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Artes Visuais

A alquimia de Gabriel Massan em busca de universos possíveis

Da Baixada Fluminense para o mundo, Gabriel Massan conquistou um espaço que parecia não lhe pertencer. Quando pequeno, ninguém lhe disse que havia vida para além do Rio de Janeiro e que a arte era, de fato, uma possibilidade. Isso porque, talvez, não fosse. Porém, quando descobriu que bastava criar um mundo para que ele fosse seu, todos os espaços que um dia lhe foram negados sorriram de volta. 

Hoje, no cruzamento entre arte, tecnologia, videogames e inovação, Massan ilumina o cenário artístico com uma luz que é impossível ignorar. 

Sua obra, ousando transgredir as convenções de até mesmo as formas narrativas mais recentes que ainda estão se descobrindo, amalgama inteligência artificial, realidade aumentada, esculturas virtuais, interatividade e hologramas. Essa sinfonia de elementos confere a sua jornada artística um lugar de destaque no cenário artístico internacional. Traz consigo uma perspectiva única, rara de se ver: quantas vezes vimos um artista citar os jogos Final Fantasy e The Sims como influência? Esses ingredientes, aliados a animes, filmes de Glauber Rocha e incursões teatrais, moldam os alicerces da identidade brasileira de Massan, ora sofrida, ora dançante. Anos mais tarde, apresenta agora ao mundo uma produção que não apenas reflete o seu tempo, mas o transcende, ecoando ressonâncias do passado. 

Em suas obras, busca desbloquear universos de possibilidades, transformando-os em experiências virtuais palpáveis e incorporando a eles símbolos que cabem em épocas e culturas diferentes. O mais animador reside na certeza de que há ainda mais a ser descoberto por Gabriel. Quem ousar fechar os olhos por um instante, despertará diante de alguém que prefere dançar sobre as extremidades, construindo universos digitais num mundo excessivamente real. 

Diante de tanto destaque e do inegável magnetismo de suas criações, lidera a colaboração especial em comemoração aos 75 anos do ícone Serpenti no Brasil. Essa aliança não somente sublinha a expressão artística de Massan, mas também simboliza a fusão de sua narrativa pessoal com a rica história da Bulgari. O propósito é claro: entrelaçar a tradição da joalheria com uma visão que é singular, gerando uma experiência que costura o legado da Serpenti com os sonhos incipientes de novos artistas. 

Com menos de 30 anos de idade, as criações de Gabriel Massan não são meros reflexos da diversidade cultural brasileira, mas também testemunhos de seu compromisso com questões sociais e ambientais. Nesse contexto, sua colaboração com a Bulgari representa uma simbiose de tradição e inovação, uma imersão nas profundezas da complexidade da Serpenti. Na celebração dos 75 anos de um ícone em constante renovação que representa uma busca sem fim por novas interpretações de si mesmo, nada mais justo do que contar com a visão de um artista que

transcende barreiras, entrelaçando passado, presente e futuro numa dança caleidoscópica de criatividade. 

Ao olhar para a sua trajetória pessoal, como as experiências paradoxais da sua infância na Baixada Fluminense, entre a dureza cotidiana e o colorido do samba, influenciaram a criação de universos e mundos alternativos em sua obra? Como esse caminho todo culmina na sua produção atual? 

Gabriel Massan: Meu primeiro contato com a arte se deu pelo teatro. Acho que também por uma grande influência do meu pai, que foi ator. Participava de peças no Tempo Glauber, em Botafogo, no Rio, ao mesmo tempo em que me interessava por animação e 3D. Eu já conhecia o jogo Final Fantasy, era apaixonado por anime e curtia as animações da Disney, da Pixar. Até que em dado momento eu saio do teatro e passo a frequentar lan houses e, pouco depois, ganho o meu primeiro computador. Por viver numa região violenta, as outras crianças da minha rua costumavam jogar jogos que conversavam com essa realidade, como jogos de tiro, Counter Strike, esse tipo de coisa. Mas eu tinha um interesse em recriar a vida, então eu jogava The Sims. Com esse jogo eu começo a construir narrativas com a minha tela e publicar no YouTube. Então, passando a primeira parte da minha adolescência, acho que até uns 15 ou 16 anos, eu passei na internet publicando essas séries, construindo roteiros e meio que aprendendo a usar ferramentas de edição de vídeo e imagem. A realidade de ser artista não fazia muito parte do meu recorte, né? Não era uma possibilidade de vida que me foi apresentada. Então, na hora de escolher carreira, eu vou para publicidade, que é onde eu acreditava poder criar, construir essas narrativas de algum jeito. Mas logo acabo desistindo, depois de ganhar uma bolsa para duas escolas de artes. 

Você conseguiu essas bolsas com trabalhos de faculdade, de publicidade? Ou foi de outro jeito? 

