Muito se falou sobre uma hipotética perua chateadíssima com a PEC das empregadas. Pouco ou nada se falou a respeito do peru, seu marido. Em casa onde a mulher se sente ultrajada em ter de esquentar o próprio jantar, o homem não deve limpar sequer a própria bunda.
A PEC das empregadas revelou duas obviedades. A primeira é que nosso espírito escravocrata permanece intacto a ponto de uma lei que simplesmente iguala o trabalhador doméstico aos demais gerar comoção. A segunda é que, na falta de um escravo externo, o trabalho doméstico tende a cair no colo da perua, nunca de seu querido e bem assado peru.
Nenhuma surpresa. Remunerado ou não, o trabalho de casa sempre foi coisa de mulher, basta ver que o emprego doméstico só deixou de ser a principal profissão das brasileiras em 2011. Antes disso, éramos mais domésticas que médicas, advogadas, professoras. Hoje somos mais vendedoras.
Dos 6,65 milhões de trabalhadores domésticos do Brasil, só 31% têm carteira assinada. A precarização do trabalho não é coisa só dos tais grotões do Nordeste. É maioria em todas as regiões do Brasil.
Tenho dificuldade em imaginar uma casa de classe média sem filhos que exija mais do que duas visitas semanais da diarista para se manter apresentável e, quem sabe, até com um feijãozinho congelado na geladeira. Chamar uma diarista duas vezes por semana não configura vínculo empregatício e custa cerca de R$ 640 mensais. Achou caro? Chama uma vez só.
Para quem tem filhos a coisa é mais complicada: a pequena dose de independência e de vida externa que nossas mulheres de classe média conquistaram nas últimas décadas devem-se em parte às mulheres mais pobres que ficaram em casa, cuidando dos filhos delas.
Uma empregada que ganha salário mínimo (em São Paulo, R$ 755), que não faz hora extra nem adicional noturno e que recebe R$ 180 mensais de vale transporte (ida e volta de ônibus em São Paulo), R$ 200 de plano de saúde e R$ 250 de auxílio-creche vai custar R$ 1.777 pela nova lei. Três mil é o salário base de um repórter nas melhores redações do país. Para boa parte da classe média, é notável que essa conta não fecha, mas a pergunta é: como fazê-la fechar?
Para uns, a resposta é “contratar” uma empregada mensalista pagando os mesmos R$ 640 que citei aqui como valor de duas diárias semanais de uma faxineira. Os outros – os que me interessam – vão procurar alternativas. E se a gente criasse esquemas de compartilhamento de babás nos condomínios? Melhor ainda: creches comunitárias em que os pais se revezassem no cuidado com as crianças? Que tal se dessa vez nossos perus fossem convocados a resolver o problema?
A vez do peru
por Juliana Cunha