Portfólio: Ricardo Alcaide
No prefácio do catálogo de sua exposição de 1964, Arquitetura sem Arquitetos (Uma Breve Introdução à arquitetura Sem Pedigree), que ocorreu no Museu de Arte Moderna em Nova York, Bernard Rudofsky escreveu que, na época, tratava-se de um tema “tão pouco explorado que ainda não tem um nome.” Para Rudofsky, um pioneiro nos estudos de arquitetura vernacular nos anos 1960, a história da arquitetura ocidental não passava de um “catálogo de arquitetos famosos por celebrar o dinheiro e o poder”, cujo conjunto de obras limitaria as possibilidades para referências arquitetônicas futuras. Acreditava ser fundamental explorar outras histórias arquitetônicas pelo mundo. Nas cinco décadas conseguintes, muito foi feito, notavelmente por Paul Oliver em sua obra-prima Dwellings (1987). Porém, para mim, a obra magra e ilustrada de Rudosfky permanece essencial e inspiradora.
Rudofsky reconhece a estranheza de sua frase, “arquitetura sem pedigree”, e oferece algumas nomenclaturas alternativas: arquitetura vernacular, anônima, espontânea, indígena, rural. Esta lista é uma ponte para começar a pensar nas obras mais recentes de Ricardo Alcaide, que passou anos trabalhando entre três capitais – Caracas, Londres e São Paulo. Cada vez mais o trabalho de Alcaide foca as possíveis soluções arquitetônicas às situações sociais. Se interessa especialmente nas contribuições, muitas vezes desconhecidas, da arquitetura vernacular global ao Movimento Modernista na América Latina. Uma das questões perenes de sua prática é como pessoas, em ambientes diversos, lidam com a exclusão socioeconômica.
Em seu livro Dwellings, Paul Oliver nota que moradias nômades, “sejam elas erguidas rapidamente para uso imediato ou pernoitadas, para uso mais intermitente ou prolongado, ou para ocupação semipermanente, serão condicionadas de certa forma pela sua função dentro da vida econômica e social do grupo”.
O projeto de Alcaide está engajado, poética e politicamente, dentro de um discurso de intercâmbio multicultural. Também se interessa profundamente pelos diálogos físicos e psicológicos entre a superfície do corpo – a pele – e a arquitetura temporária. Em fotografias dos sem-teto em Londres, por exemplo, seus corpos marcados pelas suas experiências, doenças e a poeira da cidade, foi desenvolvida uma série em que detalhes da pele desses londrinos foram digitalmente transplantados sobre imagens dos outdoors gigantes típicos de São Paulo, e transformados em réplicas minúsculas em fórmica.
Para viver plenamente, temos que poder sonhar. O título da obra conjunta de Alcaide, A Place to Hide (Um Lugar para se Esconder), propõe essa ambiguidade fundamental, sem oferecer respostas claras. Uma obra parece oferecer uma resposta, mas imediatamente outra desfaz esse entendimento. Um grupo de imagens nos convence que é um catálogo de um tipo de humanidade que se prolifera em zonas de crise, mas outro logo nos mostra detalhes de moradias e espaços públicos e privados totalmente diversos.
Contrabalançado no espaço entre o poético e o político, a justaposição das imagens e objetos de Alcaide passa livremente entre o lúdico e o brutal, ou, materialmente, do macio ao duro. As imagens, expostas sob o título original, A Place to Hide, suscitam perguntas delicadas e engraçadas através de objetos como: uma pia, um canto, vasos de plantas, arranha-céus de última geração… Cultura alta e baixa convivem facilmente nas imagens de revistas de design recortadas e reconstruídas nas formas de edifícios modernistas; a arte gráfica desbotada dos muros da cidade refeita em esculturas de fórmica imaculada. Ao propor muitos tipos de arquitetura dentro do mesmo arquivo, A Place to Hide, Alcaide nos volta o olhar, repetidas vezes, às origens do abrigo.