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Os pontos luminosos da educação brasileira

por Caio Dib

Escolas com grades, pichações, falta de merenda, professores desestimulados e com poucos estudantes na sala de aula. Infelizmente, esse ainda é o principal retrato da educação brasileira. A boa notícia é que a imagem carimbada está mudando nos últimos anos, através de iniciativas individuais e de instituições públicas e privadas que não só buscam, mas realizam projetos alternativos, que garantem educação de qualidade e que, principalmente, estão ligados às realidades desses 50 milhões de estudantes.

Em 2013, esse cenário de mudança positiva não era tão claro. E eu queria muito descobrir quais eram as iniciativas que faziam a diferença na educação do Brasil. Saí do meu emprego e da casa em que sempre vivi para iniciar uma viagem de cinco meses de ônibus por 58 cidades do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste. Essa jornada foi chamada de Caindo no Brasil e não seguiu qualquer roteiro determinado por especialistas na área. Foi andando pelas ruas e conversando com moradores das cidades que conheci as melhores pessoas e iniciativas transformadoras na área. Esses projetos encontram-se não só dentro dos muros da escola, mas também em ONGs, quadras, parques, museus ou até mesmo cidades inteiras, onde espaços públicos e privados são usados como extensão das escolas.

“Você tá procurando coisas diferentes em educação, é isso?”
“Isso mesmo!”, eu respondia.
“Então tem que falar com meu tio”.
“Então tem que conhecer uma escola aqui perto”.
“Então precisa ouvir minha história”.

Com esse tipo de conversa, conheci dezenas de escolas públicas e privadas, iniciativas de governos, ONGs e, principalmente, pessoas conhecidas no máximo em âmbito local ou regional. Queria dar luz a essas ações “escondidas” pelo Brasil e divulgar esses projetos.

Uma Casa Grande que fortalece a cultura e a comunicação no Cariri

“Você está plugado na 104,9 e meu nome é Totonho. Eu estou aqui na Fundação Casa Grande há oito anos, e o que me faz estar aqui é a experiência e as oportunidades que temos durante toda a convivência com as outras pessoas.”

A abertura do programa de rádio feita pelo jovem Totonho não seria possível se, em 1992, a Fundação Casa Grande não tivesse sido criada em Nova Olinda, uma cidade de 15 mil habitantes, sendo sua grande maioria em zona rural, no interior do Ceará.

A ONG, conhecida como “Escola de Comunicação da Meninada do Sertão”, ocupa a primeira casa construída na cidade, em 1717. Até o início de 1990, as crianças brincavam de “31 salva todos” – uma espécie de esconde-esconde – e tinham medo da Casa Grande mal-assombrada da rua Jeremias Pereira, quase vizinha à Igreja Matriz. Quase trinta anos depois, as crianças continuam com a mesma brincadeira, mas dentro dos muros da antiga casa “assombrada”, que se tornou um dos principais pontos da cidade.

Conheci o projeto depois de pegar dois ônibus intermunicipais e uma van, que me deixou na beira da estrada que passa por Nova Olinda. Na grande casa azul, aberta a todos, crianças aprendem sobre lendas e cultura da região a partir de brincadeiras populares. Os jovens são profissionalizados aprendendo, com a mão na massa, ao ocuparem posições de produção e direção nas áreas de comunicação e cultura: produzem programas de rádio, vídeos e quadrinhos; fazem a manutenção da DVDteca, da área de arqueologia que resgata a cultura rupestre da região, do único teatro da cidade, entre outras atividades. A ONG também apoia as famílias e os “meninos da Casa Grande”, que já viraram homens e mulheres formados no programa de geração de renda familiar a partir do turismo comunitário.

Os principais responsáveis por essa transformação são Alemberg Quindis e sua esposa Rosiane Limaverde. Apenas com ensino fundamental completo, Alemberg viveu na cidade de Nova Olinda até os nove anos de idade. De volta à cidade, resolveu transformar a Casa Grande em museu e centro cultural, para difundir a cultura material e imaterial do Cariri cearense – famoso pelas peças rupestres e pelas lendas que Alemberg ouvia de Dona Artemísia, uma cabocla da cidade, na infância.

Alemberg também teve muita influência da época em que viveu em Miranorte, uma cidade no atual estado do Tocantins, em uma região sem muitas atrações culturais. O fundador relembrou: “Era uma região que não tinha nada: nem televisão, nem banca de revista. A gente ia comprar revista na cidade vizinha. Mas nesse lugar eu me deparei com o cinema e com um tipo de música diferenciada. Naquela época, a gente escutava coisas de fora, como Bob Dylan. Naquela região era diferente de outras cidades, em que só se tocava música caipira. Isso foi muito importante para a qualidade do nosso repertório. Na Fundação, você nota que as crianças têm um repertório cultural mais selecionado. Isso vem muito dessa época do Tocantins. A base do projeto está justamente na busca da qualidade”.

Com as referências de Alemberg e olhares e ações de todos os meninos e meninas que já passaram pela instituição, a Fundação Casa Grande se tornou uma disseminadora de cultura e comunicação do Cariri cearense e trouxe infinitas possibilidades que mudaram a realidades das pessoas da região e inspiraram outras iniciativas Brasil afora.

E tem muito mais. Durante e depois da viagem pelo Brasil, conheci muita gente envolvida na transformação positiva da educação do país. Tive a oportunidade de conversar com um senhor analfabeto que estava apoiando a filha a se formar no curso de Engenharia de Segurança; uma garota de dezoito anos que formou uma rede de jovens para debater e realizar iniciativas envolvendo educação, comunicação e direitos humanos em periferias de treze estados brasileiros; um projeto milionário que ajudou várias cidades do interior da Bahia a conterem o êxodo rural e estimularem o desenvolvimento comunitário a partir da educação.

Conheci histórias como as de Dayse, maranhense de São Luis, a primeira da comunidade em que vivia a entrar na universidade e que, na época, era monitora de um museu. Quando visitei seu trabalho e a conheci, contei o que buscava e ela disse: “Então você precisa ouvir minha história”. De infância pobre, estudou em uma escola com chão de cimento, merenda insuficiente e trocas de tiros na porta. Oportunidades surgiram, e as políticas de acesso à universidade permitiram que Dayse cursasse História na universidade pública. Em um estágio como professora, Dayse não ouviu seus colegas quando disseram que uma de suas salas era uma “sala problema” e que “não havia o que fazer lá”. Compartilhando sua história, mostrou que aqueles jovens que estudavam em uma escola pública um pouco melhor do que aquela em que havia estudado também poderiam ter acesso a universidades e oportunidades melhores que seus pais e conhecidos.

A educação transforma o país. Conheço algumas dezenas de histórias todos os meses online ou em cafés e eventos, e essas que compartilhei aqui são apenas alguns exemplos disso. Uma revolução silenciosa está acontecendo no nosso país, sendo feita por forças locais e desconhecidas fora de seus raios, e torço para que eu possa divulgar cada vez mais trabalhos e histórias incríveis que mostram essa mudança positiva.