GM: Fiz um ano de faculdade em uma instituição privada e, depois, ingressei em uma faculdade pública no interior de Minas Gerais, onde me envolvi nos movimentos estudantis. Ali tive mais contato com áreas como antropologia e estudos de mídia, e isso despertou meu interesse pela dimensão política da comunicação e pela condição humana como ser social. Ao retornar para o Rio de Janeiro, já estava desinteressado na abordagem comercial da publicidade, querendo buscar novos cursos. Consegui uma bolsa na Escola de Arte e Tecnologia Oi Kabum! e outra na Escola de Artes Visuais Parque Lage, onde me aprofundei em Videoarte e Videoinstalação. Aí comecei a desenvolver um forte interesse por diferentes cinemas, incluindo o trabalho de Glauber Rocha. Foi nesse período que mergulhei com tudo no audiovisual, o que me levou ao 3D.

Sua vida atual, que é um tanto itinerante, influencia suas criações? No sentido de soma. Como as cidades pelas quais você passa e passou moldam sua perspectiva artística de eterna imigração e expansão? 

GM: Por conta dos eventos de anime e do teatro, eu me deslocava bastante, o que não era muito comum na minha região. Isso porque a mobilidade urbana no Rio já é bastante sacrificada, ainda mais se você não está dentro da parte turística. Então, ao conhecer mais lugares e expandir um pouco a minha visão, consigo entender a complexidade da cidade, até por ter amigos em diferentes regiões e, às vezes, demorar três horas para chegar na casa de alguém. Nesse momento, comecei a entender que eu gostava de transitar, de poder habitar diferentes espaços e também de ser diferentes pessoas, gesticular de diferentes formas. Acho que, a partir do momento em que você amplia o seu entendimento do território, sua identidade também começa a se ampliar. Me interessar pelos diversos lugares e possibilidades do Rio acho que foi o que virou essa chave, porque aí depois eu vou para São Paulo, vou para Minas, vou para fora do Brasil. Eu sempre estou interessado nas formas como as pessoas vivem nesses diferentes territórios e como eu posso perceber a minha existência nesses locais também, explorando possibilidades e entendendo o que posso vir a ser. É uma abertura para conhecer e compreender as coisas. 

Você falou de algumas referências que são bastante populares, como Final Fantasy e The Sims. No mundo da arte, nem sempre vemos pessoas citando jogos eletrônicos. A arte digital parece ter um poder de inclusão maior. Qual é a sua perspectiva sobre o papel dessas técnicas na narrativa contemporânea, destacando como essas formas de expressão contribuem para a promoção da inclusão e diversidade? 

GM: A arte digital, para mim, representa um novo emblema, uma nova expressão dentro desse contexto, comparável à arquitetura. Apesar de minha formação técnica e não acadêmica, minhas influências vêm do cinema, dramaturgia e samba, moldando minha capacidade de construir um mundo imaginário. Esse processo me fez perceber que, antes de me considerar um artista, eu primeiro crio a obra e, posteriormente, questiono se é arte. O mesmo ocorreu com minha incursão na arte digital. A curiosidade inicial foi repensar o propósito da ferramenta, algo que acredito ser comum a muitos artistas. Acredito que a essência é ter acesso à ferramenta, visualizar suas possibilidades e, instintivamente, explorá-la de maneira inovadora. Ao longo dos anos, meu foco mudou para games e experiências interativas, algo impensável há duas décadas, sem uma grande indústria. Essa evolução tecnológica respinga não apenas nas áreas mais óbvias, mas também na arte, trazendo a arte digital para o contexto atual da sociedade. 

Você está desenvolvendo três obras de arte NFT para a Bulgari, com os lucros destinados a projetos sociais que promovem a inclusão de mulheres no mercado de tecnologia no Brasil. Como isso se integra à sua visão artística e ao impacto social que você busca alcançar? 

GM: No meu trabalho, vejo um impacto social significativo. Quando compartilho o conhecimento que adquiri sobre a tecnologia de uma certa forma e imagino compartilhar isso

com a sociedade, percebo um impacto social direto e indireto. Trabalho com múltiplas perspectivas em minhas obras, seja nas ruas, nas diversas interpretações do meu trabalho ou nas várias formas de interagir com ele. Gosto de trazer essa liberdade para as pessoas. Discutir tecnologia em arte de uma maneira que tenha um impacto social significativo é trazer o público de diferentes idades para essa discussão. A arte digital, por sua natureza democrática, torna-se acessível a todos, uma vez que a maioria de nós possui smartphones. A arte está literalmente nas mãos de todos, sem a necessidade de sair de casa ou pagar ingressos. Isso tem uma extensão significativa. No contexto do Brasil, é crucial ressignificar o espaço das artes, desafiando noções arcaicas e promovendo uma compreensão mais inclusiva. 

