Pascale Mussard é diretora criativa da Petit h desde 2009. Descendente da família Hermès, foi diretora artística da casa junto com seu primo Pierre-Alexis Dumas por muitos anos até iniciar a Petit h, um projeto em que reutiliza e transforma os materiais descartados pela casa-mãe em peças de design e obras de arte.
Conte um pouco a respeito de seu background criativo e de como seu trabalho com upcycling começou.
Atribuo o conceito da Petit h à minha educação. Meu pai era arquiteto. Minha mãe era uma mulher extremamente criativa, uma viajante extraordinária, uma contadora de histórias formidável, sempre pronta a andar pelo mundo de mochila nas costas, descobrindo materiais, em uma época em que poucos viajavam. Os meus avós também me influenciaram. Sempre tive à minha volta pessoas muito criativas, inspiradoras na sua forma de vida. Quanto ao upcycling, penso que ele surgiu de dois fatores. O primeiro foi que eu nasci logo depois da Segunda Guerra, num momento extraordinariamente feliz, após um longo período de carência, em que não era possível encontrar produtos nem materiais no mercado, e tudo o que estava disponível tinha uma importância enorme. Nasci num momento em que o sentimento predominante era de que tudo devia ser guardado e reutilizado, dada a escassez. O segundo foi minha educação protestante rigorosa, na qual não se jogava nada fora, achava-se beleza em tudo e tudo se guardava. Desenvolvi isso naturalmente, já que na minha casa era assim. Eu me lembro que, quando minha bisavó recebia cartas, ela rasgava os envelopes cuidadosamente, com precisão, depois os virava do avesso e guardava para usar como papel de rascunho. Ela guardava tudo! Mais tarde, a vida me levou para trabalhar em diversos lugares do mundo, e eu sempre trouxe e fui guardando objetos, não sei se pensando em dar-lhes algum uso ou apenas como lembrança. Sou muito ligada à ideia de explicar demonstrando, e tive a sorte de começar na empresa em um momento crucial, nos anos 70, quando o jeito de trabalhar, tanto para os artesãos como para a empresa, era muito diferente. O tempo passou rápido, e eu não podia imaginar, no início, que iria utilizar todos esses objetos 40 anos depois. Com o acúmulo de 35 anos de experiência na Hermès, pensei que seria interessante realizar este projeto que trago comigo desde sempre. Foi assim que surgiu a Petit h.
De onde parte seu processo de criação?
Para começar, é preciso que eu diga a verdade: eu desenvolvi o projeto e o executei, durante um ano, totalmente em segredo. Na época, pedi ajuda a um criador que não trabalhava na Hermès, Gilles Jonemann, e com ele fui visitar todos os ateliês da Hermès, desde a cristaleria Saint-Louis, a Nontron para a porcelana e o esmalte, Lyon para a seda, a Le Mans para a crina de cavalo e, obviamente, os ateliês que trabalham o couro. Eu e Gilles percorremos, em seu carro, todos os lugares que conhecíamos e fomos selecionando e juntando materiais. Durante um ano nos encontramos, quase sempre nos finais de semana, e criamos cem objetos que iriam representar a Petit h. Com o projeto em mãos, eu tinha a ideia de apresentá-lo à família, aos criadores, ao departamento jurídico e à direção da empresa. O processo de criação tinha sido inverso ao que se pratica, e eu não queria alterá-lo. Num processo normal, para fazer uma coleção, o criador parte de um tema, de uma ideia, de uma cor, e só então vai atrás dos materiais para criar seus objetos, inventá-los. No caso da Petit h, era o contrário: primeiro eu juntei os materiais e depois criei a partir deles. É algo realmente diferente pensar num objeto e escolher o seu material ou ter o material e pensar num objeto. Era algo muito novo para a Hermès, e eu não queria abrir mão desse processo porque tinha intuitivamente o sonho de reunir num mesmo lugar todos os setores da empresa. Sempre achei que isso os estimularia. E agora, depois de alguns anos, vejo que eu tinha razão. Colocando alguém que trabalha com ourivesaria do lado de alguém que trabalha com seda, com couro, com cristal, eles poderiam desenvolver, juntos, projetos comuns. Eu pensava que a transversalidade e a reunião de mãos muito habilidosas e experientes com a ideia de misturar os materiais, de inventar novos materiais pela