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#22DuploCulturaLiteratura

Aguenta coração

por Vanessa Agricola

“A mamãe não! A mamãe não!”. Mais uma vez ele me enxotou. Ouvi uma choradinha na babá eletrônica, fui lá, e fui expulsa: “Eu quelo o papai, eu quelo o meu papaizinho!”. Deita aqui no colo da mamãe, filho. “Nããão, a mamãe nããão!”.

Tá bom. Eu sei que ele não é a única criança que prefere o pai; lá na casa da Bá, minha amiga mais bem-resolvida, eles também só chamam o pai. Mas quem disse que não dói? A Bá vive me dizendo que dá graças a Deus que não é ela que tem que ir lá de madrugada, que ainda bem que não é ela que tem que sair da cama (a Bá é uma pessoa que preza muito por uma boa noite de sono), mas não é só de madrugada que ele me rejeita. Ele prefere o pai para tomar a mamadeira, o banho, ele quer o pai pra levar ele na escola. Vamos com a mamãe, filho? “Nããão, o papai leva”. Filho, a mamãe fez macarrão, vamos jantar? “Nããão, o papai dá”.

Eu vim aqui na varanda para dar uma respirada, porque é difícil lidar com a rejeição, não é mesmo? Eu mal consigo conviver com minha babá que me odeia, e minha sogra; imagina tomar essas invertidas do meu neném, meu zizi, meu formigueirinho. Eu ia acender outro cigarro, mas já fumei uns cinco. E justo hoje o doutor Marcelo falou, “cuidado com o cigarro”. O doutor Marcelo fala que eu tenho o trio elétrico: colesterol alto, gordura no fígado e proteína C reativa sempre reagindo. “Até a menopausa, os hormônios femininos te protegem, depois infarta mesmo”.

Eu vou falar uma coisa para você. Eu sou meio a fim do doutor Marcelo. Ele é gênio, ele é bonito (combinação bombástica para um coração feminino) e ele é tão, mas tão educado. Pensa você que eu vou lá desde os 27 anos, e ele nunca me mandou tomar no cu. Desde os 27 anos ele me manda parar de fumar e eu não paro, desde os 27 anos ele me diz para fazer exercícios e eu não faço, desde os 27 anos ele me avisa que eu tenho o trio elétrico e que, se eu não tomar a Rosuvastatina, que eu não tomo, eu vou infartar mesmo.

Mas eu sou teimosa. Eu tomo cápsula de alcachofra e água de casca de berinjela, umas gotinhas, porque um homeopata me falou que a Rosuvastatina causa rigidez muscular. “Sei”, o doutor Marcelo disse. A outra coisa que o doutor Marcelo sabe é que homeopatia não funciona. Não para uma pessoa com LDL 208, como eu. Mas isso ele não disse. Só me abriu uma pesquisa da The New England Journal of Medicine e me mostrou, parágrafo por parágrafo, os resultados do último teste cego duplo feito com mulheres com colesterol e proteína C reativa altos, que teve que ser encerrado, porque as mulheres acima dos 50 anos que não tomavam a Rosuvastatina morriam.

Tá bom, doutor, tá bom. “Só tem mais uma coisinha que não está muito boa. Seus eosinófilos estão em 19,7%.” O que significa isso? Estou com vermes. Eu não sei se eu fiquei mais incomodada em ter vermes, ou que o doutor Marcelo soubesse que eu tenho vermes.

Estava aqui pensando, será que foi por causa do dia em que eu gritei com ele porque ele não queria comer nem o macarrão, e aí eu tive um surto e dei um soco na mesa? Ai, meu deus do céu, que culpa. E também teve outro dia em que eu tive outro surto no carro, porque ele queria a chupeta e a chupeta estava no chão, e eu não conseguia alcançar a chupeta, e ele gritava, gritava, e eu gritei mais ainda.

O pai nunca levantou a voz para ele na vida. O pai é muito mais legal que eu (e que a maioria das pessoas do mundo, na verdade; é concorrência desleal). O pai para o carro, estaciona e pega a chupeta. O pai desiste do macarrão e faz uma mamadeira. Eu sou uma louca, meu filho, eu te entendo. Mas eu sou louca por você, meu formigueiro. A coisa que eu mais gosto no mundo é quando você deita no meu colo. Inclusive, se eu fosse um bicho, eu seria um cachorro, que precisa de colo. Seu pai é mais gato. Ele fica bem sozinho.

Ele não tem vermes, nem colesterol alto. Eu vou morrer mais cedo que seu pai, vai me escutando. Ou pelo menos escuta o que o doutor Marcelo falou.
“É um colesterol na categoria dos estratosféricos. Mata mesmo.”

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