A digitalização desempenha um papel vital nesse processo. Seja na forma de exposição da arte, como a Bulgari que leva a arte para as ruas, eventos e redes sociais, ou na mídia em geral, a digitalização ajuda a redefinir o conceito de arte. A arte precisa ser acessível a todos, permitindo que o imaginário e a fantasia se tornem tangíveis, proporcionando discussões sobre outros mundos, vidas e formas de existir. 

Hoje em dia, é muito esperado que artistas se posicionem politicamente e tenham um impacto social claro. Essa pressão para que pessoas públicas se manifestem pró ou contra isso e aquilo é evidente, o que pode ser desafiador. Como um artista queer, negro, como você enxerga seu papel na celebração da autenticidade e diversidade por meio da arte? 

GM: Acredito que a pressão existe, mas também vejo o papel do artista, pelo menos para mim, como o de confundir e apresentar perspectivas diversas, quebrando expectativas preestabelecidas. Em meu trabalho, muitas vezes enfrento a dificuldade de ser enquadrado em uma arte negra, pois não estou discutindo a negritude de forma convencional. Trabalho com formas humanas, e acredito que estou explorando mais a minha experiência como alguém que vive em um território desigual, uma experiência que classifica a negritude de uma maneira e a branquitude de outra. Minha abordagem é mais uma reflexão da experiência pessoal, a partir das noções de mundo, sistema e política que tenho. Minha discussão sobre política parte da responsabilidade de fazer com que a audiência não apenas discuta a obra, mas também se torne parte integrante dela. Conceder poder de agência e responsabilidade ao participante é fundamental. Dessa forma, propondo essa participação, meu trabalho se torna político, ainda que não necessariamente de maneira tradicional. 

Gosto de situar minha arte no contexto latino, como na exposição da Serpentine Gallery, onde discuti a desigualdade social e a forma como eu e outros artistas navegamos por essas questões. Muitas das problemáticas que abordo são apresentadas de forma subjetiva, trabalhando no Brasil com uma dimensão latina, reconhecendo a complexidade e fetichização do tema. No entanto, essas questões são globais e poderiam ser realidade em outros lugares, como na Indonésia ou na África do Sul, uma vez que a desigualdade econômica, o racismo e a guerra são discussões

globais. Ao trazer uma estética humana para o meu trabalho, busco explorar o inconsciente e despertar o interesse das pessoas pela linguagem corporal e interpretação. Vejo meu trabalho como um espelho, e o que me interessa é como as pessoas se veem quando confrontadas com certas imagens, cenas e experiências. 

Conte um pouco mais sobre a instalação interativa itinerante Infinite Tales, pensada a convite da Bulgari 

GM: Inspirado pela história da marca, especialmente por artistas como Andy Warhol, decidi seguir uma abordagem histórica, considerando que o criador da Bulgari era grego e, portanto, um imigrante, o que ressoou com a minha própria história. A narrativa que criei focou em sua jornada, migrando da Grécia para Roma, um berço do luxo na época, em busca de um lugar onde seu talento pudesse prosperar. Essa narrativa se estendeu pela família dele e isso me interessou muito, esse movimento de levar conhecimento para outro lugar, expandindo-o por meio de sua própria linhagem. 

Minha intenção era criar algo moldável, que existisse em diferentes formas e lugares. Ao fazer um recorte em São Paulo, busquei a conexão entre a Bulgari e a cidade, entre a Serpenti com São Paulo. Descobri, então, que há uma espécie rara de jiboia em São Paulo, que ressurgiu após anos, mesmo com desmatamento significativo na região. Isso me intrigou, pois São Paulo já foi um encontro de diferentes biomas, modificado pelas mãos humanas ao longo do tempo. Para construir o misticismo da serpente baseado nessa raridade, fiz testes com diferentes cores, inspiradas na paleta da marca. A serpente foi composta por partes separadas, como cabeça, peito, rabo e corpo, sendo possível adicionar mais peças, como um colar ou um bracelete. E também queria brincar com o imaginário brasileiro, remetendo às serpentes de um real que moldávamos na infância, dando uma perspectiva luxuosa e rara. Assim, nasceu o símbolo da serpente, que se tornou o foco do evento de lançamento da colaboração e se expandiu por diversas formas, incluindo escultura digital, pintura, animação 3D, projeções de videoarte online, e NFTs. Estamos construindo essa colaboração explorando novos territórios e possibilidades.. 

Conte um pouco mais sobre as possíveis interações que existem com a sua serpente. 

GM: Por exemplo, a cada vez que eu desenvolvo uma peça com a serpente, eu moldo o corpo dela de maneira diferente. Posso criá-la longa e sinuosa ou pequena e separada, quase como uma joia independente. Essa flexibilidade que construí durante o processo de pesquisa permite que eu brinque com o tamanho e a forma em cada peça. A dinâmica se conecta diretamente com a Serpenti da Bulgari. E essa abordagem se estende a praticamente todas as minhas produções. É uma ideia de arte viva, que se adapta e evolui ao longo do tempo.