transformação, poderia criar um projeto inovador para a empresa. Porque eu penso que uma empresa como a nossa deve se questionar a cada momento. Penso também que só a educação e a experiência nos impedem de cometer erros no futuro. Eu acreditava que seria muito importante para a Hermès que toda essa variedade de expertise fosse tão conhecida quanto aquilo que já se conhece, como o couro e algumas bolsas, a seda e alguns lenços, honrando, assim, a diversidade de criadores da empresa. E uma última coisa: há uma equipe específica da Hermès da qual quase nunca se fala, e que são pessoas essenciais: os “caçadores de tesouros”, aqueles que vão atrás dos materiais mais incríveis. Você faz parte disso como brasileiro curador. Há, sem dúvida, no Brasil, materiais interessantes como a madeira ou o capim-dourado — material com o qual sonho trabalhar desde a primeira vez que fui para lá. Eu gostaria de fazer algo de um outro jeito e ainda não consegui. Mas tenho o capim-dourado no ateliê, e talvez um dia nós o trancemos com crina, com couro. Entende? Isso é conduzir a Hermès para o futuro.
Conheço sua busca por novos talentos, artistas e artesãos jovens para desenvolver projetos específicos dentro da Petit h. Essa busca é uma oportunidade para você de ver o mundo por uma perspectiva diferente? O que eles te trazem?
A busca por novos talentos sempre foi uma coisa que me interessou. Eu gosto de ver o que os jovens fazem nas escolas. Num primeiro momento, eu ia às entregas de prêmios de final de ano das escolas de moda e design. Depois, comecei a ser convidada a fazer parte do júri dessas escolas, e sempre fiquei impressionada de ver talentos extraordinários, principalmente pela criação totalmente livre. Na escola, nós temos toda a liberdade. Depois, quando entramos numa empresa, ficamos um pouco mais formatados. Eu realmente gosto dessa ideia de surpreender, e com muita frequência fico surpresa com o nosso trabalho. Desde 1987 que, todo ano, temos um tema na empresa que nos guia. Este ano, o tema é “objetos para a vida”. Em outros anos, tivemos temas como metamorfose, natureza, (…). Esse tema nos serve para olhar para a Hermès de um outro ângulo, mantendo a Hermès do jeito que é, mas sob um olhar diferente. Por exemplo, o ano da África nos trouxe novas cores, novos materiais; o ano do Extremo Oriente e Japão nos trouxe um certo rigor. Penso que, com a Petit h, o que esses “jovens menos jovens” me trazem é a escuta, é observar a maneira como eles reagem. É interessantíssimo, porque há alguns criadores que ficam desconcertados com o processo proposto, eles não entendem muito bem, pois o processo toma um tempo maior, exige mais. Por outro lado, há certos artistas que convido porque sei que vai ser fantástico, que eles vão trabalhar o couro, o cristal, de um jeito diferente. Normalmente eu apresento um material que tenho certeza que se identifica com o artista, e quase sempre eles acabam escolhendo outros materiais. Já nem me preocupo mais com essa questão, porque todos os artistas acabam trabalhando bem com qualquer material. Então acaba existindo uma troca onde damos ao artista a possibilidade de trabalhar materiais distintos e também criamos peças bonitas. Essa troca é muito importante para mim. Aprendi com o tempo que as coisas se desenvolvem quando há bastante verdade e generosidade. No ateliê, os artesãos estão em diálogo direto com os criadores, algo atípico para uma empresa como a nossa. O que eu tentei implementar é que ambos estejam no mesmo nível de escuta: que o criador compreenda o artesão, que o artesão compreenda o artista, que a forma como a empresa trabalha, desde a preocupação com o detalhe à perfeição das peças, tão importante para os nossos artesãos, seja compreendida e respeitada pelo criador que entra para a Petit h. Tudo isso leva muito tempo. O processo é longo e é diferente para as duplas criadas e os materiais usados. Todo esse processo me trouxe uma alegria imensa. Quando eu comecei, em 2009, tinha cinco criadores e um artesão e meio. Agora temos vinte [artesãos] e mais de cem criadores! Em 2009, não sabia para onde iria. Eu esperava estar aqui falando com você! (risos)
Como foi, para uma empresa como a Hermès, o nascimento da Petit h e sua nova perspectiva de negócio?
