Se eu falar de tempo, sem dúvida todos entenderão ao que me refiro, mas, se pedir uma definição do mesmo – aí o bicho pega. Afinal, o que é o tempo?
Os gregos antigos, por exemplo, tinham duas palavras para explicar esse fenômeno tão abrangente e essencial: chronos e kairos. Chronos era pai de Kairos, e, de certa forma, pai do universo. Representa o tempo cronológico, ou sequencial, que pode ser medido. Já Kairos, seu filho, era aquele momento oportuno, em que algo especial acontece. Chronos era quantitativo; e Kairos, qualitativo. É interessante descobrir que, na história de ambos, Chronos engole seu próprio filho, num ato de canibalismo não incomum à mitologia grega, mas especialmente adequado neste caso: Chronos era o criador do tempo e, logo, de tudo o que nele está compreendido. E é impossível fugir do tempo; existir fora dele. O ato de Chronos nada mais representa do que um gesto antropofágico. Afinal, somos todos parte do tempo – e devorados pelo tempo.
O tempo pode ser definido apenas como uma sensação derivada da transição de um movimento. Nós o pensamos como algo externo à nossa experiência, mas a verdade é que sempre será definido de forma idiossincrática. Somos, a princípio, todos capazes de reconhecer e ordenar a ocorrência dos eventos percebidos pelos nossos sentidos; porém, seriam nossos sentidos de confiança? O tempo existe independentemente de nossa percepção?
Na filosofia, tradicionalmente, existem dois campos opostos: os realistas sobre o tempo defendem sua existência separadamente da mente humana. Os antirrealistas, principalmente os idealistas, negam, duvidam ou problematizam sua existência separada. Kant, um dos defensores da filosofia idealista, nega a realidade do tempo. Para ele, trata-se de noção a priori, que nada designa além de determinada característica da forma com a qual nós humanos recebemos informações através dos sentidos. As noções de passado, presente e futuro, assim como antes e depois, são possíveis porque percebemos o tempo como sequencial, acreditamos que o passado seja irreversível e o futuro, influenciável.
A ciência, entretanto, comprovou inúmeras vezes que nossa percepção e nossos sentidos podem nos enganar (e o fazem com frequência). Quem nunca teve uma experiência em que o tempo parecia quase parar, ou passar num piscar dos olhos? Dizem que, antes da morte, a vida nos passa aos olhos como um filme – mas como uma existência inteira pode caber no espaço de instantes? O tempo seria então apenas um evento psicossomático, influenciado por variáveis inerentes a cada indivíduo?
Não haveria uma definição científica mais precisa a respeito – uma que finalmente estabelecesse que o tempo simplesmente é? Pois bem: o físico Albert Einstein, dono de vasta cabeleira e genialidade, deu ao mundo a teoria da relatividade, e, desde então, o tempo vem sendo considerado como uma quarta dimensão do continuum espaço-tempo do universo.
Aãh?
Muito básica e resumidamente, Albert Einstein disse que o tempo é relativo. Os objetos não o vivenciam da mesma forma – quando um corpo está em movimento, o tempo lhe passa mais lentamente. Em outras palavras, a dimensão do tempo está ligada à do espaço. Na velocidade da luz, a máxima velocidade no universo, ocorre o mais espantoso: o tempo simplesmente deixa de passar! É como se a velocidade do espaço retirasse tudo o que fosse possível da do tempo. No outro extremo, para quem está parado, a velocidade está toda concentrada na dimensão do tempo.
Tem mais. Alguns anos depois, Einstein desenvolveria a chamada Teoria Geral da Relatividade. É assim: a gravidade do Sol curva o espaço ao seu redor e mantém a Terra em sua órbita. Já a força que prende as pessoas ao chão é a curvatura criada pela Terra no espaço ao seu redor. Einstein também descobriu que, quanto maior a gravidade, mais lento é o ritmo da passagem do tempo. E então surgiu o conceito da “curvatura no tecido espaço-tempo”, que deu a muitos escritores de ficção-científica material de sobre para viajar no passado e no futuro.
A religião também tem muito a dizer. Para nosso interesse, a mais importante distinção feita pelas principais religiões do mundo ao definir o tempo consiste no linear versus o cíclico. Em certas culturas, como a budista e a hinduísta, há um conceito da roda do tempo, mensurado de forma cíclica. Os ciclos para seres vivos individuais se repetem entre o nascimento e a morte, podendo, às vezes, ser influenciados pelo comportamento no giro anterior (como o Karma). Em algumas culturas, como a dos Maias, existem ciclos maiores, do próprio universo, que também se repetem. Já o conceito judaico-cristão estabelece o tempo como linear. O universo tem um começo (um ato de criação de Deus), um meio e, especialmente para os cristãos, um fim. É interessante notar, porém, que Deus é infinito e, portanto, existe para além do tempo.
Também tem a astrologia, sistema milenar de crenças no qual as posições relativas dos corpos celestes no momento específico de um nascimento podem prover informações sobre personalidade, relacionamentos e até destino. O tempo (e espaço) no qual se nasce determina a vida! A astrologia é chamada de superstição por alguns, ciência por outros, mas, até então, foi incapaz de comprovar sua eficácia. Seja lá superstição ou pseudociência, leio meu horóscopo quase diariamente, e já fiz meu mapa astral.
E já descobri porquê… Ao ser reeleito presidente dos Estados Unidos, Barack Obama fez um discurso no qual declarou: “Sempre acreditei que a esperança é aquela teimosia dentro de nós mesmos que insiste, apesar das evidências ao contrário, que algo melhor sempre nos aguarda, desde que tenhamos a coragem para continuar buscando, trabalhando, lutando”. Foi então que percebi o quanto a esperança é algo temporal. Trata-se de um elemento do futuro – e sem a ideia de futuro não pode haver esperança.
Seja linear ou cíclico, psicossomático ou uma quarta dimensão, para mim o tempo é, e sempre será, a ideia de que posso aprender com meu passado para agir no presente e ter um futuro melhor. O tempo permite aflorar minha esperança.
Apenas uma questão de tempo
por Leticia Lima