianças menores de 6 anos, ainda em fase de desenvolvimento cerebral. Em 2013, a Greenpeace publicou um estudo feito com os dois maiores centros de produção de roupas infantis na China. Mais da metade das roupas, destinadas a países como os Estados Unidos, continham NPEs, ftalatos e PFCs. Em 2016, autoridades portuárias americanas destruíram um carregamento de roupas, lancheiras e mochilas infantis vindos do gigante asiático por excederem os limites permissíveis de chumbo. 

O que todos esses químicos têm em comum é que não se degradam facilmente. Isso significa que eles permanecem no meio ambiente e no organismo de animais e seres humanos por muito tempo, e bioacumulam e biomagnificam, um fenômeno que ocorre quando há acúmulo progressivo de substâncias ou compostos químicos ao longo de uma cadeia alimentar. Nós poluímos o oceano, em uma ação que contamina os peixes, que, consequentemente, iremos consumir: é um ciclo vicioso assustador.

Estamos gerando toneladas de roupas que nem compramos, que mal usamos, e pagando com a degradação do meio-ambiente e da nossa própria saúde. É hora de mudar. Afinal, a palavra elegantia, em latim, vem do verbo eligere, ou escolher. Vamos devolver à moda a elegância e fazer escolhas melhores na hora da compra.