É claro que no início foi difícil para uma empresa como a nossa. Afinal, é difícil imaginar um projeto que fala de encontrar beleza naquilo que a empresa não quer mais e entende como imperfeito. Mas eu espero que, com tudo o que já foi feito, eu tenha tranquilizado a empresa. A ideia nunca foi fazer uma coleção com menos excelência e perfeição. No entanto — e é o que eu tento explicar — um pedaço de couro que não foi utilizado para um objetivo, por exemplo, uma bolsa, pode ser utilizado em alguma outra coisa. Eu sempre tive a convicção de que, além dos artesãos que já trabalham conosco, a empresa iria também ficar tranquila, apesar dessa ser uma discussão interminável. Eu conheço bem o couro, mas não tão bem quanto os artesãos. São eles que me dizem: “não tem como utilizar esse couro porque para uma bolsa ele é muito mole”. Aí surgia um projeto de um artista que precisava de um couro liso, mas muito maleável, e eu me lembrava do couro descartado. Para ser sincera, apesar de todos os obstáculos, a Hermès acabou por me deixar construir a Petit h. Julgo que eles ficaram curiosos. Eu penso cada vez mais que é algo que é compreendido. Para mim, de todo modo, era realmente uma necessidade, uma obrigação, uma responsabilidade. Eu achava que eu devia fazer esse projeto porque sentia que era necessário olharmos para todos esses materiais abandonados e esquecidos e criarmos algo com eles. Com o crescimento da Hermès, o processo se acelerou e, como em todos os lugares do mundo, as coleções se engajaram. Ao fazermos objetos para a vida, com materiais de qualidade e durabilidade para uma ou mais vidas, devemos considerar os materiais como um todo, pois esse é o nosso código genético. Também temos um segundo ponto, do qual falamos com muita frequência na Petit h, que é imensamente importante para mim: como podemos imaginar a empresa no futuro? Que materiais usaremos? E se amanhã não tivermos mais couro, ou não pudermos utilizá-lo porque precisa de muita água? E se não tivermos mais seda? Por um momento, isso aconteceu na Hermès; a seda chinesa se tornou uma seda de menor qualidade. Agora cem por cento da nossa seda é produzida no Brasil. Nunca se sabe. E se as pessoas que cultivam as amoreiras e a seda desaparecerem, que materiais utilizaremos? Então o tema da reutilização é paralelo a um outro tema que para mim é muito importante: a inovação, a reflexão sobre os materiais. E se não conseguirmos matéria-prima natural? Além disso, também é muito importante para mim o trabalho manual, que deve ser preservado. Aliás, em 2009, para responder à sua pergunta, a empresa queria que eu tentasse [o projeto Petit h], mas eles não estavam nada seguros disso — éramos três pessoas apenas. Mas agora se vê bem, em 2017, que cada vez mais os jovens (eu adoro as novas gerações, mesmo as mais novas que os meus próprios filhos) estão voltando à ideia de fazer as coisas por si mesmos. O trabalho manual está reaparecendo. Eu penso que o homem é feito para isso, para saber fazer suas próprias coisas. Apesar da nossa empresa ser sempre associada a uma ideia de luxo, acredito que nós somos uma manufatura. Melhor, nós somos uma bienfacture [palavra suíça que significa realizar trabalhos de boa qualidade]. Somos artesãos, e eu me orgulho disso. E é preciso imaginar um artesão contemporâneo, um artesão do futuro. Quando eu comecei na Hermès, há quarenta anos, o couro era cortado à mão, depois tivemos os vazadores de couro, e hoje usamos máquinas chamadas Teseo. Com a Petit h, eu tentei cortar o couro com jato de água, com laser… No início me diziam que seria impossível, e foi trabalhando