A expressão está surrada, mas a imagem está aí e, a despeito do aquecimento global, tão logo não vai derreter: “a ponta do iceberg”, através da qual se imagina o tamanho da montanha de gelo boiando com pelo menos 80% de seu volume submerso.
Em quase tudo na vida, e especialmente em política, o tempo pelo qual o Homem é avaliado pode ser considerado a ponta do iceberg. Nas artes, dizem de uma obra que ela levou tanto tempo sendo composta. Na agricultura, comparam a produção por safras. Nem o amor escapou: teve sua medida condenada ao tempo de duração. E o legado de um político é vulgarmente reduzido aos anos de seu mandato.
É uma simplificação da vida prejudicial a todos nós. Tão óbvio como a parte submersa do iceberg é que o tempo de uma obra de arte vai muito além do estágio de confecção; que, numa lavoura, a história da terra conta mais do que a da safra; que o amor só é amor se for eterno; e que o mandato de um político começa muito antes do dia da posse. Mas a gente se acomodou a enxergar só a ponta do iceberg.
O caso do presidente Tancredo Neves é exemplar. Lutou anos a fio pela redemocratização, pelas eleições diretas para a Presidência da República, transformou o colégio eleitoral revertendo a maioria a seu favor e contra o candidato da ditadura militar, e foi eleito, mas, antes de tomar posse, acabou vitimado por uma diverticulite.
Qual seria, então, o tempo do Doutor Tancredo? Começa no esforço incondicional pela travessia rumo à democracia? Ou antes, como parlamentar, ministro, primeiro-ministro, governador? Ou muito antes, pela genética herdada do avô José Juvêncio das Neves, que enfrentou o Império na luta pela República?
Como poderíamos definir a qual tempo ele pertence se, trinta anos depois de sua morte, ainda continuamos a admirar sua obra como se apresentada ontem? Como restringir a importância do que plantou a um período, se a democracia ainda é tão verde e tenra e requer cultivo perene? Como dimensionar o sacrifício da própria vida, através da saúde negligenciada, se não como um amor infinito pelo Brasil? Este é o legado político de Tancredo Neves, o da dedicação total à causa, à utopia, à liberdade.
Em política, o tempo é o que separa os Homens. Políticos comuns ajudam a construir a História. Mas a História só pode ser contada através da participação dos estadistas. E, para eles, o tempo é mero detalhe.
Mero detalhe
por Léo Coutinho