Eu tenho um retardo. Eu quebro todos os computadores que eu tenho. Em parte, isso se deve a uma preguiça desprezível de fazer certas coisas, atualizar programas, desligar a máquina antes de colocar na bolsa, guardar na capinha quando estou na praia. Precisa cuidar das coisas, minha filha, maresia acaba com a máquina.
O primeiro Macbook que eu quebrei, aquele branquinho pesado, foi o primeiro Macbook que eu tive. Aquilo era meu amor. Morreu de download. Era aquela época em que todas as músicas do mundo ficaram disponíveis para serem baixadas e eu surtei um pouco com essa história. Pegava as listas da Rolling Stone, “As 10 Maiores Bandas de Rock”, baixava todos os discos das 10 maiores bandas de rock. Posteriormente, eu ia deletando os que eu não gostava, mas, antes de fazer isso, tinha baixado todas as músicas.
Meu primeiro Macbook branquinho me deixou sem me dever nada. Levou embora meu roteiro, o único roteiro que eu consegui terminar na minha vida, mas me avisou antes, não foi sacana. Ele realmente me avisou, girando aquela bolinha colorida no centro da tela, meses a fio, chegando ao ponto de me fazer reiniciar três vezes. E eu, para que levantar a bunda da cadeira para mandar consertar? Que preguiça de sair de casa, ou chamar um moço para ir consertar lá em casa. Que preguiça de receber o moço.
O título do roteiro era E.U. Começava num vagão do metrô chegando na rodoviária do Tietê, em São Paulo. E.U. estava dentro do vagão, com o olhar fixo na bunda gigantesca de uma mulher gorda à sua frente. A bunda desce junto com ele, carregando uma mala pesada, andando depressa. “Posso te ajudar com a mala?” A mulher desconfia. E.U. usava um boné tampando metade da cara. “Que portão você vai?” Ele pergunta, já segurando a outra alça e subindo as escadas.
Os dois passam juntos na frente de uma banca. “Deixa eu só comprar uma água”, fala a gorda. E.U. abaixa mais ainda a cabeça. Em todos os jornais, na capa, a manifestação em Brasília; 200 mil pessoas pela contagem do Datafolha, um milhão de pessoas na verdade, segurando cartazes com uma foto dele. E tudo isso com uma vozinha no interior da minha mente, faz um backup, faz um backup, e eu dando option-command-esc, option-command-esc, até o fim.
O Macbook nunca mais ligou. Levei no Cassinho, levei no Léo, entrei em depressão. Voltei a fumar, comecei a beber, emagreci dois quilos, comprei outro Macbook branquinho e nunca mais terminei um roteiro.
Meu segundo Macbook durou seis meses. Quebrou porque caiu. Uma queda retumbante de cima do capô do carro. Eu esqueci a mochila no capô do carro e saí andando. Aí eu comprei o prateadinho, mas ele quebrou também, por excesso de download (eu acho). Aí eu comprei outro, porque eu sou rica, nascida e criada em Mambucaba mas com uma alma de Orleans e Bragança, e assim fui indo, parcelando em dez vezes, trocando iPhone quebrado junto. Ryca. Com y.
A bolinha colorida está girando de novo. Vou comprar outro Macbook? Você viu o preço do Macbook? É o dólar a 3,50 e mais três vezes o preço que o tudo aumentou. Paguei mil reais outro dia de farmácia, formei uma fila conferindo o preço das coisas, tira o Rinosoro moça, conserta esse Macbook, Vanessa.
Minha filha, é para isso que serve uma crise, para a gente evoluir como pessoa. Olha só que maravilha são as coisas. Nós somos agraciados todos os dias com pequenos milagres; é uma oportunidade que estamos tendo de olhar os nossos homens públicos e refletir: por que votamos neles? Não é uma coisa maravilhosa parar para pensar nisso? Não é uma coisa maravilhosa que você vai consertar um Macbook?
Ai, pai, estou com saudade.
Tempos de crise
por Vanessa Agricola