com outros materiais que eu tive a ideia de utilizá-los para o couro. Um laboratório é um campo infinito de reflexão, e eu acho que, de novo, para uma empresa como a nossa, me alegra muito transmitir essa paixão e tentar não interromper essa história magnífica. Ela foi transmitida familiarmente pela minha família e pelos nossos clientes: é incrível ter clientes que trazem objetos para consertar, objetos que pertenceram a seus avós, a seus bisavós! Nós retomamos um processo de criação, de fabricação, às vezes quarenta, cinquenta, sessenta, cem anos depois, e é isso que faz a nossa empresa. Então, respondendo à questão, eu acho que é interessante que nos questionemos sobre os materiais, sobre os materiais abandonados, sobre upcycling. Eu sempre ouvi dizer que nós fazíamos objetos que se tornam nobres com o tempo, que o tempo se encarrega das coisas. Na verdade, a Petit h me permite testar novos formatos. Porque as pessoas vivem de um jeito diferente e, até pouco tempo atrás, não sabíamos consertar nossos objetos e os jogávamos fora para comprar outros. Era cíclico. É isso que me interessa.
Qual você acha que será o futuro do capitalismo?
Oh là là! (risos) Ontem eu estava num trem lendo um jornal distribuído gratuitamente, e nele tinha um artigo falando sobre um estudo que a CIA fez no mundo inteiro sobre as próximas duas décadas. Esse estudo foi feito e foi colocado na mesa do Trump. Tem uns vinte pontos, mas nesse jornal apareciam somente dez, que falavam de desenvolvimento sustentável, da ascensão do populismo, dos jovens, do capitalismo. Claro que precisamos considerar que o estudo foi desenvolvido pela CIA para os Estados Unidos, mas não deixa de ser atual e um reflexo da sociedade. Ao lê-lo, achei um pouco duro demais, pessimista. Penso que os jovens que eu encontro, a geração que está surgindo, está muito à frente. São muito maduros em alguns temas, menos noutros, mas, por conviver com eles, tenho boas esperanças. Talvez as mudanças não se façam na geração dos meus filhos, mas acredito que ocorrerão na seguinte. Acho que a natureza do mundo faz com que as coisas sejam extremas em alguns momentos. Talvez este ciclo que estamos vivendo tenha ido longe demais, com todas estas crises pelas quais estamos passando neste momento. Mas elas são como a natureza.
Você quer saber por que eu tenho esperança? Porque eu acho que o pequeno exemplo da Petit h, o fato de jornalistas virem me ver, de eu receber diversos prêmios, mesmo sendo apenas uma pequena tentativa de falar em alto e bom som sobre o que faz a beleza do mundo, é um exemplo, e me faz acreditar num futuro mais calmo. Talvez eu não esteja aqui para vê-lo, mas eu acredito. Existem iniciativas como a minha pelo mundo afora. Meu filho Maxime faz parte de um projeto com a AFP [Agence France-Presse, agência de notícias francesa] para que todas as manhãs os assinantes acordem com boas notícias, apenas boas notícias, só isso. Mas as boas notícias são as iniciativas, as coisas que podem fazer a diferença, não que a rainha da Inglaterra teve mais uma neta — enfim, essa é uma boa notícia também, mas… No lugar de ter boas notícias, você acorda de manhã e fica sabendo de tudo o que acontece no mundo. Não significa que temos que fingir que isso tudo não existe, porque você deve conhecer a realidade… Mas, por exemplo, atualmente só se fala do sujeito que cortou a família em 45 pedaços. Mesmo assim há uma melhora, há iniciativas que vão fazer com que pensemos de outro jeito. Esse é o meu lado positivo (risos). Eu acredito.
Como você acredita que seu trabalho pode vir a influenciar o mundo e as futuras gerações?
