Começo essas primeiras palavras numa mesinha aqui fora, na Benjamin Abrahão. São sete da manhã de uma quarta-feira e a padaria ainda está vazia. Quer dizer, estamos eu e Antônio, sentado na minha frente no carrinho, chupando a gola do seu moletom azul. Agora tudo vai pra boca… “Alá!”, ele me grita.
Assim que o olho de volta, ganho uma risadinha. É uma boquinha escancarada, toda banguela, com uma linguinha pra fora. É uma carinha tão fofa, que sou obrigada a me levantar, quase comer suas bochechas, e voltar pra minha cadeira rápido, porque eu tenho coisas pra fazer aqui, Antônio, tenho essa coluna pra acabar. Mas parece que ele não entende: “Alá! Alá!”.
Todo mundo te conta que um filho exige tempo, mas é bem mais do que isso. Um filho exige colo, músculos fortes nos braços, hiperlordose, escoliose, sutiãs cheirando azedo, sono, muito sono, e concentração. Preciso tomar cuidado pra não ficar contemplando ele o tempo todo, não perder de vista a Vanessa que eu era, as coisas que ela fazia, que ela queria, a Vanessa que… “Abu!”
Ganho outra risadinha, que me deixa semi-louca, e reparo no seu moletom azul ensopado de baba. Tento secar com a fralda, mas não adianta. Eu afasto a gola, ele enfia a mão na boca, mais uma de suas cenas. Ainda com dificuldade para controlar sua coordenação motora, a mão lhe escapa, ele grita, depois consegue chupar a mão de volta. Fico boba com a sua persistência. Com a chegada de um casal com uma criança, agora faz força pra se sentar, faz força, faz força, arrisco ajudar mas ele não gosta. Faz um rugidinho de raiva, tipo me deixa, deixa que eu vou conseguir isso sozinho.
“Como ele é esperto”, me diz a garçonete trazendo mais um café. Ele olha pra ela de relance, depois volta pras suas tentativas, sentar, enfiar a mão na boca, chupar o moletom, tudo ao mesmo tempo. “Eu vejo o pai com ele aqui de vez em quando, mas ele não parece o pai não, ele parece contigo”. Depois de três meses vomitando, dezessete quilos a mais, um parto normal sem anestesia, eu acho justo. Antônio é mesmo a minha cara. Tem os mesmos olhos, o mesmo nariz, o mesmo formato de rosto, a mesma boca. Mas a perna é do pai. Igualzinha.
“Auei!”. Essa palavra acho que quer dizer cansei. “Vamos embora, Antônio, vamos no shopping com a mamãe comprar batom”. Passamos quarenta minutos na loja, eu provando todas as nuances de batom vermelho que a MAC conseguiu inventar, ele admirando minhas reações no espelho. A vendedora pasma, “ele não chora?”. Não, “Auei!”, ele só grita. “Abu!”. “Ai, que coisa fofa, posso pegar ele no colo?”. Eu deixo, contrariando todo o risco do vírus disso e daquilo, não consigo dizer não.
Às vezes a gente pondera que uma criança é tão indefesa, que não pode sair de casa, não pode encostar nas pessoas, tudo conversa. Com o Antônio eu sei que uma criança já nasce pronta, já nasce do mundo, já nasce sabendo das coisas. Está certo que por enquanto ele ainda precisa de mim pra tudo, mamar, trocar fralda, tomar banho, etc. etc., e que coisa bonita isso de eu fazer tudo sem me importar.
E pensar que eu nunca me imaginei grávida. Quando soube da notícia, só pensei, puta que pariu, e agora? O que é que eu, este cocô de pessoa, vou fazer com uma criança? Vou ser uma péssima mãe! Eu, essa fulana tão egoísta, que precisa ficar sozinha no mínimo 16 horas, das 24 horas de um dia… A Angelina Jolie já dizia que depois de um filho você melhora como pessoa. Além disso, acho que um filho melhora o jeito como você se enxerga. Todo mundo tem um pouco daquele indivíduo maravilhoso que merece o sorriso de uma criança, um sorriso maior do que o que ela faz pras outras pessoas…
“Abu! Abu!”. Será possível que esse “Abu” quer dizer eu te amo? Abu pra você também, Antônio.
Abui
por Vanessa Agricola