Quando esta edição de Amarello completar um ano, o Brasil estará em plena campanha eleitoral, próximo às eleições que definirão quem vai nos governar no período seguinte. E, como de costume, muito vai se falar sobre planos de governo, aquele documento raramente lido.
Na maioria das vezes o que acontece é o uso meramente eleitoral do plano de governo: em torno dos candidatos juntam-se especialistas, que se desdobram para divulgar e debater as propostas de gestão para os próximos quatro anos. Finda a eleição, não se toca mais no assunto. Isto é: algo que já seria efêmero se durasse os quatro anos previstos torna-se um instante que, antes da posse, já estará esquecido.
Disponível em tudo na vida, o lado bom neste caso é o engavetamento das bravatas mais esdrúxulas. O lado ruim, ou o pior, é não mostrar aos cidadãos que a maioria das ideias é convergente. Afinal, as pessoas querem basicamente as mesmas coisas: educação, saúde, justiça, equipamentos públicos decentes. Mas, apesar de razoáveis, os temas se tornam controversos quando ambos os lados discutem apaixonadamente.
A polarização entre PT e PSDB serve para mostrar como o debate funciona mal. A marca positiva do governo petista é o Bolsa Família. A rigor, o programa de transferência de renda nada mais é do que a concentração e a expansão de diversos outros programas iniciados no governo tucano, como o Bolsa Escola. Mas, na cabeça dos petistas, o mérito é todo deles, e, na dos tucanos, o princípio foi desvirtuado.
Os programas de transferência de renda só alcançaram esta dimensão porque, na primeira década dos anos 2000, atravessamos um momento econômico raríssimo de tão favorável, e que só pudemos aproveitar por causa da estabilização proporcionada com o sucesso do Plano Real, liderado pelo ex-presidente Fernando Henrique. A ironia é que o PT votou contra o Real, mas Lula só seria eleito depois de assinar a Carta ao Povo Brasileiro, garantindo a manutenção da política econômica. Diante da adesão petista, os tucanos até hoje não souberam afinar o pio, digo, o discurso.
Para encerrar em três exemplos, vamos ao “grande mal” recente sofrido pelo Brasil: privatizações. Elas permitiram avanços tremendos onde aconteceram: mineração, energia, infraestrutura, telecomunicações. Mas os tucanos que as fizeram não as defenderam, e os petistas esticaram a coerência ao ponto da teimosia, ou até encontrar uma saída semântica: agora as privatizações chamam-se concessões.
O que fica de bom desse maniqueísmo é muito pouco. A própria alternância de poder, princípio que todo democrata deveria reconhecer, acaba perdida ante o revanchismo. E os planos de governo acabam seguindo pelo mesmo caminho, um ciclo vicioso que impede a continuidade e, com efeito, o desenvolvimento do país.
Daí a urgência em superar divergências pontuais e ter um olhar mais amplo. Mais do que um plano de governo, um plano de Estado. Mais do que um governante, um estadista. Quem quiser deixar um legado vai ter de ter este espírito. No curso da vida cada um trilha seu caminho. Se for bem feito e capaz de atender a toda gente que vem atrás, será legado. O resto passa.