Ah, não é para tanto. Seria demais para mim. Espero simplesmente que o meu trabalho influencie meus filhos. É uma experiência com a qual gostaria de demonstrar que não é possível ter algo valioso na vida sem trabalhar, que é preciso ter bom senso e vontade. Espero também influenciar a empresa — eu vejo que já está acontecendo, a empresa já está trabalhando de um jeito diferente. Depois, para o mundo, se o meu trabalho for copiado, eu ficaria contente, pois isso significaria que é uma boa ideia. Meu objetivo é também transmitir paixão pelo meu trabalho. Com frequência eu falo para as pessoas que eu encontro: “espero que você tenha na sua vida a sorte que eu tive, de gostar do seu trabalho tanto quanto eu gosto do meu”. E, no entanto, eu não sei fazer nada, não sei costurar, não sei desenhar, não escrevo bem, nada disso, mas eu tenho a sorte de proporcionar encontros. Eu gostaria muito de fazer com que as pessoas se sintam felizes e orgulhosas do trabalho delas. Mas influenciar o mundo…
Qual você acha ser o papel das artes neste momento de tanta ambiguidade em que vivemos?
Para mim, não é apenas neste momento. Acho que a arte é realmente essencial, porque nos traz reflexões. Veja bem, se tem uma coisa pela qual sou grata à família em que eu nasci, é que eu tive à minha volta pessoas que me pegaram na mão e que me deixaram fazer minha própria educação artística. Mas também tive sorte, nasci num bairro em que pude frequentar escola pública, e perto da minha casa tinha a escola da Opéra de Paris, o Conservatório de Música e o Conservatório Dramático. Então eu e minhas amigas mais próximas íamos à escola de manhã e, à tarde, íamos à Opéra para dançar e ter aula de música. De noite, havia concertos, ópera, teatro, cinema. É óbvio que isso fez com que eu me interessasse pela arte. Mas, além disso, os artistas são aqueles que nos fazem reagir, gostemos ou não do que fazem. Eu, quando as coisas não estão bem, vou ver uma exposição. Agora, por exemplo, eu estou com muita vontade de ver uma exposição em Londres, na Royal Academy, chamada Revolution, sobre a criação artística na Rússia entre 1922 e 1930, a história de todos esses russos que inventaram uma nova arte. Olhando o catálogo e me colocando naquela época, fiquei pensando que essas pessoas não foram reconhecidas imediatamente, mas elas, através da arte, falaram, reagiram, inventaram. A arte é realmente abrir portas, e pode fazer despertar coisas incríveis. A arte é essencial.
O que mais te satisfaz no seu trabalho?
Quando eu comecei a Petit h, eu comecei com um artesão. E esse artesão trabalhava na Hermès há uns dez, quinze anos. Era alguém que estava sempre lá. Fazíamos e adorávamos nossos objetos. E um dia, uma manhã, eu cheguei no ateliê e perguntei: “O que foi que aconteceu? Você mudou. Cortou o cabelo? Emagreceu, engordou?”. Ele tinha mudado realmente. Eu disse: “Encontrou uma namorada?”. E ele me disse: “Não, sou casado há bastante tempo”. “Então você vai ser pai”. Tinha realmente alguma coisa que havia mudado. E aí ele me disse uma coisa que me emocionou imensamente: “Eu estou realmente muito feliz. Eu me levanto todas as manhãs empolgado para chegar no ateliê”. O que mais me satisfaz é o retorno dos artesãos, mesmo daqueles que não trabalham na Petit h e que, depois de um tempo, me dizem: “eu adoraria trabalhar na Petit h”. Também tem a satisfação de que objetos, por exemplo, de Nathalie Dewez ou de Julio Villani, estejam nas nossas vitrines. É a satisfação de que as coisas estão avançando, estão sendo entendidas. É uma alegria indescritível. Além disso, cada objeto, para mim, é como uma coisa viva, porque são pessoas. Eu adoro quando recebo um recado de uma cliente que diz “eu estou usando!”. É esse o prazer. Eu me lembro da primeira vez que colocamos os objetos da Petit h à venda, na loja da Rue du Faubourg Saint-Honoré. Eu disse para as minhas irmãs: “Vou dar dinheiro para vocês virem comprar, porque eu quero continuar esse projeto. Venham, comprem!”. E não foi preciso. Foi uma grande satisfação, talvez tenha sido a melhor: a de ter podido ter um sonho e de realizá-lo.
Quais são seus planos para o futuro?
Para o futuro, eu espero que a Petit h cresça, mas que continue pequena. De verdade. E que depois eu a deixe nas mãos de alguém que vá continuar a aumentá-la da sua maneira. E, pessoalmente, eu gostaria muito de aprender a trabalhar com cerâmica, que eu adoro. Meu próximo projeto é aprender o português do Brasil. E me dedicar um pouquinho mais ao que eu faço em uma escola chamada Out of the box, em Bruxelas, que ajuda crianças com problemas escolares, mas que são brilhantes, e que não têm um contexto social que as ajuda a se desenvolverem. Eu também sou presidente da Villa Noailles, em Hyères, e lá eu espero ampliar os projetos. Já existe o Festival da Moda, o Festival do Design. Quero conectar, ajudar a descobrir fotógrafos, criadores, designers, e continuar nesse cruzamento entre criação e arte. Eu nunca entendi bem essa fronteira entre artesão, artista, criador, designer. Acho que nós colocamos as pessoas em caixinhas, e pode haver um artista que venha a ser um ótimo designer, um designer que pode desenhar ou pintar muito bem. Quero estar sempre no encontro desses vários mundos. E continuar a viajar, porque é algo que adoro.
Quais são suas referências? Quem, ou o que, te inspira?
Ah, tem realmente muitas coisas que me inspiram. Pode ser alguém que eu encontro na rua, uma vitrine, um quadro, o Julio Villani. O que eu gosto, em especial, é quando pessoas que me conhecem bem me dizem “vá ver isso, vá ver aquilo”. É uma coisa que me diverte, porque raramente me decepciono. Muitas coisas me interessam. Trabalhar em jardins, por exemplo, não é algo que eu conheça muito bem, mas acho interessante, porque é um mundo todo ali: colocar as sementes na terra, ver crescer, cortar, viver com a natureza, o seu ciclo. Eu acho esse trabalho de uma humildade incrível. Mas, ao mesmo tempo, me interesso por coisas tão sutis como criar um perfume difícil, ou com a escrita. E ter a sorte de encontrar pessoas que têm a arte da alegria, da felicidade. E, claro, tem os artistas, os artistas me inspiram enormemente. Acabei de voltar da Coreia, e lá eu vi pessoas que trabalham o papel de um jeito extraordinário. Vi recentemente uma exposição de Larsson [Carl Larsson, pintor sueco] que me deixou maravilhada. Eu sempre adorei Calder [Alexander Calder, escultor americano]. Gosto das coisas leves e móveis, sou apaixonada pelas cores. Muitas, muitas coisas me inspiram. Estou feliz, porque durante toda a minha vida eu pensei que eu gostaria muito de ser como a minha avó, que me inspirou muito — ela morreu aos cem anos cheia de desejos. Eu penso que a pior coisa que poderia me acontecer é não ter mais desejo, ser blasée, acreditar já ter visto tudo, ouvido tudo. Um filme, uma música. No último sábado, fui ver um pianista que eu nunca tinha ouvido de verdade, chamado Sokolov [Grigory Sokolov, pianista russo], e durante a primeira parte eu estava entediada, fiquei me perguntando “mas por que este homem é tão famoso?”. Porque é claro que ele tocava extraordinariamente bem, afinal é um dos melhores pianistas do mundo. Era normal que tocasse bem, mas não me emocionava. E então eu ouvi a segunda parte e fiquei boquiaberta, era realmente magnífico. Depois as pessoas pediram bis, ele voltou e tocou — a essa altura ninguém mais se mexia, duas, três, quatro, seis vezes ele voltou, uma hora e meia de bis. Foi extraordinário, e desde então eu estou meio aérea. Fiquei pensando que os artistas, para responder à pergunta, são pessoas extremamente generosas, que ultrapassam esta dimensão. E estes contatos me fascinam.